Estive hoje no Mont-Saint-Michel e fiquei impressionado pela engenharia e os conhecimentos de arquitectura que a construção da abadia revela. Também pelo esforço humano e a força de vontade que foi preciso investir para erguer, há muitos séculos, e durante muitos anos, esta obra monumental.
As gentes de outrora faziam estas coisas com muita atenção, empenho e sem pressas, cada pormenor contava e era tido como uma obra de arte, inspirando-se na grandeza do que estavam a fazer. Construíam para a eternidade, não apenas para o dia seguinte. Os valores colectivos desempenhavam um papel determinante. É verdade que viviam num mundo povoado de crenças absurdas, mas davam importância àquilo em que acreditavam, sacrificavam-se por esses ideais.
Vale a pena pensar nisso. Hoje, a concepção de um trabalho bem feito é muito diferente. Na política, por exemplo, é tudo arrematado às tres pancadas, sem ser bem pensado, com o efeito de ilusão a contar mais do que a abrangência e sustentabilidade do facto.
Ao fim de um dia de condução com muito trânsito, entre a fronteira de Irún-Hendaye e a Bretanha, apenas resta um dedo de ânimo para mostrar a minha surpresa pela decisão que Van Rompuy tomou de adiar a próxima cimeira da UE. Que está por detrás de tal medida?
Passear nas ruas de Hondarribia, nesta altura do ano, tem que ser antes das 21:30. Até essa hora, as ruas junto ao mar estão cheias de gente, os bares vendem tapas como quem diz "quero mais", há animação por toda a parte. Depois, tudo pára, que o dia começa cedo nos Pirinéus bascos, as estradas têm muito trânsito e várias portagens, muita gente trabalha em San Sebastian, a 23 quilómetros de distância, que a vida no país basco é movimentada e não deixa margem de manobra para os lentos e despreocupados.
FS nasceu e cresceu nas quintas de Évora, que é como quem diz, naquele espaço mal definido entre a cidade e os latifúndios. Foi numa outra época, nos anos trinta de um século passado que parece perdido nos tempos.
Filho primogénito, começou cedo a ir com a carroça ao mercado da cidade, para vender o que os pais produziam e que a família não consumia. No regresso a casa, fiel ao espírito igualitário das gentes das quintas, havia sempre um pastel de nata para ele e outro para o burro. Não sei se o animal tinha uma noção do significado do gesto, mas a verdade é que nunca recusou um pastel que fosse.
Para FS, o primeiro salto na vida foi dado aos 16 anos. Entrou como paquete num banco local, que hoje já não existe. O burro ficou para trás. Anos mais tarde, como nas histórias bem contadas, chegou a director. Nesse tempo, nesse Portugal, havia casos desses, embora raros. A carreira podia começar pela base, mas quem tinha mérito, pelo menos no caso de alguns, chegava longe.
Na verdade, FS fez a ponte entre um Portugal rural, e são, e o país que agora somos.
Mas o tempo passa e a vida também.
Uma parte desse tempo de outros tempos foi hoje a enterrar.
O papel das mulheres na luta pela democracia e pelos direitos humanos recebeu hoje um balão de oxigénio, com a atribuição do Nobel da Paz a duas africanas de renome --Ellen Johnson Sirleaf e Leymah Gbowee-- e à iemenita Tawakkul Karman. Trata-se de um reconhecimento bem merecido.
Duas das mulheres distinguidas são activistas comunitárias, enquanto que Sirleaf vem da elite das organizações internacionais. É um bom equilíbrio.
O meu texto da semana passada, na Visão, sublinhava a responsabilidade que cabe ao Conselho de Segurança da ONU, no que respeita à resolução da crise israelo-palestiniana. Vários leitores têm manifestado profundo desagrado com a actuação do Conselho, não só neste caso, como noutros, sendo o mais recente relacionado com a situação na Líbia e a intervenção militar de certos estados ocidentais nesse país.
Compreendo a frustração expressa, que mostra a falta de credibilidade do Conselho. Mas temos que reconhecer que isso não retira ao Conselho as suas responsabilidades. É de facto responsável pela paz e a segurança ao nível internacional, e por muito imperfeito que seja, é ainda a melhor opção existente. Só que precisa de uma grande reforma, para se tornar mais representativo e mais equilibrado. E é aí que a porca torce o rabo: essa reforma parece estar muito longe, depois de várias e repetidas tentativas, ao longo de tantos anos.
Ou talvez já não esteja assim tão longe, que o mundo pode mudar mais depressa do que se possa pensar. É que a crise que as economias mais desenvolvidas estão a viver traz em si as sementes de uma mudança muito importante, nas relações internacionais.
A Grécia não consegue cumprir as metas do seu programa de estabilização. A agitação social torna a execução do plano ainda mais problemática.
É evidente que quem queira protestar tem o direito de o fazer. Também é verdade que o vazio de poder, a quase demissão da classe política, em Atenas, não abre as portas à esperança. Certos sectores da economia estão pura e simplesmente paralisados.
Mas mais verdade é que a Europa não pode continuar a emprestar dinheiro a um poço sem fundo. A verdadeira coragem, neste momento, é a de saber dizer aos gregos que, não havendo progresso no processo de estabilização, não haverá mais dinheiro.
Várias empresas públicas estão com a corda na garganta, no que diz respeito ao pagamento de salários. Em Setembro, ainda conseguiram crédito junto dos bancos. Mas um ou outro banco já começou a dizer que não há dinheiro disponível para mais. Que é preciso cortar nas despesas e reestruturar as empresas em causa. A Carris de Lisboa é um dos exemplos.
Por outro lado, fica-se com a impressão que muitos, aqui na nossa terra, ainda não entenderam a gravidade da situação económica do país. Tenho estado a pensar, por isso, que talvez o meu próximo texto para a Visão devesse dar exemplos de outras crises, que vi, noutros cantos do mundo, e das consequências que arrastaram consigo. Talvez uma crónica desse tipo ajude a perceber o efeito vórtex que uma situação como a actual encerra.
O Tenente-coronel Gundars B. é um oficial do exército letão. Tinha a responsabilidade administrativa do curso em que acabo de participar. Um excelente oficial, bem preparado do ponto de vista profissional. Contou-me que em 2010 tinha um vencimento líquido mensal de 2000 euros, pagos 13 vezes, em cada ano de calendário. Hoje, em virtude da contenção orçamental declarada pelo seu governo, recebe 1200, e apenas 12 vezes, sem nenhum mês extra.
Acrescentou que não tinha outro remédio senão aceitar.
Sete horas de espera em Barcelona, entre o avião do Báltico e o que deverá ir para Lisboa. Na verdade, há uma grande diferença entre os choupos do Norte e os sobreiros do Sul.