Foi um dia de estrada. Oitocentos marcos, pela Franca abaixo. Paris, embora fosse Domingo, por isso, com menos transito, que muitas empresas estão fechadas, continua a ser um inferno de movimento, engarrafamentos, carros e motas aos milhares, e' impossível calcular quanto tempo vai demorar passar pela cidade das luzes e dos sonhos. Com o GPS aos comandos, sempre se vai por umas estradas por onde ninguém quer passar, o inferno do tráfego e' substituído pelos buracos feios dos bairros da periferia anónima, impessoal, cruel destruidora da alma das pessoas.
Já ao fim do dia, em La Rochelle, foi possível esquecer o pesadelo dos periféricos. O restaurante Les 4 sergents, recomendado por Michelin, ajuda a apagar os quilómetros. Na mesa ao lado, jantava um jovem, tudo muito bem comido e melhor regado, com os seus dois cães de estimação como companhia. Um no regaço, outro aos pés, os malandrecos portaram-se bem, mas gostaram imenso de ir provando as estrelas do chefe. A determinada altura, veio um prato de mexilhões, preparado com requinte, e um dos bichos ficou de olhar fixo, que os mariscos tinham bom cheiro e pareciam estar bem preparados. Tudo com excelentes maneiras, que nestas coisas recomendadas pelo Michelin, os Ingleses, os Franceses, eu por acaso, portam-se bem.
A tragédia do Quirguistão tem passado relativamente despercebida. Estamos numa altura de muitas notícias, do futebol ao desaparecimento do gigante literário que foi Saramago, com mais uns Pereiras pelo meio e umas mentiras que não cabem em nenhum saco, todos os partidos com receio de contribuir para a queda do Governo, que, coitado, anda de rastos, e mais espaço não sobra. Os media não são supermercados da informação.
O Quirguistão é duas vezes maior que Portugal. Tem cerca de 5,5 milhões de habitantes, encontra-se perdido numa das zonas geopolíticas menos estudadas. Mas é uma das zonas que se está a tornar estrategicamente muito importante. Na vizinhança do Afeganistão e do Paquistão, via de trânsito do ópio, alfobre de recrutamento de fundamentalistas, às portas de regiões muito instáveis da China, tudo isto tem que ser tido em conta.
Se cerca de um milhão de pessoas foram, de facto, afectadas pela crise e obrigadas a fugir das suas áreas de residência, temos aqui um problema humanitário a sério. E uma questão política de grande complexidade.
José Saramago deixou-nos hoje. Sentimo-nos mais pobres. Foi um português que não teve medo de abrir novas frentes, ao desafiar constantemente a nossa maneira tradicional de pensar. Com ele, com as suas frases intermináveis e as suas alegorias, muitos de nós aprenderam a pensar sem barreiras. A deixar voar o olhar crítico sobre nós próprios. A saber que todas as interrogações são legítimas.
Gente assim cabe dificilmente no Portugal que temos. Por isso, foi viver para a porta ao lado. É melhor para os nervos. E envia um sinal que poucos entendem, mas que deveria voltar à baila, neste momento da sua viagem definitiva para o espaço das memórias. A mensagem que continuamos a fechar os nossos horizontes, a viver agarrados à sotaina das ideias de outrora, num círculo de vistas estreitas, que acaba por excluir as mentes livres e criadoras.
Na Visão, publico um texto sobre a BP, o derrame de petróleo no Golfo do México, as repercussões políticas, domésticas e externas, desta crise, partilho uma experiência de trabalho com as grandes multinacionais do petróleo, até falo mesmo de futebol...
Depois de uma volta ao mundo dos conflitos, hoje foi altura de rever alguns dos traços mais salientes da economia internacional. No curto prazo, os elos fracos da cadeia, na UE -- a Espanha, em primeiro lugar, Portugal logo a seguir, por razões próprias e pelo efeito dominó da crise espanhola, da Grécia não vale a pena falar -- continuam a ser a preocupação mais premente. A prazo, temos os défices orçamentais de países importantes, uma nova crise do dólar, mais tarde ou mais cedo, e o impacto das crises sobre a estabilidade dos mercados e sobre os sistemas financeiros, os bancos, os fundos de pensão, as seguradoras, etc.
No caso da UE e dos EUA, a questão do modelo de desenvolvimento continua por resolver. Qual deverá ser o novo paradigma económico? Como também não há resposta para a questão da interacção entre o crescimento económico, as variáveis populacionais, o aumento do consumo per capita e os recursos naturais e ambientais. O problema do património ambiental é, aliás, um tema que tem que interpelar os filósofos, não apenas os cientistas e os economistas.
