Este é o link para o meu texto de hoje, publicado no Diário de Notícias. Faço, de seguida, uma breve citação retirada do texto.
"... o futebol faz reviver os nacionalismos primários, o vale tudo desde que se ganhe, incluindo a bênção da mão de Deus, na célebre versão de Maradona. Não é o melhor que deve ganhar, mas sim a minha seleção. Isso não é desporto, é a cegueira do vale tudo, de velinha acesa e fé em Deus."
O europeu de futebol terminou agora. O campeonato mistura desporto com nacionalismo. E mostra claramente que a Europa é um espaço geopolítico de nações. Acentua, aliás, esse sentimento de pertença nacional. Assim, qualquer avanço que se vá conseguindo na consolidação da União Europeia é uma vitória. Mas é igualmente claro que é um processo que exige muita habilidade política, para que se possam identificar claramente as razões que justificam a transferência de partes do nacionalismo e da soberania para uma construção política supranacional. O grande desafio é conseguir-se avançar com a união apesar das diferenças. Por isso, o discurso político europeu tem que se basear nas vantagens que resultarão da conjugação de esforços. E também deve saber explicar os riscos da fragmentação, tendo em conta os outros grandes poderes que existem em distintas partes do mundo.
Nota-se algum movimento de turistas na zona de Belém, em Lisboa. Uma boa parte é espanhola ou francesa e terá vindo por via terrestre. Os comerciantes estão mais animados, embora saibam que este vai ser mais um verão bem abaixo do que é normal. Mas, num período de seca, qualquer gota de água é celebrada com optimismo.
Ao mesmo tempo, manifestam receio que a situação da pandemia piore. E traga consigo novas restrições. Os números não são bons e a curva vai no mau sentido.
De qualquer modo, será um período de férias diferente. Em muitos países, a inclinação é para fazer férias dentro das fronteiras nacionais.
Entretanto, há futebol, por mais uns dias. E a OMS olha para os ajuntamentos que a competição está a causar com enorme preocupação. Assim o disse, hoje, uma vez mais, o director para a Europa dessa organização.
A luta de classes morreu num estádio de futebol, ao que dizem. Já não se trata de capitalistas e proletários, mas sim de sportinguistas contra benfiquistas, portistas contra todos os outros. É uma luta sem tréguas nem fim. E como noutras guerras, não há dó nem piedade. Também não há juízo, como vimos esta semana. É fervor irracional.
Nunca assisti a um jogo de futebol que contasse para um qualquer campeonato. Num estádio, claro, que na televisão vi vários. Lembrei-me disso, hoje, e fiquei com a impressão que as minhas origens devem estar num outro planeta. Depois, recordei que há muitos anos, quando me perguntavam qual era o meu clube, respondia não ser adepto de nenhum. As pessoas ficavam, então, a olhar para mim. Não sei se era apenas surpresa ou também um misto de estranheza, como quem encara um bicho bizarro.
A verdade é que o mundo da bola é um universo à parte.
Na imprensa internacional, a tomada de posse do novo Secretário-Geral da ONU apenas mereceu umas linhas e uns rodapés. Amigos, que conhecem bem a casa, dizem-me que este tratamento do assunto é revelador da marginalização em que as Nações Unidas se deixaram colocar, ao longo de uma década ou mesmo, desde os acontecimentos que viraram a página do mundo em 2001, em Nova Iorque.
É possível que uma parte das razões esteja por aí.
No entanto, numa altura de muitos dramas e surpresas, a transição serena que esta semana ocorreu em Nova Iorque não chega a ser notícia. Não há tempo e espaço para os acontecimentos normais e previsíveis. Alepo e outras tragédias, que nos enchem os ecrãs diariamente, são a anormalidade que é preciso contar. E ainda bem que não passam despercebidas, embora a visibilidade não tenha ainda contribuído para envergonhar e punir quem não quer resolver estas coisas.
Mas não é só a Síria ou coisas semelhantes. A ONU também não pesa quando comparada com os futebóis. Esses sim, merecem páginas e páginas de atenção.
Na viagem através da noite, entre Istanbul e Bichkek, dos sete passageiros da Executiva, três eram portugueses. Ou melhor, encontrei dois jovens portugueses no avião, sentados logo a seguir à minha fila. Vinham de Amesterdão, onde estão estabelecidos. Ganham a vida e visitam o mundo produzindo e distribuindo vídeos de reportagens de jogos de futebol para as federações dos países asiáticos. Parece ser um excelente negócio. E muito importante. Aqui, no Quirguistão, tratava-se de assinar um contracto com a federação nacional de futebol. Por isso vieram. E foram recebidos à saída do avião, protocolo e viatura em exclusivo, como se fossem enviados especiais de uma grande potência.
Na verdade, o futebol conta. Aliás, a chegar ao hotel, o recepcionista, ao ver o meu passaporte, gritou baixinho, com um sotaque quirguiz: “Força, Portugal!” E acrescentou o nome da nossa estrela nacional.
Sublinhei hoje, no meu comentário semanal da Rádio Macau, que certas equipas participantes no Euro de futebol reflectiam a diversidade étnica que agora caracteriza alguns países europeus.
As selecções portuguesas e francesas são um bom exemplo de uma Europa que é pluricultural e que o faz dentro dos limites da tolerância.
Outras equipas – e esse foi o caso de todas as formações vindas do Leste – eram totalmente uniformes do ponto de vista étnico. Só englobavam jogadores genuinamente de origem, sem misturas nem adições naturalizadas. E isso espelhava bem a posição que prevalece nesses países, no que respeita à aceitação de imigrantes e de candidatos ao refúgio.
Embora não seja um doente do futebol, devo reconhecer que a atribuição da Bola de Ouro da FIFA a um português deu ao país um novo momento de satisfacção e de exaltação nacional. Numa altura em que as boas notícias são raras, esta é certamente muito bem-vinda.
O Domingo começara mal. Com preocupações. Mas acabou bem, incluindo a vitória da Espanha, no Mundial da bola e da mediatização. Com vizinhos assim, é bom ser Português.
Terminou, deste modo, o tempo do futebol. Poderia ser mau para os que nos governam, pois passa a haver mais tempo para pensar na vida. Felizmente que o calendário das férias e das praias vai manter as mentes ocupadas durante umas semanas mais.
Depois se verá. A arte da política é a de saber adiar os problemas.