Decorreu, ontem e hoje, em Trípoli, mais uma cimeira entre a UE e a África. A última havia sido em Lisboa, em Dezembro de 2007.
Desta vez, o acontecimento passou totalmente despercebido. Os media internacionais de peso ignoraram, pura e simplesmente, o encontro. Uma vez mais, África ficou nas margens invisíveis das notícias do mundo.
Em certa medida, compreende-se. Nada de novo foi discutido em Trípoli. Para a Europa, foi apenas uma formalidade, que teve que ser cumprida. E pouco mais. Os líderes mais importantes do nosso Continente não fizeram a deslocação.
Também é verdade que para ouvir, durante cerca de uma hora, o discurso de abertura de Muammar Gaddafi, é melhor ficar em casa, que a crise na Europa é grande e feia, e há muito para fazer.
Gaddafi disse que os europeus deveriam pagar um tributo anual -- 5 mil milhões de euros --, para que a Líbia controle a emigração clandestina de Africanos em direcção à Europa. Pelo meio, pediu a dissolução da Organização Mundial do Comércio (OMC) e classificou o FMI e o Banco Mundial de "organizações terroristas", nada menos. O único europeu que lhe parece ser um modelo, nas suas relações com a África, é um tal Sílvio qualquer coisa, de nacionalidade italiana. Enfim, um arrazoado que constituiu uma autêntica lição original de política internacional.
Teve, no entanto, a astúcia de manter o homem de Cartum, procurado que é pelo Tribunal Penal Internacional, longe de Trípoli. A sua presença teria trazido o pouco que havia para discutir por água abaixo. Só o ter conseguido convencer Al-Bashir a não fazer a viagem justifica a pachorra necessária para ouvir o discurso. É que o líder pode ser louco, mas tonto não é.
Os telegramas da Secretaria de Estado, agora divulgados, deram instruções claras sobre os dados que os diplomatas americanos junto da ONU deveriam obter sobre os altos funcionários da Organização.
Fui um dos visados.
Algumas dessas informações, como por exemplo, o tipo de DNA, e outros dados biométricos, os números dos cartões de crédito, as passwords ou senhas das contas email, e outras questões meramente pessoais, ultrapassam amplamente o que é admissível. Mostram que existe uma cultura de profunda suspeição e de grandes receios, de hipersensibilidade exagerada, no seio da administração americana. Como se fossem os serviços secretos quem determina a agenda.
Mais. Revelam, igualmente, que tudo o que não é de origem americana é visto com profunda desconfiança. E com muita arrogância. Pelo menos, por alguns, com responsabilidades importantes.
A diplomacia entra, a partir de hoje, numa nova era. Foi o dia em que Wikileaks deu a conhecer centenas de milhares de telegramas diplomáticos americanos. Um manancial de informação, bem como um tremor de terra, em muitas chancelarias.
Mas, há mais. Muito dos telegramas põem em causa o trabalho sério dos diplomatas genuínos. E criam problemas sem fim para os EUA e para alguns aliados.
A experiência adquirida pelos militares brasileiros no Haiti, no quadro da missão da ONU, tem sido muito útil para o combate ao crime urbano no Rio de Janeiro. E tem havido uma excelente articulação entre eles e a polícia. Agora, há que levar o trabalho até ao fim.
Entretanto, lembro que a experiencia trazida do Haiti foi a do combate ao crime organizado. Gangues de vários tipos, mas todos muito violentos, dominavam sectores importantes de Port-au-Prince. As forças da lei e da ordem pública não podiam entrar nesses bairros. A ofensiva, lançada pelos capacetes azuis, demorou meses e causou muitas perdas, com muitos bandidos mortos de armas na mão.
Também aconteceram estórias do arco-da-velha.
A determinada altura, a secção de informações da missão da ONU descobriu aquilo que lhe parecia ser o quartel-geral dos criminosos. Era uma espécie de bunker, num dos bairros mais centrais e mais perigosos do centro da cidade. Havia entradas e saídas de gente, a todo o momento, assim o mostravam as fotografias tiradas, a uma certa altitude, dos helicópteros. E parecia mesmo ter fossas subterrâneas, provavelmente para que os bandidos pudessem dispor dos que eram sentenciados.
O ataque demorou semanas a ser preparado. Tudo muito secreto. Teve, finalmente, lugar, numa madrugada feia. Foi uma operação estranha. Não houve resistência por parte dos ocupantes. E o bunker era afinal um edifício de latrinas públicas, construído por um consórcio de ONGs. Acabou por ser, na verdade, uma operação de caca.
As mensagens provenientes da Alemanha, sobre a crise da Irlanda, e efeito dominó na Península Ibérica, sobre as sanções a aplicar a quem não for disciplinado, a maneira como ignoram os senhores de Bruxelas, o voto de inutilidade que conferem ao Parlamento Europeu, todas essas mensagens parecem muito confusas. Dão a impressão de que não há uma opinião coerente sobre a situação.
Mas, a minha análise é diferente. Berlim sabe o que faz e o que diz. A confusão aparente talvez não seja confusão alguma. Talvez haja um plano a prazo sobre uma reorganização das relações políticas e económicas na Europa. Ou seja, uma estratégia relacionada com uma nova configuração europeia, que, para já, se esconde por detrás de uma retórica que deixa muitos de nós perplexos.
