Como o falcão desta fotografia, que tirei na Região de Vakaka, na fronteira com o Sul do Sudão, passei a tarde a voar para Leste. Para as terras da beira do deserto.
Só que o tempo estava de tempestade, não como o céu azul desta imagem.
O pássaro mecânico passou o tempo a fugir às nuvens. Mas havia alegria no ar, quando cheguei ao solo, que as chuvas este ano têm sido escassas, numa região onde só chove em Julho e Agosto. Sem chuvas, os poços vão secar mais cedo, bem antes do fim da estação árida. As pastagens não durarão o tempo suficiente para fazer a ponte com a nova época das chuvas, a de 2010. A pobreza das pessoas do Sahel ficará ainda mais precária.
Alguns, mais ousados, mais encabrestados, irão, por isso, escolher a violência armada como modo de sobrevivência.
Com o avanço do deserto, avança o desespero e a insegurança. Bem como o fundamentalismo, filho das raivas impotentes.
PS: Aqui no canto do fim da esperança onde passo a noite, não há maneira de acentuar as palavras. Mas as palavras devem ser ditas, que são importantes. Amanhã, teremos os acentos... Nestas terras, a vida vive-se aos bocadinhos...
PS número dois: Já de volta a casa, voltamos à riqueza das palavras que se querem acentuadas.
Ontem e hoje, passei várias horas de Learjet, a atravessar a África Central. Felizmente que o jet é rápido e confortável. A tripulação, dois jovens alemães, um dos quais Negro, que mesmo na Alemanha, o mundo está a mudar muito depressa, é muito flexível, o que me permite voar logo que a missão em determinado país esteja concluída.
Hoje começámos o dia em Bangui. Tinha uma reunião com o General comandante das forças expedicionárias da África Central. Um homem dos Camarões, com duas estrelas e muita paciência. Que isto de ser comandante militar em zonas de grupos armados exige sabedoria e calma.
Tinha dormido numa residencial, junto à Catedral, no sopé das colinas de Bangui. Um sonho, acordar cedo e ver as árvores de grande porte, duma vivacidade única, que nos dá força e faz desejar todas as belezas do mundo. As colinas estão menos densas do que há 25 anos, quando vivi nesta cidade. Mas continuam a ser povoadas por árvores tropicais que impressionam o viajante de olhos abertos.
Como é frequente, a manhã estava azul de linda. As nuvens, como nas nossas vidas, só aparecem ao fim da tarde.
Seguimos, depois, muito para Norte. Directamente de Bangui para Abéché. Do Equador e dos rios potentes, para o deserto e as colinas de pedras nuas. O vento sopra desde o início da história em Abéché, e as colinas já não têm solo. A erosão é tal que cada colina é apenas um amontoado de pedregulhos, sem terra que faça a ligação. Parecem pirâmides egípcias.
Nesta altura do ano, os wadis --rios temporários, comuns no deserto -- estão semeados de poças de água. Faz bem ver água nestas terras de cascalho e areia.
No deserto, a tarefa política era iniciar a plantação de 5 000 árvores. Acácias. Resistem à falta de água. Cada acácia é como um voto de confiança que obtenho das populações locais. Cada árvore é um reabrir da esperança.
Houve grande festa. As mulheres locais estavam lindas, nos seus vestidos brancos e lenços vermelhos, as cores da felicidade. Eu estava de fato, pois vinha do meu encontro com o General. Nunca tinha plantado árvores de fato. Digo-vos que não é nada cómodo. Mas consegui enterrar umas plantas de manga, que é um fruto muito apreciado.
Umas horas depois, estava em N'Djaména. A discutir geopolítica com os Franceses.
No final do dia, consegui arrastar os pés para fora de todas estas ocupações. Que grande vitória.
O eu amigo Rui F. diz quer o meu texto desta semana na VISÃO on-line é um manifesto político.
Diz, também, que é um dos meus melhores textos.
A verdade é que foi escrito no início da semana, entre duas viagens, no final de um dia em que tive que utilizar a minha pele de crocodilo para não sentir as picadas dos governantes com quem trabalho.
Muitos anos de vida nas ruelas e becos do poder transformaram-me num ser paciente, que só reage a frio, e voando por cima.
Este blog festeja hoje o seu primeiro ano de escrita. Nem sempre foi fácil encontrar o tempo e a vontade, que isto de andar aos trambolhões pelo mundo dos outros tem as suas dificuldades. Mas tem valido a pena. Existe um número muito razoável de leitores fiéis, uns textos que saíram bem, muitas fotografias originais.
