As projecções mais recentes são pessimistas. A Comissão Europeia prevê que, este ano, a contração das economias europeias seja bastante acentuada. Os números que avança são da ordem dos 8 a 10%.
Na minha opinião, estes números serão revistos em Setembro ou Outubro, para pior. A pandemia continua a paralisar vastos sectores económicos. Os mercados internos e, acima de tudo, os externos, não estão a recuperar como inicialmente previsto. O consumo interno está relativamente tímido e não irá arrancar enquanto existir incerteza e insegurança ao nível do emprego. Por outro lado, as fronteiras internacionais não têm data de abertura. O comércio global é indispensável para que haja um mínimo de retoma.
Para além da observação que faço no parágrafo anterior, há um segundo aspecto que será necessário ter em conta. O grau de contracção do Produto Interno Bruto dos Estados membros não será o mesmo. As economias mais fracas, menos diversificadas e assentes em actividades pouco qualificadas, como o turismo ou as indústrias tradicionais, deverão conhecer decréscimos muito mais acentuados do que as outras. Portugal será uma dessas economias. Isto significa que a disparidade de desenvolvimento se irá agravar na União Europeia. Os países ficarão mais desiguais. Sabemos que uma união de parceiros díspares é uma união fraca. O agravamento das desigualdades entre os Estados fará aumentar os riscos de desagregação da Europa. Esse é um perigo muito verdadeiro.
Talvez seja por deformação profissional, mas sou dos que consideram os conselhos e avisos técnicos das organizações internacionais como importantes. Devem ser ouvidos com atenção e merecer ponderação. Pode pensar-se que têm falhas, que não reflectem todas as facetas da realidade que é a nossa. Não devem, no entanto, ser desvalorizados ou varridos par debaixo do tapete. Por isso, lamento a reacção do Presidente da República perante o relatório que a OCDE deu hoje a conhecer sobre aspectos estruturais da economia portuguesa. O Presidente limitou-se a dizer, na maneira superficial que é muito nossa, que não havia nesse relatório nada de novo e que até estaria um pouco desactualizado em termos dos dados estatísticos.
Não é verdade. O relatório chama a atenção para a falta de sustentabilidade das políticas económicas que foram seguidas nos últimos e nos anos de agora, para a escassez do investimento, para os benefícios dados aos funcionários públicos em detrimento do sector privado, para a falta de formação profissional de uma boa parte dos jovens do nosso país, e também para as desigualdades crescentes entre diversos tipos de trabalhadores e de regimes sociais.
Tudo isto precisa de ser levado a sério. Não se trata de questões levianas nem de beijinhos à malta que passa. Estamos a falar de questões de fundo, que tocam o presente e comprometem o futuro.
Está a debate o Orçamento de Estado para 2017. É um orçamento de compromisso, feito para passar junto dos bloquistas e comunistas, e pouco mais. Falta uma estratégia de médio prazo. As circunstâncias actuais da base governativa não o permitem.
Tenho repetidamente escrito nestas páginas que Portugal precisa de crescer do ponto de vista económico. Ora, o Orçamento para 2017 e, reconheço, uma boa parte da opinião pública nacional continuam apenas focalizados na repartição do pouco que existe e não nos incentivos ao investimento e ao crescimento económico.
Para repartir a pobreza, agravam-se os impostos, complica-se a máquina burocrática, cria-se instabilidade e incerteza quanto ao futuro do regime impositivo. Dá-se, sobretudo, a impressão que a tendência vai continuar no sentido do agravamento da carga fiscal e na improvisação de novas taxas.
Isto tem como resultado afugentar uma parte significativa dos investidores estruturais, sobretudo os externos.
No fundo, continuamos, como o debate o irá mostrar, a praticar a arte muito lusitana de nos condenarmos a nós próprios a não sair da cepa torta.
Tive a honra e o prazer de apresentar várias edições da versão em português do Relatório sobre o Desenvolvimento Humano na década de 90 e nos primeiros anos deste milénio. O relatório, elaborado anualmente pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, é um ponto alto de referência sobre o nível de desenvolvimento de cada país. É uma das bitolas mais completas, mais credíveis e de maior utilização. Combina toda uma série de indicadores num só índice.
Lembro-me que Portugal ocupava a 28ª posição à escala mundial em 2002. Chegou, antes, a estar no lugar 27.
Hoje foi publicado o relatório de 2015.
Com o andar dos anos, Portugal deixou-se ultrapassar. Melhorou, é verdade, mas muitos outros países melhoraram mais depressa.
Portugal está agora bem mais abaixo, em termos da posição relativa. Ocupa actualmente o 43º lugar.
