Eleições com sal e pimenta
A Danielle habita a dois quilómetros da sede da Comissão Europeia. O meu primo Jacinto vive na Igrejinha, nos arredores de Évora, a dois mil quilómetros de Bruxelas. Vão ambos votar no Domingo, para eleger deputados para o Parlamento Europeu. Danielle pouco mais sabe sobre a União Europeia que o velho do Jacinto. Os candidatos, quer num caso quer no outro, falaram de tudo, menos da Europa e da visão que irão defender em Estrasburgo. O mesmo aconteceu, um pouco por toda parte, nos outros estados membros. Vamos ter um parlamento que se dirá europeu, mas que terá sido eleito com base nas agendas locais. Não há dúvida que a ambiguidade continua a ser a alma da política. Também é claro que o projecto europeu não tem, neste momento, intérpretes que o personalizem. Nestas eleições, é tudo muito limitado e cinzento.
A apatia e abstenção estão na ordem do dia. A culpa é dos políticos. Se os eleitores europeus tivessem sido chamados a votar, a 4 de Novembro, nas eleições presidenciais americanas, posso apostar, sem grande risco, que as taxas de abstenção teriam sido mínimas.
Faltam os homens e as mulheres com uma perspectiva supranacional, mas não escasseiam os problemas. Como não sou candidato a nada, passo a mencionar os que parecem mais urgentes e estrategicamente relevantes.
Primeiro, a resposta à crise financeira e económica. Há ainda muito trabalho de coordenação entre os Estados a fazer. Mais. Contrariamente ao que pensam certos dirigentes em Bruxelas e nas capitais, a questão da regulamentação das actividades financeiras não é a única resposta necessária. É preciso, como se fez para os mercados financeiros, criar um grupo de trabalho de alto nível que reflicta sobre as questões do emprego. O novo Presidente da Comissão, que provavelmente será o actual, depois de reconduzido, deverá apresentar aos deputados um plano europeu de promoção do emprego e de valorização profissional dos jovens. Um plano que tenha em conta as transformações estratégicas que a economia europeia terá que seguir, para se manter competitiva.
Segundo, a posição comum em relação à conferência de Copenhaga, sobre as alterações climatéricas, precisa de ser definida. Ao mesmo tempo, a adopção e aplicação das medidas energéticas, que promovam a eficiência e reduzam as emissões de carbono, devem ser aceleradas. Sem esquecer que os investimentos comunitários e nacionais em fontes de energia renováveis requerem uma nova dinâmica.
Terceiro, o Parlamento terá que desempenhar um papel de liderança no que respeita à reforma das instituições europeias. Com a possibilidade do Tratado de Lisboa vir a ser adoptado, haverá que rever as estruturas existentes, o papel dos diferentes departamentos, reduzir os custos e aumentar a eficiência. Rever a Política Agrícola Comum, um escândalo pago a preço de ouro. O Parlamento deverá estabelecer uma supervisão atenta do novo serviço diplomático comum, para evitar abusos, desigualdades de tratamento entre os Estados e a implementação incoerente da política externa.
Quarto, a Europa na cena internacional. Nesta área, os aspectos mais críticos têm que ver com as migrações Sul-Norte, a relação com o Leste Europeu e o Cáucaso, a problemática da adesão turca, bem como a participação da Europa no Conselho de Segurança, uma presença anacrónica, e nas operações de manutenção de paz das Nações Unidas.
Finalmente, como a Danielle e o Jacinto o ilustram de um modo bem claro, é essencial redefinir a relação entre os políticos europeus e os cidadãos. Para começar, convirá lembrar que a Europa é um espaço geopolítico único, que partilha bons e maus momentos de uma história comum, se inspira nos mesmos valores humanistas, na mesma filosofia de vida. Trata-se de um conjunto de vizinhos que querem viver em paz. Que sabem que a paz leva à prosperidade. É um projecto político, acima de tudo. Só é possível se os cidadãos acreditarem no seu valor.