Killer instincts at 04:21 am
Hoje o dia começou mal.
Na noite passada tinha ido para a cama tarde, cansado e apenas com uma ideia na cabeça: tentar dormir profundamente, mesmo que fosse apenas por umas cinco ou seis horas. De repente, no meio da noite, reparei depois que eram 04:21 da madrugada, entrou-me um som estridente pelos ouvidos, como uma agulha fina a atravessar-me os tímpanos, o cérebro, o sono, o cansaço, a necessidade de repouso.
Levantei-me da cama com toda a fúria que possam imaginar, procurei o autor da flecha sonora por toda a parte, com os olhos que tinha injectados de sangue, não o vermelho da fadiga, mas sim do instinto assassino que me animava, e acabei por descobrir a criatura debaixo da mesa de cabeceira, a tentar disfarçar a sua cor preta contra os ladrilhos do solo.
Matei-a logo ali, sem qualquer tipo de hesitação. Depois, foi por água abaixo, na sanita, não por que tivesse a preocupação da esconder e fazer desaparecer o cadáver. Foi parte do meu instinto, completar a morte, por um ponto final num acto de destruição. Um completar da vingança.
E' verdade que nesta altura do ano N'Djamena esta' infestada de grilos. Aparecem por toda a parte, 'a noite, nas casas, na roupa, nos cantos mais incómodos. E fazem um barulho ensurdecedor. Creio que só os sapos são mais numerosos. Mas os sapos são como certos políticos, só comem o que lhes aparece pela frente, mas não dizem nada, não se fazem ouvir. Ou será melhor fazer a comparação com certos deputados da Assembleia da República?
Também e' verdade que o som agudo e contínuo de um grilo africano, não tem comparação, mesmo quando rompe o silêncio do nosso meio da noite, com o que aconteceu 'aquele pobre diabo da história da metamorfose, que ele sim, quando acordou, se encontrou transformado num insecto.
Mas, compreendam, quando se anda cansado, a pregar no deserto, entre rebeldes e bandidos armados, e farto de tantas violações dos direitos mais primários das pessoas, ser acordado por um grilo na madrugada das muitas frustrações faz-nos perder o sentido das proporções.
E a pobre criatura pagou a factura.