A cegueira partidária manifesta-se frequentemente. A seguir às autárquicas, houve quem dissesse “o meu partido perdeu votos, mas está cada vez mais forte”. Agora, que o ministro da Defesa parece ter metido os pés e pelas mãos, e depois do responsável pela associação de oficiais no activo ter dito que Cravinho é arrogante e não ouve ninguém, apareceu gente a dizer que a embrulhada foi uma conspiração do pessoal da Armada para embaraçar o governo e criar divisões entre António Costa e o Presidente da República. A querela pública entre o ministro das infraestruturas e o das finanças também deve ser uma conspiração. Só que não se percebe quem poderá ser o autor, a não ser que seja o António Costa para atrapalhar o primeiro-ministro. Tudo é possível, sobretudo nas mentes inventivas dos teóricos das conspirações.
Aposto com quem queira apostar que as regras orçamentais do Tratado de Maastricht – dívida pública abaixo dos 60% do PIB nacional e défice orçamental anual inferior a 3% − voltarão a estar em cima da mesa das discussões. E que a austeridade será um tema que os países apelidados de “frugais” irão de novo inscrever na agenda económica europeia. A chamada “bazuca” é uma oportunidade única para diminuir a distância entre os níveis de vida dos diferentes países europeus. Quem não a souber aproveitar terá perdido uma oportunidade que não voltará a surgir, a não ser que apareça uma crise tão profunda como a da pandemia.
Os indícios que começam a aparecer mostram que, em matéria económica, entraremos, depois da pandemia, numa fase nacionalista.
Vi e ouvi o discurso que Emmanuel Macron pronunciou este serão, através das televisões nacionais, sobre o agravamento da pandemia da Covid-19. A mensagem foi clara: a ameaça é enorme e continua a crescer. Há, por isso, que encontrar maneira de proceder à sua desaceleração. Foi isso que o levou a tomar toda uma série de medidas, que estarão em vigor até 1 de dezembro. Os custos directos para o estado francês das medidas anunciadas serão de cerca de 20 mil milhões de euros, num mês. A isso haverá que acrescentar os custos que a economia privada irá sofrer. Estamos, assim, a falar de uma crise sanitária que tem um impacto gigantesco sobre a economia. Mas, não há outra solução.
Uma preocupação maior é a de salvaguardar o sistema económico nacional. Não podemos permitir que o confinamento, a suspensão de certas actividades, o trabalho ao ralenti, a crise epidémica, provoquem a destruição de tecido produtivo. Este tem que manter a capacidade necessária para arrancar de novo, uma vez passado o período crítico. Para que assim aconteça, será necessário continuar a injectar recursos nas empresas afectadas, de modo a que estas possam manter a ligação com os seus trabalhadores e um mínimo de actividade a partir da qual se fará a retoma.
Tendo presente o que outros estão a fazer, como por exemplo a Dinamarca, e as estimativas de custo conhecidas, estaríamos a falar, no caso português, de uma injecção financeira da ordem dos 20 mil milhões de euros, a repartir pelos próximos quatro meses. Esse montante permitiria pagar uma boa parte dos salários dos trabalhadores das empresas agora fechadas, manter as infra-estruturas operacionais e evitar o colapso em dominó do tecido económico. O Banco Central Europeu deveria ser a principal fonte desse financiamento.
O problema mais difícil de resolver é o da enorme dependência da nossa economia em relação ao turismo. A recuperação das viagens de lazer vai demorar algum tempo. O verão de 2020 parece estar agora muito comprometido. Não será fácil atrair grandes números de turistas enquanto durar a crise de saúde pública e na fase de recuperação económica nos nossos mercados de turismo. Mas isso não quer dizer que se baixem os braços. Tem que se fazer tudo o que for possível para que o sector reviva tão rapidamente quanto é desejável.
Quem manda deveria apresentar nos próximos dias um plano de recuperação da economia. Não se pode esperar por Junho ou Julho para lançar as bases do restabelecimento da vida produtiva.
A gravíssima crise internacional nas áreas da saúde pública e da economia teve hoje uma expansão significativa, acompanhada pela introdução de novos factores negativos e de grande impacto. De entre eles, sublinho as perdas vastíssimas nas áreas financeiras, com um impacto enorme nos fundos de pensões e na capitalização das empresas, a concorrência para o abismo no que respeita aos produtores de petróleo e o agravamento da situação político-militar no Afeganistão. Sublinharia igualmente as tensões entre a Turquia e os seus vizinhos, incluindo os vizinhos europeus.
Estamos agora numa situação de grande complexidade. As variáveis são muitas e o nível de incerteza é bastante alto. Isso explica o pânico que existe em certos círculos. E exige muita clareza e uma grande dose de serenidade por parte de quem tem o poder. É um desafio de liderança, a todos os níveis, como não há memória nos últimos setenta e cinco anos.
O novo Orçamento Geral do Estado, este orçamento de 2020 agora em processo de aprovação, está a ficar muito complexo, com um número exagerado de adendas e de novas exigências. Parece uma manta de retalhos, que quer tapar todos os buracos. Vai ficar cheio de incoerências.
Nestas coisas de orçamentos de Estado, o ideal é chegar a um acordo prévio, entre partidos com vistas similares, de modo a garantir o essencial e a integridade do documento. Caso contrário, vai para a Assembleia da República e fica a flutuar, na confusão dos ventos vindos de todas as direcções.
