Ontem passei o dia em reuniões com a nova Administração americana em Washington. Comecei na Defesa, segui para o Departamento de Estado, depois a Casa Branca e o Conselho Nacional de Segurança, finalmente, o Congresso, o Senado, primeiro, depois, os Representantes.
Respira-se, acreditem, um ar novo em Washington. As pessoas com poder são bem mais jovens, ou, pelo menos, mais arejadas. Há um interesse genuíno nas grandes questões internacionais. Vontade de cooperar com os outros parceiros. Um espírito de abertura que é novidade.
Até a cidade parece diferente.Mais descontraída.
Europa tem toda a vantagem em trabalhar com esta administração de uma maneira mais construtiva. Tem também que se preparar melhor para o embate. A gente que encontrei nos diferentes gabinetes sabe o que quer e do que está a falar.
Como estava no meio de milhares de afazeres, com a estada em Nova Iorque a encher-me o tempo todo, acabei por enviar o texto sem lhe dar um título. Esquecimento de quem tem a cabeça cheia de setas a apontar para direcções opostas. O meu editor na Visão batizou o rascunho como sendo "Conflitos Incontornáveis".
Estou de acordo, claro. São incontornáveis. Não podem ser ignorados. Mas a verdade é que tendem a passar despercebidos.
As promessas que agora se fazem, com um frenesim diário, têm o mesmo valor que as promessas de amor que se fazem entre os jovens, nos encontros de praia. O prazo de validade é bem curto. São devaneios de Verão.
Só que em política mostram um desnorteio que preocupa. Se os senhores do poder andam assim, para onde vamos?
No edifício da ONU, em Nova Iorque, vive-se à Verão. Durante este período, não há fatos, casacos ou gravatas, a não ser que se trate de uma ocasião muito especial. É uma maneira de poupar umas largas centenas de milhares de dólares em ar condicionado. A temperatura ambiente é mantida dois ou três graus acima do que era habitual, nesta altura do ano.
Ao fim do dia, na Primeira Avenida, à porta do edifício do PNUD, um casal de reformados italianos, de visita a Nova Iorque, talvez o sonho de uma vida, pergunta-me onde é o "Palácio das nações Unidas". Era mesmo em frente, no outro passeio da avenida. Quando apontei para a velha torre que abriga o Secretariado da ONU, tornou-se visível, nas suas caras, a decepção. Vir de tão longe para ver aquele monstro de cimento e vidro, tão velho que tem os dias contados.
Assim se passa muitas vezes com a ONU ao nível do terreno. Onde se espera ver uma maravilha, vê-se o cair de um sonho. Mas a realidade das relações internacionais é assim.
A cidade continua a dar o ar de ser um sítio de gente nova. Mais uma vez, esta foi a primeira impressão com que fiquei, ao chegar ontem à noite. Uma cidade que se mexe a passos rápidos, em que se tem que ser ágil das pernas e da mente.
Agilidade é uma característica essencial. Os reumáticos como eu, e os mais velhos, acabam por girar apenas à volta do seu bairro e pouco mais. A não ser que tenham muito dinheiro para gastar. Então, tudo é fácil e acessível. Com dinheiro, abundante, é o melhor local para viver, se gosta de cidades. E se se consegue viver em caixas de fósforos.
Mas Nova Iorque está cada vez mais cara. Essa é a segunda impressão com que se fica. Mesmo o trivial é caro. Está ali, disponível a dois passos, mas os preços têm subido de modo bem sensível.
Umas palavras de Paris, a caminho de Nova Iorque e Washington. Para falar de África, do Chade, da República Centro-Africana e do Sudão. Do espaço humanitário e da violência e das agressões contra os refugiados, as populações locais, os agentes humanitários, e o pessoal da ONU.
O período de campanha vai ser bem mauzinho. Como quer o PS quer o PSD têm a possibilidade de ganhar as eleições, a luta vai ser renhida. Mas à volta de personalidades, de trivialidades e de coisas feias. Receio que a credibilidade dos políticos, que anda já pelas ruas da desgraça, ainda venha sofrer mais uns golpes baixos e para baixo.
E como estamos em plena crise económica, receio igualmente que as medidas que venham a ser propostas tenham apenas um carácter paliativo, conjuntural e eleitoralista. Ou seja, as grandes questões estruturais, os grandes desafios que o futuro de todos nós levanta, ficarão por equacionar uma vez mais. Continuaremos a saltitar de subsídio em subsídio, de aspirina em aspirina, sem ir ao fundo das questões.
Continuaremos também a confundir intervenção do Estado com políticas de Esquerda. A verdadeira Esquerda é a que se bate pela justiça social e pela igualdade de oportunidades, num quadro responsável de disciplina democrática e de empenho e trabalho a sério.
Acaba de sair a versão actualizada da lista protocolar das Nações Unidas. Três portugueses aparecem na categoria logo abaixo do Secretário-geral: Jorge Sampaio, por causa do seu trabalho para a Aliança de Civilizações; António Guterres, como Alto-Comissário para os refugiados; e o autor deste blog, há 31 anos na carreira e Representante Especial do SG.
Para um país pequeno, três cidadãos com o nível de secretário-geral adjunto da ONU, ou equivalente, não é nada mau.
Uma olha para a Esquerda e diz coisas que parecem modernas, mas num ambiente partidário de má-língua e coscuvilhices, de atrasos culturais e ideológicos. Sem coragem nem planos. Palavras, palavras.
A outra, vira-se para a Direita, cheira a privilégios do passado, a água benta e a um Portugal do tempo de Júlio Dinis. É um enjoo.
Este é o nosso dilema político. O corpo é o mesmo, estafado e sem energia. As mentes projectam cansaço, falta de ideias, um país rural e abafado, perdido numa língua que não se consegue defender e que se ajoelha perante as ignorâncias dos palradores do resto da comunidade linguística que o não é.