Os gabinetes dos grandes deste mundo têm pelo menos um ponto em comum com os cafés das aldeias portuguesas: as televisões estão sempre ligadas. Assim são os tempos que vivemos. O que aparece na televisão conta e influencia as tomadas de decisão. É o que está a acontecer com as imagens sobre os refugiados, que a toda a hora nos enchem os ecrãs. A repetição amplifica o problema. E está a obrigar os políticos a refletir de modo diferente sobre as crises no Médio Oriente bem como sobre as ineficiências na cooperação para o desenvolvimento, nomeadamente em África.
Cada desgraça que atravessa o Mediterrâneo vem lembrar-nos que o tempo para superficialidades e remendos acabou. Tem que se ir ao cerne dos problemas, com honestidade e coragem políticas. É preciso equacionar soluções que nos pareciam, até este verão, impensáveis. Grandes tragédias exigem grandeza política. A redefinição da estratégia ocidental em relação à Síria constitui a prioridade absoluta. É aí que se situa o olho da tormenta que destrói vidas e contagia uma vasta área geopolítica, incluindo agora a UE. Passados mais de quatro anos de guerra civil e perante a evidência do fracasso da linha seguida até ao momento, é essencial repensar como acabar com a crise.
Não creio que possam existir dúvidas quanto aos objetivos que contam: restabelecer a paz e, ao mesmo tempo, aniquilar o grupo terrorista conhecido como o Estado Islâmico. É evidente que estamos perante dois intentos muito complexos. Têm, contudo, que ser atingidos. As alternativas seriam a continuação das vidas destroçadas, da morte, da desestabilização da região, dos êxodos e a expansão do terror, da barbárie, dos crimes contra a humanidade e o património histórico. São, também é verdade, duas ambições de alto custo. Mas cuidado, que os custos do medo, do desespero e da destruição são incomparavelmente maiores, para além de serem moral e politicamente inaceitáveis.
Voltarei ao assunto da destruição do Estado Islâmico noutra altura. No que respeita à paz, o governo de Damasco deve ser incluído no processo. Não se trata de fazer tábua rasa das atrocidades perpetradas por Bachar al-Assad e pelo seu círculo de poder. Assad está profundamente ligado às causas do problema e tem responsabilidades gravíssimas. Todavia, o realismo e as exigências da paz impõem que faça agora parte da solução. Quem pensa que o dirigente sírio tem os dias contados ainda terá muitos dias para contar. Por outro lado, a derrota pura e simples de Assad – e do que ele representa – abriria a porta a novas tempestades, desta vez dirigidas contra os alauitas e os seus aliados. Mais ainda: só este tipo de perspetiva terá alguma hipótese de ser legitimado pela ONU. Para os líderes ocidentais, que deste o início da crise foram além da prudência, ao afirmar que recusariam uma solução que incluísse o homem de Damasco, a opção é indigesta, porém inevitável. Há que fazer a pirueta política que a realidade impõe e forçar, em cooperação com a Rússia – com todas as cautelas –, um plano de transição que inclua as várias fações sírias, com exceção do Estado Islâmico e de outros equivalentes.
Não se conseguirá obter a paz de um dia para o outro. Mas há urgência. Um novo ciclo de negociações deve começar desde já, com o beneplácito do Conselho de Segurança. Entretanto, o financiamento da ajuda aos deslocados e refugiados terá que continuar sem hesitações. Essa assistência é um dever moral dos Estados com meios para o fazer e uma obrigação à luz do direito internacional.
Vi uma boa parte da primeira intervenção de Jeremy Corbyn em Westminster, como líder trabalhista, e pareceu-me muito bem. Pode não se estar de acordo com muitas das suas ideias, mas o estilo sério, ponderado e modesto inspira confiança e sabe a modernidade. As preocupações que levantou, nas Perguntas ao Primeiro-ministro, vieram directamente das pessoas, tratavam de assuntos reais e preocupantes, com as questões do acesso à habitação a preços controlados ou a falta de cuidados de saúde para os doentes mentais.
Esta é a altura do ano em que os compromissos me trazem a Riga. Assim acontece, de há cinco anos para cá. E para quem vem de Lisboa, Riga é uma lufada de tranquilidade, de parques e flores, de beleza urbana e de gente com maneiras. A cidade funciona bem, os prédios, muitos deles do estilo Art Nouveau, estão bem tratados – tem havido muito trabalho de renovação nos últimos anos – o mercado central é um prazer para os olhos e uma oportunidade de apreciar o custo de vida – que continua muito mais em conta do que em Lisboa.