Os dados hoje divulgados mostram um acréscimo de 30% no número de desempregados, em Portugal, nos últimos 12 meses. São valores que fazem pensar. Contrariamente ao que nos querem fazer crer, estamos muito longe do fim da crise. Bem como de termos encontrado uma resposta para a crise.
Temos mais desemprego, mais défice público, mais problemas estruturais.
Não temos nenhum plano de renovação económica que faça sentido. Somos os reis das medidas avulsas.
Na política eleitoralista, o que conta são os efeitos de curto prazo. Mesmo quando o pano de fundo é muito pouco claro. Interessa que o imediato tenha cores claras e vivas. Quanto ao resto, depois se verá.
É o que está a acontecer com os dados do PIB, nalguns países europeus, incluindo em Portugal. Neste período de vésperas de eleições, na Alemanha, em Portugal, de referendo na Irlanda, é fundamental que o PIB, no último trimestre, tenha crescido umas décimas.
Permita dar palmadas no peito. É a satisfação de quem está no poder, e por lá se quer manter.
Só que estas décimas poderão custar muito caro. Estão a ser obtidas à custa de intervenções massivas do Estado na economia. Sem um mínimo de atenção ao endividamento público, sem que se faça um esforço de reestruturar a economia. A reestruturação seria a solução de longo prazo, durável e criadora de uma nova dinâmica económica.
Mas quem quer ouvir falar do longo prazo, quando as eleições são já em Setembro?
Ontem, decorei o contingente militar togolês. A medalha das Nações Unidas reconheceu o valor de cada soldado que o Togo teve a coragem política de nos enviar. Pequeno país, mas com muito orgulho nacional.
Hoje, tive a oportunidade de decorar o contingente da Polónia. Soldados muito disciplinados. Bem preparados. Armados como deve ser. Prontos a todas as operações que o deserto exige. Era o dia das Forças Armadas Polacas.
Decorei também uma secção de tropas especiais da Croácia.
E tive tempo, entre muitos afazeres, para ouvir a sabedoria do Sultão de Dar Zaghawa. O vigésimo terceiro em linha directa, vinda de um antepassado distante. Quem diz que esta gente não tem história? Os Zaghawas são um povo guerreiro, pastores de camelos nas horas vagas, senhores de muito orgulho, e a principal fonte de recrutamento dos rebeldes do Darfur.
Percorri mais de dois mil quilómetros, entre ontem e hoje. Por isso, as letras pesam e cada palavra é arrancada ao cansaço de quem arrasta os ossos velhos pelas terras onde nem o Diabo gosta de ficar por muito tempo.
A dentada fez-me acordar. Eram 03:35. Mesmo nestas terras do cedo amanhecer, não era hora para despertar. Mas a atrevida deu-me uma dentada no cotovelo esquerdo -- seria certamente uma ratazana de direita. Saltei da cama, a sangrar, mais de surpresa que de raiva, e lá estava ela, escondida na casa de banho.
Acabou por fugir. O polícia de serviço, como de costume, não tinha autorização de dar tiros nas ratazanas que nos mordem.
Em quase trinta anos de África, foi o primeiro encontro do género. Se isso me tivesse acontecido na Serra Leoa, hoje estava internado na zona de isolamento máximo do hospital. Por causa da febre de Lassa, que matou alguns dos capacetes azuis naquele país. Como é uma febre facilmente transmissível, e quase sempre angustiantemente mortal, todos os que caíram vítimas acabaram por não poder ver o seu corpo trasladado para os seus países de origem.
A minha visita desta madrugada é duma espécie mais amigável. Só morde. Muito bem. Sempre posso ir hoje à tarde para a zona da fronteira. Como se estivesse a fugir das ratas do mundo.
Escrevo esta semana na Visão sobre as organizações não-governamentais e os portugueses que são voluntários nas fronteiras da acção humanitária e da esperança.
As ONGs são cada vez mais uma voz forte da consciência internacional. E parceiros indispensáveis da ONU.
Celebra-se hoje o Dia Internacional da Juventude. Nestes tempos de crise, os jovens são quem mais sofre com o aumento do desemprego. As estatísticas mostram uma proporção incomparavelmente mais elevada de jovens sem trabalho. Ou com empregos muito precários. Ou em situação de subemprego.
Os pais de hoje vêem os seus filhos entrar na vida activa e ter pela frente uma situação de grande precariedade. É preocupante. E contrário a todas as expectativas: os pais sempre desejaram que os seus filhos viessem a ter uma vida melhor que a vivida por eles.