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Crescemos quando abrimos horizontes

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Cazaquistão: um povo revoltado

As poucas imagens que nos chegam do Cazaquistão – a ditadura corrupta tem estado a impedir o acesso à internet e às redes sociais – mostram pelo menos duas coisas.

Primeiro, que se trata de uma revolta popular generalizada, contra um regime que veio directamente dos tempos soviéticos e que tem roubado o país a torto e a direito. Um regime que serve essencialmente uma família, a de Nursultan Nazarbayev, que esteve no poder na era comunista, desde 1984, e depois foi presidente da república de 1990 a 2019.

Segundo, que as forças armadas e a polícia dispararam a matar contra os manifestantes. Não mostraram ter qualquer tipo de respeito pela vida dos seus concidadãos. Também revelaram que não têm nenhum tipo de preparação para responder, de modo não-letal, a manifestações de massas.

Estas fotos surgiram no mesmo dia em que se lembrava o ataque contra o Capitólio, nos Estados Unidos, que há um ano tentou subverter o processo democrático americano relativo à eleição presidencial. Também nessa altura, massas de indivíduos atacaram as forças da ordem e um edifício que é o símbolo da democracia representativa americana. Esses indivíduos não podem ser comparados, nos seus motivos, aos manifestantes que agora saíram à rua em quase todas as cidades do Cazaquistão. Mas a maneira como as diferentes polícias de Washington responderam ao assalto perpetrado a mando de Trump foi bem diferente do que se viu agora na Ásia Central.

As forças policias americanas têm enormes deficiências. Não são, de modo algum, um modelo, no Ocidente. Mas sabem que não se atira a matar contra multidões de manifestantes, por muito violentos que esses possam ser.

 

Um exemplo de activismo muçulmano

O meu primeiro contacto com a senhora Zhamal Frontbek teve lugar há quatro anos, no escritório das Nações Unidas em Bishkek, a capital do Quirguistão. Zhamal havia fundado e dirigia uma organização não-governamental – Mutakallim – que tinha como objectivo lutar pela promoção social das mulheres muçulmanas do Quirguistão. Na altura, Mutakallim – uma palavra árabe que quer dizer porta-voz – tinha pouca capacidade organizativa, mas possuía dois grandes trunfos. Um tinha que ver com as características da fundadora, uma mulher madura e respeitada, que fizera a transição da União Soviética para a criação de um país independente. Num contexto de oportunismo político e de corrupção, Zhamal projectava uma imagem honesta, austera e, ao mesmo tempo, compassiva. O outro trunfo é que tinha contactos, nos mais remotos cantos do país, com mulheres que eram líderes locais. Para a organização que eu representava, uma parceria de apoio a Mutakallim era um desafio inédito. A grande questão era a de saber se seria possível ajudar Mutakallim na transição para uma organização capaz de defender os direitos das mulheres quirguizes, de as preparar para uma maior participação na vida cívica do país e, também, para uma participação mais efectiva na vida económica de um país que estava em transformação e que, até então, deixava pouco espaço económico à maioria das mulheres.

Hoje foi dia de fazer o balanço, após três anos de trabalho conjunto. Zhamal Frontbek, eu e os meus colegas mais operacionais passámos uma boa parte da manhã no Zoom. A conversa confirmou-me o que já sabia. O que era uma organização religiosa muito estrita e com uma interpretação muito literal da prática muçulmana transformou-se numa força cívica que agrupa mais de 29 mil mulheres. Luta pela promoção e protecção dos direitos das mulheres quirguizes, sobretudo as que vivem nas zonas mais remotas e em meios rurais, combate todas as formas de violência e discriminação e contribui para a resolução pacífica de conflitos ao nível das comunidades. De um patamar retrógrado passou para um patamar progressista, sem no entanto perder o seu ADN religioso. Zhamal revelou-se uma líder sem medo. Quando lhe propusemos que trabalhasse com uma conselheira quirguiz não religiosa e com uma visão cosmopolita da vida e do mundo – uma pessoa no pólo oposto ao seu – hesitou durante algum tempo até dizer que sim. Aceitou o risco e o desafio. Ora, revelaram-se um tandem ganhador. E nenhuma delas deixou de ser o que fundamentalmente sempre fora. Mas mostraram-nos que é possível ter êxito juntos, mesmo quando as filosofias de vida são muito distintas.

 

Uma volta rápida pela crise

Tive um dia muito variado.

De manhã, numa caminhada de uma hora ao longo do Tejo, ali para os lados da Torre de Belém e mais além, contei cinco turistas. E vi um dos autocarros anfíbios entrar no rio, para fazer a volta habitual, com duas pessoas a bordo: o motorista e o empregado que serve os passageiros. A Torre estava aberta e não tinha qualquer visitante. Para surpresa minha, nem guarda de honra havia, frente ao monumento dos Antigos Combatentes. Estranho, mas verdade. Todos aqueles nomes inscritos nas paredes à volta do memorial estavam abandonados à solidão que a crise lhes trouxe. A crise justifica tudo, costumo dizer e aqui estava mais um exemplo da justeza desse meu ditado.