Este ano, com a história das sanções, os Russos fizeram de Riga um destino menos frequentado. Foi uma vingançazinha do lado do Vladimir. Em resposta às restrições europeias, o homem do Kremlin e os seus amigos aconselharam os russos a ir a banhos aqui ao lado, no enclave que a Rússia tem no Báltico e cuja capital é Kaliningrado. Até um festival anual de música, que tinha lugar nos arredores de Riga foi este ano mudado para o enclave russo.
A eleição de Jeremy Corbyn como Líder do Partido Trabalhista do Reino Unido continua a despertar as mais variadas reações e interpretações. Dentro do partido, a maioria dos dirigentes que haviam sido, nas duas últimas décadas, as personalidades fortes e a voz dos Trabalhistas no Parlamento e na imprensa, decidiu não alinhar com Corbyn. Não aceitaram fazer parte do Governo-Sombra, ou seja, dos que se sentam na bancada da frente no Parlamento e fazem contraparte e oposição aos ministros do Governo de facto. Apesar disso, a equipa que Corbyn conseguiu formar – e foi anunciada hoje – tem mérito e vai certamente dar luta à formação de David Cameron. O primeiro teste do novo grupo de dirigentes vai ter lugar nesta quarta-feira, no Parlamento, durante a sessão quinzenal das Perguntas ao Primeiro-ministro. As atenções vão certamente estar focadas nessa confrontação. Assim são os tempos que correm. Elege-se alguém e quer fazer-se um julgamento definitivo sobre esse novo dirigente de imediato. Há que esperar. Jeremy Corbyn é certamente uma grande incógnita em termos de liderança. Uma coisa é ser um rebelde, outra é dirigir um partido como o Trabalhista. Mas julgar o homem desde já, será injusto. Há que seguir os acontecimentos com atenção e tentar perceber o que se está a passar no Reino Unido. E ver qual é o impacto de tudo isso sobre outras partes da política europeia.
Após várias semanas de eleições internas, o Partido Trabalhista do Reino Unido anunciou hoje que o novo Líder passa a ser Jeremy Corbyn.
É, como não podia deixar de ser, um membro do Parlamento em Westminster. Ao longo do seu longo percurso político, Corbyn foi sempre considerado um deputado à revelia da política do seu partido. As suas posições são de um radicalismo de esquerda que, até agora, não tinha cabimento no quadro de ideias que durante muitos anos – e sobretudo a partir dos tempos de Tony Blair – constituiu a política oficial do partido. Por isso, a sua eleição não só marca um momento de revolução interna como surpreende.
Há que reflectir sobre o significado desta eleição.
As razões serão várias. Mas hoje queria deixar aqui uma que me parece particularmente interessante. Muitos dos que votaram por Corbyn disseram que este é um político com ideias claras e fáceis de entender. Não fala com meias-palavras, com subtilezas e lengalengas que nos deixam a dormir em pé, nem tem medo de dizer aquilo que pensa. Diz sim ou não e explica porquê. Pode não se estar de acordo com a explicação, mas fica-se com uma alternativa clara em cima da mesa. Em matéria de política, o cidadão gosta de fotografias a preto e branco.
Para quem quer ir para o centro da cidade, o preço é fixo – 15 Euros, para uma distância de cerca de 10 quilómetros – e paga-se num balcão na área das chegadas. O táxi está imediatamente disponível, limpo, com a internet sem fios gratuita e rápida. O rádio permanece desligado. O motorista veste-se com rigor e tem uma excelente apresentação. Não abre a boca, a não ser para responder a alguma pergunta que lhe seja feita. Durante o percurso, nunca ultrapassou os limites de velocidade nem nada que se parecesse com uma manobra perigosa. E em poucos minutos estávamos no centro de Riga.
Cheguei a Riga já depois do fim do famoso debate nas televisões portuguesas. Mas, pelo que tenho ouvido, parece que António Costa passou melhor este importante teste. E acrescento que assim não poderia deixar de ser. Jogava ao ataque, não tinha contas de governação recente para prestar e à sua frente estava um oponente que não percebe o impacto nefasto das lengalengas, das explicações intermináveis que nada esclarecem. As pessoas querem respostas directas e claras. É assim que se faz política nos dias de hoje. Grandes conversas não levam água a nenhum moinho, não convencem. Nem dão a impressão de sinceridade. Só servem para aumentar a desconfiança e os anticorpos.
