A democracia representativa, parlamentar, precisa de ser isso mesmo, representativa. Um parlamento de autómatos a reagir às cegas às directrizes vindas das cúpulas partidárias põe a democracia em perigo. Por outro lado, as manifestações de rua, muito importantes num regime democrático, são uma maneira de demonstrar o desagrado dos que nelas participam e de outros segmentos de opinião afins. Não podem, no entanto, substituir-se à legitimidade democrática que resulta das eleições. Não estamos numa época pré-revolucionaria. Mas convém estar atento e saber ler o que a rua nos diz.
"No fundo, a mensagem era simples. Portugal pode estar em crise profunda. Mas, como parte de um sistema de segurança comum e por razões de geografia, é um elo vital na defesa do conjunto. Deste modo, o poder político ou cria condições para que as forças de defesa e segurança possam fazer o que tem que ser feito ou pede a outros que o façam. Aos vizinhos, aos demais membros do projecto comum. Não pode é fechar os olhos e fingir que não há problema."
Uma noite serena na cidade velha de Riga. É sexta-feira à noite, está tempo seco, 14 graus, a juventude veio para o centro da cidade. Trata-se de hábito que surgiu após a queda da União Soviética. Dá prazer ver as pessoas a desfrutar a tranquilidade de uma capital bonita, limpa e bem restaurada. E ver a beleza desta juventude. Há muita gente muito bela.
Dei a ultima volta, depois de dezassete dias na cidade, pela urbe antiga. Amanhã, a direcção é Frankfurt e assim sucessivamente.
Quando cheguei, no início desta estada, e voltei à Academia de Defesa da Letónia, o edifício cheirava a pintura fresca. De facto, embora tivesse sido pintado há um ano, voltaram a faze-lo agora, antes do começo do nosso exercício. Para que tudo esteja apresentável e para honrar quem vem de fora. Lembrei-me, então, da rainha de Inglaterra. Elizabeth II quando sai do palácio em visita a qualquer ponto do reino fica sempre com a impressão que a Grã-Bretanha cheira a tinta...Creio que achará, ao fim de tantos anos de reinado, que assim é. Na verdade, é penas um país pintado de fresco, antes da chegada da rainha.
Em Portugal, como as coisas estão agora, penso que seria assobiada. E talvez levasse com uma lata de tinta na cara. Andamos com as estribeiras perdidas, diria gente com um pouco de bom senso...É ou não é verdade?
Ilona D. está na terceira posição, na hierarquia no Ministério da Defesa deste país báltico. É uma senhora que já foi jovem, mas que mantém uma elegância e uma presença agradável. Fala as seguintes línguas: letão, estónio, russo, inglês, francês, todas fluentemente. Participa em vários grupos de trabalho internacionais. Não tem medo da globalização. Sente-se à vontade numa Europa sem fronteiras. Acha que estar na UE é uma oportunidade que tem que ser aproveitada.
Disse-me, à hora do jantar, que o seu filho emigrou para a Irlanda, anos passados, à procura de melhor condições. Considera isso normal, embora penoso. Hoje em dia só quem tem mobilidade é que pode ter ambição. Assim é o mundo de agora.
Existem salas de concerto e teatro em vários sítios e estão sempre cheias.
O guitarrista Jesse Cook e a sua banda deram hoje um grande espectáculo de rumba flamengo, como eles dizem, no auditório da Sala dos Congressos de Riga. Lotação esgotada, uma vez mais, num anfiteatro com mais de dois milhares de assentos. Os espectadores seguiram o concerto com grande interesse, mas, habituados ao respeito, não pulavam nem dançavam nos seus lugares. Tiveram que ser chamados à pedra, várias vezes, por Jesse. Então a calma do Norte transformou-se numa euforia do Sul. Embora mais contida.
Já antes do espectáculo me havia sido dito que em 2008 o governo havia cortado os salários da função pública em cerca de 30%. A reacção foi a de aceitar sem fazer ondas, que por estes lados da Europa a disciplina cívica é entendida de outra maneira.
Quando perguntei se já estão a sair da crise, quatro anos depois, a resposta também foi muito comedida. Sair, sair, talvez ainda não...
