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Vistas largas

Crescemos quando abrimos horizontes

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Crescemos quando abrimos horizontes

Darfur

Khalil Ibrahim, fundador e líder do movimento rebelde JEM (Justice and Equality Movement), que lutava, à sua maneira, pelos direitos das populações africanas do Darfur, no Sudão, perdeu ontem a vida. As Forças Armadas Sudanesas dizem que foi num combate, depois de o terem perseguido, num estado vizinho do Darfur, numa zona que é disputada entre o Sudão e o Sul Sudão. Vai ser difícil conhecer as circunstâncias exactas, numa país onde a verdade e a invenção não têm fronteiras bem definidas.

 

Também ainda é cedo para se poder estimar o impacto desta morte no processo de paz do Darfur.

 

Cruzei-me várias vezes, no Leste do Chade com os homens de Khalil. Havia uma espécie de acordo tácito. Quando eu estava numa região do Leste, os guerreiros do JEM evitavam aparecer à minha frente. Uma vez, estava eu numa reunião em Bahai, no Nordeste do Chade, mesmo junto à fronteira com o Darfur, quando surgiram, inopinadamente, dois ou três veículos do JEM. Vinham do campo de refugiados que se encontrava a cerca de 20 quilómetros. Estavam, como de costume, fortemente armados e tinham cara de poucos amigos. Quando viram os meus guardas, fizeram meia-volta e desapareceram no meio do deserto sem fim. 

 

Em N'Djamena, chegámos, por uns tempos, a viver no mesmo hotel. Mas nunca nos cruzámos no lobby. As tangentes nunca se encontram. 

 

Dois anos

 

 

Estou em Abeche para celebrar o segundo aniversário da MINURCAT e o primeiro da sua componente militar. Muito foi feito nos últimos dois anos. A segurança ao longo da fronteira e' hoje um facto. Os refugiados e as populações em geral confiam na nossa capacidade para as proteger.

 

Pronunciei dois discursos durante o dia, sobretudo para dizer que este investimento da comunidade internacional tem valido a pena.

Ralações e outras guerras

 

Os meus textos na Visão abordam tão somente questões de política internacional. Para quem está fora de Portugal e nas funções que exerço, essa é a área mais indicada. Foi esse o acordo com a direcção da revista, há dois anos.

 

E ainda bem, que as matérias de política nacional são, infelizmente, autênticas guerrinhas de meninos birrentos, que querem guardar a bola só para eles. Haverá, mais tarde, muito a dizer sobre isso.

 

Mas para já, falemos de outras preocupações. O meu texto desta semana está disponível on-line:

 

http://aeiou.visao.pt/ralacoes-internacionais=f546639

 

É mais um testemunho pessoal. Escrevo sobre uma decisão que, se não for alterada, põe em risco as vidas e os direitos humanos de muita gente. Entre eles, centenas de milhares de refugiados provenientes do Darfur. Pessoas muito vulneráveis, que precisam da presença dos representantes da comunidade das nações, através da MINURCAT, e das outras agências da ONU, e da boa vontade do Governo do Chade, para que possam continuar a ter um mínimo de protecção.

 

Deixá-las sem a protecção da ONU seria um erro muito grave. Esta foi, aliás, a mensagem que alguns líderes dos refugiados trouxeram para o encontro com Luís Amado, quando o Ministro visitou o campo de Djabal, às portas da cidade de Goz Beida, a 60 quilómetros da fronteira com o Sudão.

 

Curiosamente, as ONGs, que gostam sempre de falar com voz grossa, têm estado muito silenciosas. Não se fazem ouvir, quando deveriam dizer claramente que sem segurança não existirão condições para que o trabalho humanitário continue. Esta falta de posição pública ficará na história das ONGs e será objecto de teses académicas futuras. Mas, entretanto, os refugiados poderão ficar ao abandono.

 

 

O encómio da palavra

 

Ouvi bons discursos, durante a minha visita de hoje a Farchana e Hadjer Hadid, a dois passos da fronteira do Chade com o Sudão. Duas zonas de violência, de massas de refugiados e de deslocados, duas zonas em que o controlo das nossas forças começa a ganhar forma. No meio de tanta secura, foi bom escutar um par de discursos elegantes, bem estruturados, de improviso, mas cheios de significado. Palavras ditas bem e com equilíbrio ajudam a resolver os problemas. Afinal, o ser humano é um animal que precisa de comunicar.