À tarde, passei quatro horas numa videoconferência, que reuniu colegas da Suíça, de Washington, Londres, Dakar, Ouagadougou, Johannesburgo, Yangon, Bishkek e dos Balcãs. O objectivo era fazer o ponto da situação de certos conflitos violentos, nestes tempos de pandemia. Também se procurou olhar para a frente, para tentar perceber o ecossistema político que está em formação.

A verdade é que há poucos motivos para optimismo, quando se trata de países com grandes problemas internos e má gestão política. O caos cívico e a falta de capacidade das administrações públicas são obstáculos enormes no caminho da recuperação. Os governos reagem autocraticamente e impõem restrições que não têm outra justificação para além de esconder a incompetência, a apropriação ilegítima do poder por uma minoria e a corrupção. As organizações da sociedade civil são especialmente visadas. Aos cortes nas contribuições financeiras junta-se a repressão e a difamação. As economias nacionais, já fracas à partida, quando não estavam em ruínas, estão agora perto da catástrofe. E o potencial para novos conflitos internos é hoje maior.

Mas o importante é não cruzar os braços. Foi isso que discutimos em pormenor. Como também se analisou o que a China está a fazer nessas regiões e qual tem sido a resposta das populações. Em geral, não é favorável. Mas os governos nacionais olham para Beijing como quem procura uma tábua de salvação. Sobretudo porque os outros actores internacionais estão ausentes ou em modo lento.

É toda uma realidade que está a emergir e que tem muito de novo. É isso que é preciso compreender, enquanto se reconhece que ainda há muitas cartas por jogar.

G. e G.

Passei o dia a discutir alguns dos grandes desafios que a Ásia Central – as cinco antigas repúblicas soviéticas – tem pela frente. E já no final do dia, um jornalista conhecido telefonou-me de Lisboa, a perguntar qual era a minha opinião sobre a prestação de Kristalina Georgieva nas Nações Unidas. A verdade é que estava muito longe desse assunto. Disse-lhe que ainda não tinha informações sobre a matéria. E lembrei que neste momento há muitos especialistas em questões onusianas no panorama intelectual lisboeta. Talvez fosse melhor perguntar-lhes a opinião, sobretudo aos do costume.

E esperar por quarta-feira, pela próxima volta, no Conselho de Segurança.

Já depois disso, soube duas ou três coisas. Que o embaixador do Quénia junto da ONU, o meu antigo colega Macharia Kamau, que também desempenha as funções de presidente do Fundo das Nações Unidas para a Consolidação da Paz, o que lhe dá uma voz grossa, achou que Georgieva pode ter aparecido à última hora, mas ainda “apareceu a tempo e no tempo preciso”. Interessante. E mais. Que os Nórdicos estão a fazer campanha pela nova candidata. Consideraram que a senhora teve um desempenho de qualidade e que é a altura de ter uma mulher no cargo. Uma mulher bastante competente, acrescentam. Finalmente, que os russos acharam bem que ela se exprimisse na sua língua, ao fazer as suas intervenções.

A isto junta-se a geopolítica – o Leste europeu – e o género.

Do outro lado, temos António Guterres. Um candidato que toda a gente sabe que é muito forte.

Veremos o que acontece depois de amanhã.

Fronteiras

 

DSC01498.JPG

Copyright V. Ângelo

 

Na semana passada estive aqui, na fronteira entre o Quirguistão e o Usbequistão. A foto mostra a vedação de arame farpado que os usbeques construíram ao longo das centenas de quilómetros de fronteira. Do outro lado, do lado das árvores, temos o Usbequistão e os seus guardas-fronteiriços. Têm ordem para disparar a matar, caso alguém tente passar a linha de separação ilegalmente. Aqui não há estados de alma, nem questões de imigração clandestina, nem aceitação de refugiados. É uma outra realidade, neste mundo pós-soviético.

 

 

Um exemplo profissional

O meu motorista em Bichkek é um cidadão “etnicamente russo”, como diz o seu bilhete de identificação nacional. Um homem que deve estar na casa dos sessenta, mais ano menos ano. Em 1991, na altura da independência do estado quirguize, resolveu ficar e adoptar a nacionalidade do país para onde a União Soviética o havia trazido, tinha ele seis meses de vida. Os seus filhos, hoje maiores, resolveram emigrar para a Rússia, tal como aconteceu com a grande maioria dos russos nesta parte do mundo. Ele e a mulher sentem-se bem no Quirguistão.

Hoje, deu-me uma lição de ética profissional.

