Crise económica e política nas relações internacionais
‘A Margem do G8
Victor Ângelo
Esquecendo o espectáculo e as manifestações habituais, as promessas que se repetem sobre a luta contra a pobreza ou as alterações climáticas, a cimeira anual do G8, que este ano decorreu no Japão, convida-nos a reflectir sobre quatro questões que não podem ficar esquecidas.
Em primeiro lugar, temos que reconhecer que a economia internacional esta’ a viver um processo acelerado de mudança estrutural, que se tornou particularmente nítido nos últimos dois anos. O exemplo mais flagrante tem que ver com os aumentos muito significativos dos preços das matérias-primas, sobretudo do petróleo, e dos cereais. Os níveis actuais de preços, que subiram nos meses recentes com uma rapidez nunca vista em períodos de paz, vão manter-se. A tendência e’, aliás, para que continuem a aumentar. Este facto exige ajustamentos de fundo, sobretudo nas economias mais desenvolvidas, que são a espinha dorsal do G8. Já não se trata de um puro problema inflacionário, mas sim de um fenómeno com implicações sistémicas, que necessita de transformações de longo fôlego. No curto prazo, será necessário fazer frente a situações sociais de grande gravidade, e não apenas nos países menos desenvolvidos. A própria Europa, sobretudo a periferia pouco sofisticada a que Portugal pertence, vai conhecer um novo tipo de pobreza. Para muitos de nós, cheira a crise.
Temos, em seguida, a questão das economias emergentes e do peso que passaram a representar nas relações económicas internacionais. Não são apenas os casos mais falados da China, que se tornou a terceira potência económica mundial, e da Índia, que se esta’ assentar a sua transformação no conhecimento tecnológico e na formação cientifica. Há todo um conjunto de novos actores económicos, alguns dos quais foram convidados para almoçar em Hokkaido. Para se perceber melhor a sua importância crescente, basta ter presente que nos últimos dezoito meses houve uma transferência adicional de recursos financeiros dos países consumidores de petróleo para os produtores na ordem dos quatro triliões de dólares. Pode dizer-se, simplificando, que a capacidade produtiva e comercial está de um lado e o poder de compra está do outro.
Em terceiro lugar, as economias, e por isso, também as políticas, estão hoje mais interdependentes. Mas a globalização tem novos contornos. Significa, por exemplo, que a economia americana se encontra dependente, de um modo vital, da importação de capitais estrangeiros, que compensem a falta de poupança interna. Ou ainda, que a Europa já não consegue crescer se não houver prosperidade e estabilidade nos países para onde exporta uma parte importante da sua produção. Ou que a China entraria em contracção se as barreiras alfandegárias nos mercados de destino se tornassem intransponíveis. Com a interdependência está a aparecer, nas populações dos países mais desenvolvidos, um clima de receio. As pessoas, habituadas a um nível de vida que agora parece estar ameaçado, têm medo do futuro, da globalização, do resto do mundo, dos grandes espaços económicos e políticos, da emigração. Dos outros, simplesmente. Há, cada vez mais, um fechar-se sobre si próprio, ao nível nacional ou local.
Finalmente, todas estas questões levantam o problema fundamental do funcionamento desajustado das instituições internacionais. A reforma das estruturas que gerem as relações entre os estados e’ cada vez mais urgente, para que se tenham em conta as novas realidades. O Conselho de Segurança das Nações Unidas, os organismos financeiros globais, em especial o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional, a Organização Mundial do Comercio, as estruturas ‘a volta da União Europeia, as agências de ajuda ao desenvolvimento, são elementos de uma rede institucional internacional que não consegue encontrar respostas para os desafios que o mundo do Século XXI enfrenta.