 

E em política, a elegância da palavra justa é uma arte que aprecio.

Uma pazada na cara

 

Sexta-feira cheira a fim-de-semana. Mas é apenas um cheiro. Amanhã estarei novamente na estrada. Ou no ar, melhor dizendo. Vou visitar o Sector Central da minha área de operações. Ver os civis, os militares e os polícias. Passar pelos campos de refugiados. É uma vida mexida.

 

Domingo, será a altura de escrever o meu texto para a Visão da próxima semana. Um prazer, misturado com a angústia de produzir palavras que caibam em duas colunas e que façam sentido.

 

Mas, mesmo assim, é bom ter um fim-de-semana.

 

Entretanto, hoje, para além das muitas coisas que foi preciso fazer, tivemos um incidente grave no nosso campo de Abéché. Cerca de 25 trabalhadores manuais, recrutados ao dia, no mercado local, atacaram à paulada e com pás o funcionário que orientava o seu trabalho. Uma das pazadas rasgou-lhe a face. Não mataram porque as tropas do Nepal, que estão aquarteladas nessa base, puderam intervir rápidamente. Foram todos presos. Sem que se saiba bem que fazer com eles, que o sistema de justiça não funciona. Um problema a acrescentar à lista.

 

Mais a Sul, uma viatura de uma ONG nacional foi atacada na estrada e roubada. Os meus serviços enviaram um pequeno destacamento, para perseguir os ladrões. Umas boas dezenas de quilómetros mais para Leste, já perto do Sudão, os nossos polícias conseguiram alcançar a viatura. Houve um tiroteio dos antigos. Os larápios acabaram feridos. As balas das velhas kalashnikov fazem doer. Para mais, estão cheias de pó. O pó é uma constante nestas terras. Estão em tratamento no hospital de Goz Beida. No meio do muito pouco que existe.

 

O Ministro do Interior dissera-me, na Quarta-feira, que gente assim deve ser tratada como cães raivosos. Aqui fica a nota. Sem mais.

 

 

Voltei com muito pó

 

Copyright V.Ângelo

 

Fiz centenas de quilómetros na poeira do deserto, visitei vários campos de refugiados, encontrei-me com dezenas de trabalhadores humanitários, vi gente a sofrer nos hospitais de campanha, crianças sem escolas, sem alimentação, mulheres que são violadas quando vão à procura de lenha, polícias corajosos, como o Coronel Ahmat, só ossos, mas uma grande experiência de combate e uma inteligência fina e sensível. Um homem sem medo.

 

Viajei estes dias com um um enorme lenço à volta do pescoço e do nariz, à la palestiniana, tentei proteger-me do pó fino, mas acabei o dia a sangrar do nariz, a tossir e castanho como uma maçã reineta meia podre. A minha figura era tão pouco usual, com o pano aos quadradinhos cor de areia à volta da cara, o nariz a apontar na direcção da estrada, que acabei por dizer aos meus guarda-costas que, se houvesse uma emboscada, os bandidos fugiriam de horror, ao ver-me nessa figura estranha. Um horror, sentado no banco da frente.

 

Mas voltei a encontrar gente de muito valor. Que nos ensinam a ser modestos e atentos aos outros.

Terras sem fim

 

Copyright V. Ângelo

 

Passo uma boa parte do meu tempo dentro desta máquina. Não consigo explicar a relação que tenho com este Learjet, sinto-me apenas obrigado a utilizá-lo. Rentabilizar, talvez seja essa a palavra.

 

As Nações Unidas, ao colocarem à disposição pessoal de gente como eu um brinquedo deste tipo,  eu que decida o quero fazer com este bicho muito rápido e muito prestigiante,  encontraram a maneira mais eficaz de nos escravizar. Quando se tem um jet à porta de casa, quem diz que não a todo o tipo de deslocações?

 

Sinto-me um escravo deste pássaro metálico.