Este ano a companhia aérea alemã Lufthansa é uma recordista de greves. Hoje e amanhã decorre mais uma, pela décima terceira vez em 2015. E desta vez, o incómodo enorme que estas coisas causam calhou-me a mim.
Passei a tarde a tentar reencaminhar a viagem de amanhã. De uma das vezes, o tempo de espera ao telefone – uma chamada paga, de valor acrescentado – foi de uma hora. Pior ainda, nestas coisas, é o stress. Viajar para certos cantos não é fácil, mesmo quando tudo corre bem. Acrescentar a isso um par de incertezas, é coisa dos diabos. Ou de pilotos ricos e indiferentes perante a sorte de uns simples mortais a que também se costuma chamar passageiros.
A comunicação social marca a agenda política, define as prioridades. Mesmo nestes tempos que são de vésperas de eleições. E, ao que parece, a questão fundamental, neste Portugal de setembro de 2015, centra-se numa interrogação profunda: o homem vai falar antes ou depois das legislativas?
Abençoado o país que tem essa questão como o foco das preocupações.
Por isso, ontem ao fim do dia, recebi uma chamada de um diário de referência que queria saber a minha opinião sobre o assunto. E ela lá está, com todas as letras, bem impressa, ao lado de mais uma série de opiniões de gente mais ou menos ilustre.
Isto, mais o Sol do dia de hoje, faz de nós um povo no caminho certo.
Quando se analisam grandes movimentos de massas, como os que estão a acontecer na UE, não nos podemos esquecer do efeito “ bola de neve”. Os muitos de ontem, são seguidos hoje por milhares e por várias vezes mais, amanhã. Cada um que parte deixa na retaguarda, três, quatro ou mais potenciais migrantes.
Uma parte da explicação do que está a acontecer terá que ver com o ocorrido em 2014. Nesse ano, a Alemanha acolheu cerca de 200 mil candidatos a refugiados. Um bom número dessas pessoas fez chegar a mensagem, aos familiares, amigos e conhecidos que ficaram para trás, que a Alemanha abrira as suas portas ao acolhimento. Nos campos de desespero, na Turquia e noutros sítios, uma mensagem desse tipo desencadeia novas esperanças e dá força a mais partidas. E assim surgiu a vaga de fundo que estamos a presenciar este Verão.
A resposta que vier a ser dada aos que agora chegam irá influenciar muitos dos que ainda estão nos campos no Médio Oriente. Tendo em conta a resposta humanitária que está em marcha, sobretudo na Alemanha, na Áustria, na Itália, e em mais um ou outro país da União, é de prever que a “bola de neve” continue nos próximos meses. Haverá um afrouxamento com a chegada do mau tempo e da estação outonal. Mas retomará fôlego logo que a Primavera de 2016 dê sinais de luz.
Perante esta constatação, torna-se evidente que a janela de oportunidade para estabilizar a situação na Síria e permitir um retorno ao país corresponde fundamentalmente aos próximos seis meses. A ONU e os amigos da Síria, de todos os bordos, deveriam redobrar os esforços necessários para a resolução da crise. É preciso chegar a um acordo político que respeite todos e cada um dos grupos étnicos existentes no país bem como os direitos humanos de cada cidadão. Esse acordo terá um impacto indiscutível sobre a situação humanitária. Passa, e há que ter a coragem de o dizer, por uma revisão da posição de certos governos no que respeita a Bachar al-Assad e ao grupo que o apoia. Assad é, indiscutivelmente, uma grande parte do problema. As circunstâncias dos últimos tempos mostraram que terá agora que encarar a oportunidade de ser parte da solução. Não haverá paz na Síria sem um acordo entre todas as facções.
A outra face da medalha diz respeito à liquidação do Estado Islâmico. Ao mesmo tempo que se procurará um acordo político interno, com a garantia da comunidade regional e do Conselho de Segurança, deve passar-se a uma fase superior na luta contra a liderança do Estado Islâmico. Os planos franceses e ingleses de atacar bases do EI no interior da Síria serão, quando ocorrerem, passos significativos no bom sentido. Mas será preciso mais. O EI tem que sofrer golpes definitivos nas próximas semanas e meses.
Assim sim, assim estaremos a tratar da contenção da “bola de neve”.