Os investidores nas empresas europeias que compõem o Euro Stoxx 600 perderam hoje cerca de 180 mil milhões de euros. Este montante evaporou-se por causa das preocupações existentes sobre a evolução da epidemia de coronavírus. Esta perda de capital tão elevada não pode ser apenas explicada por razões de amedrontamento momentâneo. Há, por detrás dos números, a questão da incerteza, o não se saber ainda quando será possível controlar a epidemia.
Vários laboratórios de empresas multinacionais estão neste momento a tentar encontrar uma resposta médica, uma vacina, nomeadamente.
Mas há também a dimensão humana. É preciso ganhar o apoio das populações mais expostas. E aí, a China está a encontrar uma série de dificuldades que até agora desconhecia. As pessoas recebem todo o tipo de informações por meio das plataformas sociais, apesar das tentativas de censura, e cada um reage à sua maneira, muitas vezes disparatadamente. Ainda hoje um amigo meu, que vive no Sul da China, me contava que a sua área residencial foi inteiramente pulverizada com um insecticida que é utilizado para combater o mosquito da febre do dengue. Não serve de nada para impedir a propagação do coronavírus, mas ilustra bem que cada região procura tratar de si, seja como for.
Isto é algo de novo no país. Sem falar de caos, podemos dizer, todavia, que há muita confusão na China de hoje.
Kristalina Georgieva é uma pessoa com muita experiência no que diz respeito às questões da economia internacional. É actualmente a directora executiva do Banco Mundial em Washington, ou seja, a número dois da instituição. Muitas vezes, nestas organizações, o “segundo comandante” tem pouco peso, servindo sobretudo para tratar de questões protocolares, assistir a casamentos e enterros, como se costuma dizer de muitos vice-presidentes. Não é o caso de KG. Ela tem poder efectivo.
Acaba agora de ser seleccionada como a candidata europeia para o lugar de cabeça do Fundo Monetário Internacional. A sua selecção revelou várias coisas.
Quem manda efectivamente na União Europeia é a França. Foi o ministro francês da Finanças quem coordenou e guiou todo o processo.
A Europa do Norte alinha-se cada vez mais por detrás das posições holandesas.
A UE apenas respeita as regras quando lhe convém. Neste caso, KG está fora do critério da idade – tem mais de 65 anos, o limite que até agora tem sido a regra. Esse critério serviu, no passado, para eliminar candidatos de valor. Neste momento, a UE quer mudar as regras de um jogo que já está a meio, porque a sua candidata não cabe nele.
A atribuição mais ou menos automática do cargo maior do Fundo a um Europeu é um anacronismo. A UE deveria mostrar modernidade e realismo, permitir que outros candidatos, de outras partes do mundo, pudessem igualmente entrar na corrida.
KG não se conformou com o insucesso da sua candidatura ao posto de Secretário-Geral da ONU. Na sua opinião, via-se com mais trunfos do que António Guterres. Vai, agora, receio bem, se for confirmada como Managing Director do FMI, mostrar alguma rivalidade em relação a Guterres. É verdade que essa rivalidade seria mais acentuada se ela tivesse sido nomeada para a cabeça do Banco Mundial, uma organização que tem na sua carga genética a competição com a ONU. Mas, mesmo assim…
No que respeita à nossa aldeia, o governo e os media andaram um par de semanas a tentar enganar-nos com as hipóteses que Centeno teria. Foi um misto de promoção política do governo de António Costa com a parvoíce habitual e patrioteira de certos jornalistas. Temos, na verdade, uma aldeia muito curiosa, de engana parolos e de fantasistas.
Já faltou mais para que cheguemos a uma nova crise política na Itália. Matteo Salvini quer mais poder. Tudo fará para que, em breve, seja necessário organizar novas eleições.
O problema das coligações com os extremistas de direita é conhecido. Começam por participar no jogo, mas sempre com a intenção de, com o tempo, poderem controlar o campeonato. Salvini não é nenhuma excepção à regra.
Entretanto, o governo italiano continua a contribuir para o enfraquecimento das instituições europeias. Entre outros aspectos, o país não obedece às regras orçamentais comuns. Prossegue um processo de endividamento excessivo, insustentável e demagógico. Em 2020, a dívida pública italiana deverá representar 135% do PIB nacional.
De todos os dirigentes europeus, Matteo Salvini é, neste momento, o que mais ameaça a estabilidade da União Europeia.
A Itália é um país em falência política e esta traz por arrasto um colapso económico.
Este ano, o governo francês vai contrair empréstimos junto dos mercados de capitais da ordem dos 200 mil milhões de euros, ou seja, quase tanto como o total da dívida pública portuguesa, que se situa agora nos 245 mil milhões de euros. É verdade que a dívida pública francesa está na casa dos 2 300 mil milhões de euros – cerca de 100% do PIB do país – e a portuguesa representa 121% do nosso PIB. Proporcionalmente, a França encontra-se num patamar mais razoável, embora a sua dívida seja enorme em valores absolutos.
A taxa de juro que o governo francês pensa pagar é da ordem dos 0,35%.
Para além do endividamento do Estado, as grandes empresas que integram o índice da bolsa de Paris – o chamado CAC 40 – estão igualmente endividadas até aos cabelos.
O que se passa em França – e em Portugal ou na Itália, que é um caso especialmente preocupante – acontece também em muitos outros países da Europa e fora da Europa, com os Estados Unidos e o Japão à cabeça. Tudo isto provoca uma grande fragilidade ao nível global. E um grau de instabilidade que pode levar a uma crise económica e social de grandes proporções, bem como a conflitos geopolíticos de elevado risco.
O que vai salvando a coisa é o baixo valor das taxas de juro, no caso das economias mais desenvolvidas. Qualquer subida das taxas poderá acarretar a falência de partes do sistema. Ou mesmo, mais.