Agora que se fala do programa do novo governo é bom lembrar que a prioridade das prioridades tem que ser o crescimento económico. Sem crescimento económico o que fica para repartir é a pobreza habitual. E por muito que se reparta, incluindo através de mais escalões do IRS, não dá para sair da cepa torta.
Até agora ainda não ouvi falar da economia e de incentivos ao investimento. Discute-se muito o social e faz-se silêncio sobre o emprego, a expansão do sector privado, bem como sobre desburocratização da economia.
Há aqui um desequilíbrio que é preciso corrigir sem demoras. Veremos se assim acontece.
"Converso" hoje na Visão com um sábio chinês. E partilho esse texto de seguida, após esta breve introdução. Boa leitura.
À conversa com um sábio da China
Victor Ângelo
Há umas semanas atrás, depois de visitar o pagode de Pindaya, no centro da Birmânia, meti-me à fala com um velho professor chinês. O pagode, construído numa gruta natural, dá guarida a mais de 8 000 estatuetas de Buda. Para além da atração turística, este templo é um lugar de peregrinação muito venerado. Eu, simples mortal vindo de uma cultura estranha, estava lá por mera razão de curiosidade. O meu interlocutor, catedrático da universidade de Chengdu, na China profunda, viera como estudioso do budismo.
Logo no início da conversa, aprendi a primeira lição. Para ele, eu era um europeu, e ponto final. Quando me apresentei como português, ficou a olhar para mim, como se estivesse à procura do sentido da minha maneira de me identificar. O silêncio, que me pareceu interminável, foi finalmente quebrado quando retorquiu que sim, claro, europeu. Essa era, no seu entender, a identidade que contava, que tinha algum relevo no seu país de origem. Português, alemão ou sueco, eram aos seus olhos particularismos que só teriam significado no seio da Europa. A China olha para nós, explicou-me, como um todo. E acrescentou que quando se pergunta a um cidadão norte-americano a sua nacionalidade, a resposta não é, sou do Arkansas ou do Mississípi. Tentei então explicar-lhe que, no nosso canto do mundo, ainda não conseguimos construir uma visão identitária que ultrapasse as fronteiras nacionais. Antes pelo contrário, a tendência vai, de novo, no sentido de erigir trincheiras entre as diferentes nações da Europa. Barreiras mentais e políticas, que são as que mais profundamente afetam os nossos comportamentos e maneiras de ver.
Para tentar salvar o bom nome da família europeia, lembrei que o produto interno bruto da UE é cerca de 1,8 vezes maior que o da China e que o nosso rendimento per capita equivale a cinco vezes o do seu país. Respondeu-me com uma segunda lição: o futuro deve ser pensado de outra maneira. A prosperidade e o bem-estar dos povos não podem ser medidos apenas em termos de consumo e de riqueza individual. Os padrões de vida europeus são insustentáveis a prazo. Com 1 355 milhões de habitantes, que aconteceria às metrópoles, ao meio ambiente e aos recursos naturais, se a ambição política chinesa fosse a de atingir para a sua população os níveis de consumo que se tornaram um hábito entre nós?
E, nessa altura, surgiu a terceira lição: a política, seja ela internacional ou doméstica, raramente é simples ou linear. A ambiguidade e as contradições são frequentes. A política faz-se muito na base de linhas sinuosas. Assim, o meu interlocutor acabou por reconhecer que o frenesim consumista europeu tem afinal um efeito positivo no desenvolvimento da China. A balança comercial entre os dois lados é francamente favorável aos chineses: nos anos recentes, exportámos à volta de 180 mil milhões de euros para a China e importámos 290 mil milhões. Mais. A China quer aproveitar as comemorações dos quarenta anos de relacionamento com a UE, que agora estão a ser festejados, para aprofundar ainda mais o comércio entre ambas as partes. Ou seja, quer exportar e investir mais na Europa.
Ora, nisto de relações entre os estados, tem que haver reciprocidade e normas aceites por ambos os lados. Por exemplo, os obstáculos aos investimentos europeus, por parte da China, têm que cessar. Foi essa a pequena nota que acabei por deixar na mente do professor. Um remate modesto, mas justo e, por isso, de peso, como diria Buda.
A cerca de um mês do encontro anual de Davos, dizem-me que as três grandes questões que a Europa terá que enfrentar em 2015 são: 1) a retoma do crescimento económico, com base nomeadamente na inovação; 2) o desemprego dos jovens; 3) as relações entre a União Europeia e a Rússia.
Ou seja, nesta perspectiva, 2015 não parece nada fácil.