Fiquei satisfeito com a tomada de posição de António Guterres, enquanto Alto-Comissário, sobre a crise dos refugiados na Europa.
Esta semana havia criticado, no meu texto para a Visão de ontem, o silêncio de Guterres, que até agora nada havia dito de substância sobre uma matéria tão grave e que tem que ver com o mandato da agência que dirige.
A voz da ONU existe para ser ouvida nestes momentos de grande perturbação. Ficar quieto e mudo é um sinal de fraqueza. Um verdadeiro líder, à frente de uma organização com autoridade moral, que é o caso do ACNUR, tem o dever de lembrar os princípios e as regras internacionais e apelar para que os Estados, por muito poderosos que sejam, as cumpram.
Liderança exige clareza e coragem. Estas duas características não são incompatíveis com a prática da diplomacia. As coisas podem ser ditas com firmeza e de modo claro sem se pisar nenhum calo diplomático.
Na ONU o problema é, muitas vezes, diplomacia e subordinação aos poderes políticos a mais, e coragem de menos. Sempre me bati contra isso. Sobretudo quando os dirigentes das agências e os responsáveis dos programas eram gente boa, mas com uma certa tendência para a timidez política ou com o pezinho a resvalar para o oportunismo.
Seria um exagero dizer que o Verão de 2015 pôs a política europeia de pantanas. Mas pode-se afirmar que deu um bom safanão a algumas das convicções ideológicas que sustentam o edifício dos mitos comuns. Entramos em setembro com mais dúvidas e o sentimento que os alicerces da estabilidade e da prosperidade europeias estão agora seriamente fragilizados. Ao Verão das crises poderá seguir-se o Outono das incertezas, das hesitações, dos azedumes entre líderes e do fechar de muitos nas suas conchas nacionais.
Primeiro foi o nó górdio grego. Para além do faz-de-conta, das palavras ocas de apaziguamento e dos acordos arrancados a ferros, sabe-se o impacto que teve na unidade e na solidariedade europeias, bem como nos preconceitos de uns em relação a outros. A Grécia desferiu um golpe profundo no projeto comum e sofreu, por sua vez, o preço que a Europa que manda faz pagar a quem não trata de si. Neste tipo de crises, perdem todos, e à grande. E não quero falar nos abalos nos partidos de extrema-esquerda, que passaram a estação quente a engolir sapos vivos, e a frio. Deixemos a Grécia de lado. Uma crise maior e mais generalizada tomou entretanto a dianteira e ganhou proporções inimagináveis. Refiro-me à explosão migratória, aos corredores da desgraça humana que rasgam o Mediterrâneo e combinam esperança e desespero, tráfico e violências, naufrágios e imagens de crianças a caminhar ao longo das vias férreas, em direção a um futuro povoado de ilusões.
Os nossos governos nunca pensaram que isto pudesse acontecer dentro das nossas fronteiras, nem estavam preparados para responder a movimentos de massas desta amplitude. As velhas ideias, velhas por serem as que vigoravam antes do Verão, sobre os candidatos ao asilo e à imigração pareciam claras. Baseavam-se na crença que os refugiados ficariam em campos de tendas de lona bem longe da nossa porta. O papel que nos estaria reservado, enquanto países ricos, seria o de fazer contribuições voluntárias para o ACNUR e esperar que a agência se ocupasse dessas gentes. Quanto aos imigrantes, a política era linear: a polícia identificava-os nas praças públicas, com base na cor da tez; se se encontrassem numa situação ilegal, pegava-se neles e procedia-se ao seu recambiamento para os países de origem.
A verdade é que ainda há quem assim pense. Por isso, os Estados e Comissão Europeia continuam a aprovar verbas descomunais destinadas à deportação de indocumentados. Todavia, depois do que tem estado a acontecer, essa maneira de proceder deixou de ser viável. Por muito que doa aos reacionários de toda a estirpe, a resposta securitária está a ser levada pela torrente. A realidade da imigração é demasiado grande para as políticas do cacete. Curiosamente, Merkel e Renzi, sobretudo estes, parecem começar a entender o novo contexto.
Estão, contudo, a pregar para quem não os quer ouvir. Na UE, o que conta é empurrar os problemas para a casa do vizinho. Impera o nacionalismo miudinho. Bruxelas perdeu a voz e anda a fingir-se ocupada com outras coisas. E o ACNUR fechou-se em copas. É um misto de silêncio, para não irritar um grupo de doadores poderosos, e de prudência tática, para não prejudicar outras ambições. É, acima de tudo, uma visão contrária à que sempre tive sobre o papel da ONU: ter coragem e lembrar a cada Estado, grande ou pequeno, quais são as suas obrigações perante as crises internacionais
O debate político de ontem à noite, transmitido por um canal de televisão que faz parte dos pacotes pagos – e por isso de acesso reduzido –, lembrou-me uma vez um dos aspectos singulares de Portugal, enquanto Estado da UE. Em que outro país da Europa existe um partido comunista como o PCP e com o seu peso eleitoral?
Fora isso, o debate mostrou que o PCP e o Bloco de Esquerda têm políticas que não permitem pensar numa qualquer aliança com o PS. As discordâncias dizem respeito a questões fundamentais, nomeadamente em matéria de obrigações europeias e de política externa. No caso do PCP são inultrapassáveis. O Bloco pareceu-me ser ligeiramente mais flexível. Mas mesmo assim, não vejo qualquer possibilidade de acordo entre o BE e o PS.
A liderança socialista deveria ter essa impossibilidade em conta e falar claramente sobre o assunto, durante a campanha eleitoral.
Nos cafés das vilórias do Alentejo há sempre um ecrã de televisão ligado. Está sintonizado, de um modo geral, para o canal por cabo do Correio da Manhã (CMTV). É uma maneira de atrair os poucos possíveis clientes que ainda existem por essas terras. Trata-se de um canal que, por ser pago, não está disponível nos lares da maioria dos habitantes. Mas é um canal muito procurado e capaz de influenciar muita gente. A leitura que fica sobre a realidade do país é, em grande medida, influenciada pela CMTV.
Por vezes, à noite, há uma outra vida nas televisões desses cafés. São momentos em que impera a TV Sport, outro canal pago, e o futebol é rei.