Talvez não saiba, mas o país que mais investe na economia russa é o Reino Unido. São mais de 600, as empresas britânicas com implantação, escritórios, fábricas, lojas, na Rússia.
Hoje, deslocou-se a Moscovo mais uma importante delegação de homens e mulheres de negócios do Reino Unido. Chefiada pelo ministro da economia e comércio, Vince Cable, uma velha raposa que conhece bem o sector privado, o grupo integra 38 líderes de grandes companhias inglesas. O objectivo é o de expandir a presença britânica num país que tem um potencial muito vasto e quase tudo ainda por explorar.
Amanhã, é Vladimir Putin que vai abrir o congresso dos empresários alemães, edição 2010. Para além do Reino Unido, o outro país do espaço europeu que aposta a sério no desenvolvimento do mercado russo é a Alemanha.
Estes países constituem um triângulo do futuro.
Tudo isto faz pensar em Portugal, como é óbvio. O nosso ministro da Economia anda perdido nos corredores da confusão que prevalece no nosso triângulo das Bermudas, ou das tempestades políticas. Um triângulo que é definido, de forma muito irregular, pelos seguintes vértices: S. Bento, Rato e Lapa.
Não seria altura de levantar voo e ir dar uma volta a Moscovo, como umas dúzias de empresários? Para apostar no crescimento é preciso andar à procura das oportunidades. Não ficar preso no triângulo dos nossos mexericos políticos e da nossa falta de genica internacional.
O meu texto desta semana, na Visão impressa e on-line, acima referenciado, sobre as forças armadas, tem suscitado um nível de interesse acima das expectativas.
A ideia era a de abrir o debate, com a certeza de que há razões de sobra para justificar o papel dos militares, numa sociedade democrática. Mas que os motivos de agora são diferentes dos de há anos atrás. Que, por isso, é preciso compreender o papel que representam no presente.
Muitas das questões que os leitores levantam mostram que não se pode descurar o esclarecimento da opinião pública, que não se deve considerar como pacífica a aceitação de uma instituição que é fundamental para o funcionamento de uma nação. É preciso esclarecer, abrir as portas ao debate, ter a coragem de dar uma opinião sobre a matéria.
As vitórias de hoje passam pelo apoio da opinião pública. Não nos podemos esquecer disso. Como também é fundamental ter em mente que liderar passa pela abertura ao diálogo, mas sem ignorar que quem lidera tem que definir o que lhe parece ser a agenda.
A greve geral de amanhã tem lugar no momento em que a crise na Irlanda chama a atenção internacional para Portugal e Espanha. É uma daquelas coincidências que mais valia não terem acontecido. Saber que Portugal precisa de produzir e ver o país parado, em revolta profunda, não deve ajudar muito os que, por esse mundo fora, estariam dispostos a investir algum capital nestas bandas.
Por outro lado, certas empresas, já em grandes dificuldades, vão perder mais uns cobres com a paralisação. No caso da TAP, dizem-nos que a acção laboral vai trazer um prejuízo de 4 milhões. Não sei se este número não estará exagerado. Mas, que a greve vai agravar o défice da transportadora aérea, não tenho dúvidas. E depois, quem tapa mais este buraco? Os contribuintes, claro.
Compreendo, sem qualquer tipo de ambivalência, o mal-estar e descontentamento dos cidadãos. A crise da economia portuguesa e das finanças públicas empobrece, nalguns casos, de modo drástico, uma população já pobre à partida. Sempre me considerei do lado dos que trabalham e dos que lutam contra a pobreza. A minha história de vida assim o mostra.
Mas, a greve geral, serve para quê, exactamente? Cerca de 80% dos inquiridos por um jornal diário - o Público - pensa que a greve não vai contribuir para a melhoria das condições de vida dos portugueses. É verdade que não se trata de um inquérito científico. Mas, dá um resultado curioso.
A Irlanda é apenas mais um elo numa Europa que não consegue sair da crise. Numa Europa que se afunda.
O Euro continua sobrevalorizado, e muito, o endividamento público, através da emissão de títulos e obrigações do tesouro cresce a olhos vistos, as economias não conseguem retomar o ritmo de crescimento, com a excepção da alemã e de mais uma ou duas, o desemprego não abranda, a pobreza já não se esconde, muitos bancos estão com situações insustentáveis, os governantes passam os dias a dizer que não há crise, que por estas bandas é diferente, para depois virem confessar o contrário. E a oposição sonha com os amanhãs que já cantaram. Ou seja, vive o sonho do dia de ontem.
O que está em causa é o projecto europeu e o modelo social. Os riscos possíveis são enormes. Ninguém sabe, neste momento, onde estará a Europa, dentro de um ano. Mas, só parecem existir duas hipóteses: ou uma maior integração das economias ou a implosão do projecto unitário. O que levaria a sérios conflitos.
Convém ver o país e o mundo com uma perspectiva mais ampla do que a que utilizamos para analisar a nossa economia doméstica. Muita gente, mesmo muita, continua a julgar as coisas nacionais e internacionais como se estivesse a contar feijões.
O país deve responder aos anseios dos cidadãos, é bem verdade. Mas também tem responsabilidades enquanto membro da comunidade das nações. Uma família pode viver do seu lameiro, com mais ou menos dificuldades. O país, não. Precisa de se abrir aos outros e assumir um papel que marque. Que o defina em relação aos outros. Quanto mais relevante for esse papel, mais as famílias acabarão por ganhar, que a economia é cada vez mais internacional.