A situação em Espanha continua a piorar, quer na frente política quer na económica. E a causar grande preocupação, no país e no resto da Europa. O nacionalismo catalão está a ser a gota de água que poderá fazer fazer transvazar o copo.
A Itália vem logo a seguir, mais perto do que muitos pensam. Ontem, houve notícias pouco animadoras. Os juros da dívida pública chegarão aos 89 mil milhões de euros em 2013, um montante que assusta os mais ousados. Sem contar com o reembolso do principal e as outras necessidades de financiamento público para o próximo ano. Quanto a reformas, pouco ou nada, que o sistema político está paralisado.
E a França continua num plano inclinado. No sentido errado, claro. O presidente e o governo não parecem estar à altura dos desafios.
Entretanto, os jornais da Bélgica dizem-nos que cada dia que passa vê chegar mais franceses "ricos" a Bruxelas, como "exilados de fortuna". Em média, vendem-se seis novas casa por dia, neste momento, a famílias francesas que procuram "refúgio" em Bruxelas. Todas as vendas em patamares superiores a 500 000 euros.
Em Portugal, por seu turno, é o que se sabe. Ontem, foi a câmara municipal de Évora - uma administração com cerca de 900 funcionários num concelho que não tem 50 000 habitantes - a dizer que está confrontada com mais de 30 milhões de dívidas a curto prazo, sem ter dinheiro para as pagar. É apenas um exemplo.
A nossa economia não só não arranca como se está a contrair rapidamente. Não há investimento. O país deixou de ser atractivo para os investidores de longo prazo, os que criam empresas, postos de trabalho e riqueza. Não é um problema de salários, como por aí se diz, nem uma questão de rigidez do mercado de emprego. É pura e simplesmente porque certas instituições do estado não funcionam como deveriam, como a justiça, e também por se prever uma séria degradação do clima social, da ordem pública e da segurança interna, bem como do poder de compra, sem esquecer a imprevisibilidade do sistema fiscal e as complicações burocráticas sem sentido. É a espiral da falência, em que uma coisa arrasta a outra. Ninguém investe num país que perde.
Estamos num estado em risco de derrocada, creio que não haverá dúvidas.
Conheci hoje o ministro da Defesa da Letónia, Dr. Artis Pabriks. Tem uma excelente apresentação, o cabelo bem cortado, aspecto limpo, um ar sorridente e fala um inglês impecável. Dá a impressão de ter vistas largas. A verdade é que diz coisas que fazem sentido. Sem arrogância nem sobranceria gratuita.
Tentei não o comparar com outro ministro da defesa que conheço, mas era impossível não o fazer. Atis ganhou por muitos pontos de vantagem.
Esta manhã havia Sol em Riga. Agora, à tarde, está um tempo de Outono.
Estas terras são frias, mas as gentes são simpáticas. Fui almoçar num dos bairros não frequentados pelos turistas. A dois passos do centro, mas fora dos circuitos. Sem problemas, que o inglês é hoje uma língua comum aqui. Ao lado do letão e do russo, muita gente o fala, o que dá a este povo uma grande vantagem no mercado global.
Aqui, acredita-se no futuro. Houve crise, as pessoas perderam uma parte do seu poder de compra, mas estão agora a recuperar. Os investimentos estrangeiros são bem-vindos. Mas ainda existem velhos preconceitos contra a Rússia vizinha, o colosso. No dia em que eles forem ultrapassados, esta economia de fronteira vai dar um grande salto em frente. A Rússia é um vasto mercado por explorar. Quanto mais ligações e abertura nessa direcção tanto melhor.
As empresas portuguesas deviam explorar a hipótese de ganharem espaço nos países bálticos. Estarão assim a preparar o futuro, junto a um portão que se vai abrindo progressivamente e que oferece enormes perspectivas. Há que saber estar nos sítios certos.
A Casa da Opera, no centro de Riga, estava, este serão, mais uma vez a abarrotar, para uma representação do ballet Gisela. Nestas paragens, a ópera, a dança clássica, a música erudita são actividades consideradas fundamentais para a cultura do povo. Os bilhetes de entrada são, por isso, muito acessíveis. O mais caro custava, hoje, menos de 25 euros.
São também encenados com muita beleza e elegância. Que a beleza e elegância elevam o carácter dos cidadãos e fazem bem ao estado de espírito.