Falando de golpes militares, não é correcto comparar os que aconteceram no Mali (2020), na Guiné-Conacri (2021) e no Burkina Faso (2022) com os de agora, no Níger e no Gabão. No essencial, os primeiros foram conduzidos por jovens oficiais que estavam insatisfeitos com a velha classe dirigente. A intenção, de um modo geral, era a de mudar o sistema de governação. Nos casos do Mali e do Burkina Faso, a dimensão “segurança interna” foi igualmente um factor importante. No Níger e no Gabão, tratou-se de procurar salvaguardar os interesses dos oficiais de patente mais elevada. Contrariamente aos “golpes dos capitães”, nestes dois últimos países estamos perante “golpes dos generais” e a continuação do regime, por outros meios e com gente fardada.
Quanto ao envolvimento russo, outro tema que é muito falado, nestes cinco casos apenas o Mali tem um acordo formal de defesa com os russos. Esse acordo tem sido, até agora, implementado pelos mercenários do Grupo Wagner. Não se sabe se este grupo continuará a intervir no Mali ou se será substituído por um outro.
Entretanto, os militares que governam o Mali decidiram pôr um termo à missão de paz da ONU, MINUSMA. Esta missão, que é enorme – cerca de 13 000 capacetes azuis e dois mil civis – deverá deixar o país até ao final do ano. Trata-se de uma tarefa enorme, quase impossível de realizar, tendo presente o tempo que resta. A decisão fará igualmente fechar várias embaixadas que estavam em Bamako em apoio à participação dos militares desses países na MINUSMA.
Este é o link para o texto que ontem publiquei no Diário de Notícias. É o último texto antes das férias. O próximo deverá ser publicado na edição de 1 de Setembro.
Cito, como é hábito, umas linhas da minha crónica: "Falando da Rússia, Vladimir Putin deve ter aprendido durante a reunião de S. Petersburgo que não é boa política amparar quem organiza golpes de Estado em África. A maioria dos dirigentes africanos não vê com bons olhos os golpistas. A Rússia, ao respaldar os jovens golpistas do Mali e do Burkina Faso, como já havia apoiado o golpe em Conakry em 2021, está a criar anticorpos nos outros países africanos. Putin parece ter percebido essa verdade: no Conselho de Segurança da ONU condenou de modo unânime o golpe no Níger. Mas essa compreensão é insuficiente enquanto continuar a ajuda russa a outros golpistas."
O Níger é um país vastíssimo, mas terrivelmente árido e muito pobre. No Sahel, tem sido um exemplo em termos de equilíbrio étnico. Isto, apesar das ameaças dos grupos terroristas que operam na região e misturam extrema violência com banditismo e radicalismo primário. Niamey, a capital, tem sido o palco de uma série de conferências e encontros regionais, numa procura incessante de encontrar maneira de acabar com a insegurança em todo o Sahel. As últimas eleições presidenciais, que ocorreram em fevereiro de 2021, foram consideradas como correctas. Desde então, Mohamed Bazoum tem sido um presidente equilibrado, dedicando uma atenção muito especial à educação das raparigas, à igualdade entre os homens e as mulheres, ao controlo da natalidade – as famílias não têm acesso ao planeamento familiar e acabam por ter uma prole muito numerosa –, assim como às questões de segurança interna.
No essencial, Bazoum tem desempenhado um papel positivo.
Está agora ameaçado pela sua guarda presidencial e em vias de ser derrubado por um golpe de Estado. Dois países vizinhos, o Mali e o Burkina Faso, conheceram nos últimos anos situações semelhantes. Seria muito negativo se o golpe em curso no Níger tivesse sucesso. Por isso, tem sido condenado pela região, pela ONU e por outros Estados exteriores ao continente africano.
O Governo do Acordo Nacional de Fayez Al Sarraj está há dois meses em Trípoli, tem o apoio da comunidade internacional mas não se consegue impor como governo nacional. É o governo de uma base naval em Trípoli e pouco mais.
Existe um outro governo a Leste, em Bengasi e vários grupos armados, incluindo o Estado Islâmico em Sirte.
Fayez é visto por muitos líbios como uma imposição do Ocidente. Esta é uma questão muito sensível num país em que sempre predominou um sentimento de independência e de arrogância em relação ao que é estrangeiro.
A situação de segurança não permite a presença no terreno de uma missão da UE. No mar, está a operação naval Sophia. Para além das tarefas de combate ao tráfico de pessoas e de salvamento marítimo, deverá começar em breve a formação da Guarda Costeira da Líbia.
Países europeus apoiam diferente fações na Líbia, incluindo a do General Khalifa Haftar em Bengasi.
27 147 imigrantes ilegais vieram da Líbia para EU entre Janeiro e Abril de 2016. Na semana passada, foram cerca de 13 000 pessoas. Cerca de 800 000 estarão na Líbia à espera de oportunidades para atravessar o mar.
Os imigrantes vêm da Eritreia, Etiópia, Sudão e Sudão do Sul, por um dos circuitos de tráfico, um corredor inteiramente controlado por um grande consórcio de grupos criminosos. O outro circuito, mais espontâneo, vem da Nigéria e da África Ocidental, através do Níger. Ambos implicam travessias de vastas áreas de deserto, inóspitas e muito perigosas. São excelentes fontes de negócios, em terras onde as chances económicas legais são escassas.