São toda uma série de variáveis que exigem que se faça uma reflexão estratégica muito aprofundada. Há aqui muito pano para mangas. Muitas interrogações sobre o futuro.
Entretanto, até deu para ver o desafio entre Portugal e a Costa do Marfim. Foi no aeroporto de Genebra. Eu viajava para um lado, que rumar para outros lados tem sido o meu destino, muitos portugueses viajavam para Lisboa. E o acaso fez bem as coisas. Primeiro, o instrumento de tortura, a televisão, encontrava-se ao lado da porta de embarque para Portugal. Muito cómodo. Segundo, os controladores aéreos franceses estavam, uma vez mais, em greve. Não querem mudanças, numa altura em que várias coisas são constantemente postas em causa. O que atrasou o voo e deu para ver a partida até ao fim. Só que uma das equipas andava no campo um pouco ao acaso das bolas e das artes de cada um. Não chega. Faltava uma linha orientadora. Um sentido, uma mobilização do grupo. Uma direcção clara. Uma vez mais pensei que o futebol e a política andam, de facto, de mãos dadas. Com uma liderança que ninguém entende e que alguns desafiam, a deixar recados que só fazem aumentar a confusão. A propor soluções que nada adiantam. Por isso, o resultado é que andamos todos muito empatados.
Passei o dia de viagem. De facto e virtualmente. De facto, nas terras do Lago Leman. No mundo virtual, andei pela Nigéria, pela Ásia Central, e por outra terras onde existem conflitos armados. A discutir e a reflectir sobre vias que possam conduzir a uma solução. O que não é nada fácil.
Até Moscovo veio à baila. Onde a política é muito complicada. Onde é preciso muita inteligência estratégica para se conseguir resultados.
A Bélgica voltou a votar hoje. Eleições legislativas antecipadas, tendo como pano de fundo os desentendimentos sobre o estatuto de Bruxelas, dos seus arredores e as diferenças de opinião entre os Flamengos e os Valões. Na realidade, uma crise de fundo, que põe em causa a estrutura do Estado e a unidade do país.
O Norte do país, a Flandres, votou por um partido nacionalista flamengo. Para mostrar a importância que dá à identidade flamenga. Um partido que, além de ser nacionalista com laivos muito evidentes de extremismo, é manifestamente de direita. Conservador.
O Sul, a Valónia, votou PS. Ou seja, à esquerda.
O resultado mostra, mais do que nunca, que a linha de divisão não é apenas linguística. É também uma questão de ideologia.
Agora vai ser preciso formar um governo de coligação, que junte os do Norte e os do Sul. Interessante. Vai ser uma lição de equilíbrios e de fragilidades.
Enquanto limpava o meu jardim, esta manhã, tive uma percepção clara do que é uma erva daninha. Aparece isolada, ou em pequeno número, ganha raízes, com o tempo, e quando nos apercebemos, já ocupa uma boa parte do espaço. Chupa o solo, expulsa a grama, ocupa o terreno. Onde há dias havia coisa de jeito, hoje é só erva má, à nossa volta.
Os jardineiros têm que andar mais atentos. Ou arrancam a erva ruim, ou ficam com a horta completamente infestada.
A principal conclusão do relatório da Comissão Parlamentar de Inquérito ao Caso da TVI foi tornada pública. É uma conclusão que, em qualquer democracia avançada, levantaria sérias questões políticas. Quantas carreiras políticas não terminaram por razões bem menores? Em Portugal, na Itália, e noutros países do mesmo género, não é bem assim. Acusam-se uns aos outros de serem o que de facto são e, depois, tudo é esquecido e cada um continua a fazer o que pode e o que quer.
Nos dias de hoje, dir-se-ia que foi golo mas que ficou tudo empatado. Como sempre.
Dizer "insustentável", num discurso que levou muitos dias a preparar, é assumir uma grande responsabilidade. Só aceito que a palavra tenha sido dita, numa ocasião tão solene e importante como é o Dia de Portugal, se o seu autor estiver sinceramente convencido da gravidade da situação.
Creio que é o caso do Presidente da República. Cavaco Silva, na minha opinião, está muito preocupado. Não disse o que disse por razões eleitorais, como alguns bacocos concluíram em cima do joelho, ou para tornar a vida mais difícil seja a que político for. É uma visão genuína, acrescento, dos tempos que o nosso país atravessa.
Como conhece bem o que se passa, e como é um homem sério, com sentido nacional -- assim o penso, independentemente das suas opções políticas e de estar ou não de acordo com o quadro de valores em que acredita --, não podemos ignorar a sua opinião.