Quotidianos
Ontem ao fim do dia, um dos nossos colegas morreu num acidente de viação. Um carro militar, do exército nacional, bateu na mota do colega. Os soldados circulavam, como de costume, a uma velocidade excessiva. O jovem colega, um nacional pai de muitos filhos, ficou com a cabeça esmagada. O camião militar seguiu caminho, que nestas terras manda quem pode.
Entre uma conferência telefónica com o Director-geral do Ministério da Defesa da Noruega e uma reunião sobre os avanços na construção das nossas bases, prestei homenagem ao falecido e apresentei os pêsames à família. Foi uma cerimónia digna, mas insólita. Os familiares estavam todos, com o corpo, à porta do meu escritório, à espera que tivesse um momento livre, gente árabe pobre e resignada, que a vida passa a fugir, nestas paragens.
Esta manhã, um outro colega, desesperado por uma boa parte da área do aeroporto estar com os acessos fechados, que havia dois chefes de Estado na zona, prestes a partir, o que faz encerrar tudo, até o espaço aéreo, resolveu entrar no aeroporto pelo sector militar francês. Ninguém sabe como conseguiu passar, mas passou. O leitor e eu, não teríamos passado.
Como a base francesa é do lado Norte e o aeroporto civil, onde se encontravam o avião que o deveria levar a Abéché, é na parte Sul, o nosso homem resolveu atravessar a pista com o seu carro. Um tipo decidido. A expressão diz que não pensou duas vezes, mas creio que, no seu caso, não pensou vez alguma. Nessa altura um dos nossos voos estava já na fase de aproximação da pista, a duas dezenas de metros do solo. Os pilotos só tiveram tempo para abortar a aterragem, nem sabem como foi possível.
Prendemos o nosso homem. Ainda não percebeu bem porquê. Amanhã vai ser novamente interrogado. A verdade é que na aldeia donde provém, num ponto distante de um país fora de mão, as cabras andam alegremente pela pista do aeródromo local. Um aeródromo de aldeia não é exactamente a mesma coisa que um aeroporto internacional. Talvez o entenda um pouco melhor, depois da conversa a que vai ser submetido.
Com tanta gente à nossa volta, as surpresas são quotidianas.
Mas o dia ainda não havia acabado. O meu director político mandou-me uma mensagem desesperada, a perguntar qual o destino a dar a um casal de ovinos que me foi oferecido, há mais de um mês, pelo prefeito da cidade de Guéréda. Um casal lindo, puramente brancos de lã, reprodutores de alta qualidade. Uma grande honra. Mas Guéréda fica a quase mil quilómetros de areias. Que destino dar aos bichos? Não podem continuar nessa cidade, o prefeito vai pensar que eu não dei importância à dádiva. Também não podem passar ao espeto, seria uma ofensa, que são animais de puro sangue. Para a produção de mais bichinhos semelhantes.
Como as regras não permitem transportar animais nas naves da ONU, a única hipótese é fazer como os pastores nómadas de aqui: caminhar com os animais até ao destino final. Mas não tenho dias de férias suficientes.
Enfim, mais um problema para resolver.