 

E dos helicópteros.

 

Ontem e hoje, passei a minha vida fechado nestas coisas. Voámos para Birao, passámos a noite na tenda que já revelei neste espaço, depois fomos de helico, esta manhã, para Haraze-Mangueigne e para Daha, zonas de refugiados, e já ao fim do dia, voltámos a Birao, voando sobre a parte desértica da RCA, numa zona infestada de rebeldes, para seguir depois para N'Djaména.

 

No voo de regresso, até os meus polícias morriam de sono.

 

Há quem diga que temos uma vida invejável. Que andamos por sítios onde mais ninguém, vindo de fora, põe os pés. Talvez. Não há, de facto, muita gente que ande por estas terras onde os tiros são o meio de comunicação mais usual. Mas o que me faz inveja, quando estou cansado como hoje, depois de muito andar, de falar com funcionários jovens das ONGs e da ONU, que vivem no meio de cobras, às dezenas, nas camas, nos lençóis, debaixo da mesa, nos corredores, nas latrinas, animais estranhos que congelam o sangue dos mais bravos, é a paz de alma que os meus amigos possuem, aí, pelas terras do Norte do mundo, quando se perdem nos shopping centres e nos Ikeas e pensam que os problemas do mundo são os definidos pelos Sócrates, Louçãs, Portas, Jerónimos e uns senhores de um partido que vive à deriva. Sem contar os alegres e mais, os sombrios do cavaco seco.

 

Permitam-me, por favor, que me sinta um pouco diferente, esta noite.

Um sorriso de Natal

 

Copyright V. Ângelo

 

Não posso deixar, no dia de Natal, de trazer uma cor diferente. Um sorriso, vários sorrisos, que nos lembram o calor doutros povos, gente de bem e com um coração igual ao nosso.

 

É preciso ir para além do habitual, pensar em termos mais vastos, que o mundo não termina ao virar da nossa esquina.

 

Estas mulheres são Darfuris, refugiadas do outro lado da fronteira e da vida, a viver em campos de gente sem meios. Mas são pessoas com muita luz, coragem e um grande sentido de humanidade. Falam devagar, com a profundidade dos que já passaram por muitos desaires, com a sabedoria de quem sabe que a única coisa que não convém perder é a dignidade e o respeito por si próprio.

Sam Ouandja, uma cidade ecológica

 

Hoje, Sam Ouandja teve um novo tipo de visitas. Ontem, foi a minha vez. Ainda tenho que escrever sobre essa missão. Agora, foi um grupo rebelde rival, que resolveu, esta manhã, atacar os combatentes do UFDR. Cada grupo representa uma etnia vizinha, inimiga nas horas más, detestável, nos tempos mais serenos.

 

Foi uma confusão de morteiros, rajadas de kalash, gritos, a população civil a fugir para o mato, os meus soldados a tomar posição à volta do campo de refugiados.

 

No final dos combates, os assaltantes retiraram-se, levando consigo as duas únicas viaturas que existiam na cidade e que pertenciam às ONG Triangle e IMC ( International Medical Corps). Os ecologistas diriam que temos agora uma localidade sem carros. É verdade. Mas não sei se este facto entra nos planos da Conferência de Copenhaga.

 

Acabei por ter que proceder a uma evacuação do pessoal humanitário. Mandei dois helicópteros. Mas a lista de passageiros a evacuar e o grupo que nos esperava na pista não coincidia. Alguns humanitários tinham feito umas "amizades" locais e queriam levar as moçoilas amigas...Os pilotos, Russos que são, não tinham instruções para tanto. E, por isso, estavam prestes a levantar voo, de regresso à base, sem trazer ninguém...O meu conselheiro político principal, homem velho e sabido, que compreende bem a natureza humana e a força da vida, encontrou finalmente uma solução...

 

Só que com a demora, os helicópteros já não tiveram tempo de ir buscar um outro grupo de gente a evacuar, a cerca de cem quilómetros a Norte de Sam Ouandja.

 

É uma tarefa para amanhã. São quatro, sem contar com as companhias possíveis...A vida no mato não é só feita de espinhos...

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