O comboio que não apita três vezes
Fim do dia no norte do Camboja, a terminar com uma viagem pelos arrozais, num "trem de bambu". É assim que lhe chamam. Caso único, invenção da juventude local. Uma pequena plataforma, não mais do que o espaço para quatro ou cinco passageiros, incluindo o "maquinista", feita de canas e assente em dois eixos que em tempos de outrora devem ter servido para fazer circular uma vagoneta. Todos sentados no estrado, agarrados ao vazio, que a coisa anda depressa e os carris já há anos que não eram utilizados e estão, por isso, ligeiramente desalinhados, no seu enfiamento. E um motor atarraxado à plataforma, uma coisa de fabrico chinês, feito para empurrar tudo o que tenha rodas. Cada vez que as rodas de ferro batem no desalinhamento dos carris, os passageiros ouvem um barulho grave, saltam no estrado, imaginam-se a aterrar nos campos de arroz e ficam surpreendidos por a coisa andar e bem.
O problema é quando uma dessas plataformas vem, no mesmo carril, em sentido inverso. O protocolo local, regras são regras, manda descer os que estão no "trem" com menos passageiros. Depois, os dois maquinistas tiram essa plataforma da linha, mais os eixos, deixam passar o outro "trem", voltam a montar o que saíra dos carris e a aventura continua.
Dizem que este modo de vida está ameaçado. A linha vai ser refeita, modernizada, e os verdadeiros trens de longo curso voltarão a ocupar o espaço que deixaram vazio há mais de trinta anos. Só espero que os jovens inventores de hoje possam ser os maquinistas a sério dos comboios de amanhã.