Estava eu no carro, com um colega, no banco de trás e íamos encetar uma conversa sobre um dos encontros que acabáramos de ter. Uma conversa que seria um pouco mais delicada que o habitual. Ele, que até então só precisara de falar russo, interrompeu-nos de imediato, em inglês, para nos alertar que entendia bem a língua inglesa e que, por isso, achava que era bom que estivéssemos a par dessa sua competência.

Foi exemplar.

E passámos a vê-lo não apenas como motorista mas como um guia que conhece bem as ruas e as histórias de Bichkek.

 

 

Viagens para além do horizonte

Estou a voar em direcção à Ásia Central. Quando digo Bishkek, Batken ou Osh, os meus próximos destinos, ninguém me entende. Na verdade, neste lado da Europa pouco ou nada se sabe sobre o que está a acontecer nos países que há 25 anos deixaram de fazer parte do mundo soviético. Um mundo que cessou mas que se mantém presente, mais ou menos, nas práticas políticas dessas bandas. E que ainda parece ter alguns fervorosos adeptos nas nossas ruas e becos políticos.

Comentando os comentários

O meu escrito de ontem sobre o burkini atraiu muita atenção e suscitou muitos comentários.

A minha reflexão procurava ser uma leitura política da proibição do uso do burquini. Não tinha a ambição de acrescentar uma linha que fosse ao debate religioso nem queria entrar em polémicas sobre a aceitação ou a rejeição de populações que vieram ou têm raízes fora da Europa, e muito particularmente em países de cultura islâmica.

Enquanto escrito político, levantava uma série de questões sobre as relações entre culturas muito distintas, quando estas coabitam no mesmo espaço nacional. Questões sobre a tolerância do outro, a integração, a militância protagonizada por um lado e o outro, bem como sobre a estabilidade política em sociedades muito diversas.

Estas são algumas das pistas de debate a que não poderemos fugir, sobretudo nos países com uma proporção significativa de pessoas que vêem a vida em sociedade por prismas que não são os tradicionais da Europa.

As reacções que tive mostram que se trata de um tema que interessa a muitos portugueses, apesar de não termos aqui situações semelhantes às que se verificam em Marselha, em Molenbeek ou em Berlim. Mostram igualmente que se trata de um assunto que é facilmente explosivo. Mas isso não deve impedir que se fale e se escreva sobre ele.

Curiosamente, um dos comentários aconselha-me a que levante o rabo do meu “confortável” cadeirão e que vá viajar por França, para entender o que se passa nesse país, em que os autocarros estão cheios de muçulmanos, e assim sucessivamente. É a primeira vez que alguém me diz que vá viajar. Como passei e continuo a passar a vida a andar por muitos e variados sítios, e não como turista apenas, mas sim por outras razões, o que normalmente me perguntam é quando vou parar de andar por esse mundo fora.

A resposta é que não será de imediato. Aliás, a próxima viagem levar-me-á à Ásia Central e curiosamente, estará relacionada com o crescente radicalismo religioso que tem estado a ocorrer nessa região. Um assunto que preocupa as autoridades e as organizações internacionais, e que não tem encontrado uma maneira eficaz de ser tratado

Mas, como podemos constatar, em Portugal também temos muitas vistas radicais e não serão mesmo nada de inspiração religiosa…

 

 

Restos estalinistas

 

Os países a montante dos grandes rios da região, têm recursos aquíferos abundantes. Mas não têm electricidade em quantidade suficiente. Os que se encontram a jusante, têm gás e petróleo.  Sofrem, contudo, de falta de água. Outrora membros da União Soviética, hoje não se entendem. Esta é a sina dos Estados da Ásia Central, do Casaquistão, Quirguistão, Tadjiquistão, Turcomenistão e Uzbequistão. Quatro milhões quilómetros quadrados, 61 milhões de habitantes, vastas estepes, montanhas a furar os céus, temperaturas extremas.

 

Está em curso uma tentativa, por parte das Nações Unidas, para criar condições de confiança política entre estes vizinhos, que são também paredes meias com o Afeganistão, a China, situam-se nas paragens do Paquistão e dos fundamentalismos, e estão na rota do ópio.

 

Esta parte do globo está a tornar-se uma zona estratégica importante. É, além disso, uma zona fascinante, berço de grandes culturas, belezas naturais únicas, e de um grande exotismo. Estive em contacto com Asgabate, a capital do Turcomenistão. Um longa conversa. A tentar perceber o que se pode fazer nesse mundo. Nada fácil, que a zona continua muito influenciada pela maneira de encarar as coisas que era própria dos anos de Estaline. Será possível mudar as mentalidades e promover a cooperação política que a região precisa?

 

Entretanto o Mar Aral vai desaparecendo, os glaciares estão a derreter-se, o meio ambiente a degradar-se. A vida dos cidadãos é cada vez mais difícil. Os ditadores fecham-se nos seus palácios, rodeados por cortes de homens-eco. 

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