Tive a oportunidade de ver com atenção o vídeo das pedradas, quando, a 14 de Novembro, um pequeno grupo de indivíduos arrancou as pedras da calcada e as atirou, durante mais de uma hora, aos agentes da PSP que guardavam a Assembleia da República.
Tirei várias conclusões:
Num estado de direito, esses tipos de comportamento não podem deixar de ser punidos; a impunidade é a maior inimiga da ordem pública e da justiça; será um indicador muito negativo se os indivíduos responsáveis não forem levados a julgamento, que deve ser rápido, sumário e efectivo;
A força policial esperou demasiado tempo antes de agir contra essas pessoas; a demora envia um sinal negativo, dá a entender um nível de tolerância que não pode ser aceite e que encoraja mais gente a juntar-se aos criminosos;
O número de agentes de polícia era manifestamente insuficiente; uma presença massiva de agentes tem um efeito de dissuasão importante e é prática corrente em muitas democracias; além disso, deveria haver vários cordões policiais entre os manifestantes e o edifício da AR;
O elevado número de mirones dificulta a acção da polícia; quando a situação começa a entrar numa fase violenta, a polícia tem que utilizar meios de comunicação para aconselhar os mirones a sair do local; quem ficar expõe-se, na altura em que for preciso agir;
A actuação da polícia não pode obedecer a critérios de oportunismo político; a sua missão é a de proteger a Assembleia da República e a ordem pública, cabendo ao comandante da força e aos oficiais operacionais decidir quando devem e como devem intervir, tudo, claro, no quadro da ética democrática e do respeito pelos direitos dos cidadãos; o ministro da Administração Interna não é o chefe operacional da intervenção e por isso não se deve imiscuir em decisões que têm que ver com as condições concretas no terreno;
O objectivo da operação é o de proteger as instalações e o de manter a ordem pública, bem como o de apreender todos os que se comportem fora da lei; as cargas policiais não podem ir além do que é necessário para a manutenção da ordem;
A captação de imagens dos criminosos e principais agitadores é uma prática corrente em todos os estados de direito e tem que fazer parte integrante da resposta; é, além disso, fundamental para a segurança interna do país e para a cooperação entre as várias polícias da Europa.
Finalmente, mais três pontos:
O respeito pelas forças e serviços de polícia é um dos pilares de uma sociedade democrática avançada;
A violência desnatura a intenção das manifestações populares; faz esquecer os motivos das demonstrações legítimas;
Os anarquistas e os arruaceiros sempre foram os maiores inimigos dos movimentos laborais.
Nos últimos dias, tem-se falado muito no Corpo de Intervenção (CI) da PSP. Queria, também eu, acrescentar umas linhas ao assunto.
Em 2007, durante o processo de reorganização da Polícia da Serra Leoa, foi um Comissário português, do CI, que dirigiu, no quadro da missão da ONU, a formação da primeira unidade antimotins do país.
O trabalho que esse Comissário desenvolveu foi considerado exemplar. O novo serviço da Polícia da Serra Leoa foi apontado como um modelo de profissionalismo, em termos de controlo de multidões e de manifestações, capaz de responder às necessidades da ordem pública num país que estava a dar os seus primeiros passos num regime democrático.
Tiveram lugar hoje, na Serra Leoa, eleições presidenciais e legislativas. Foi a terceira vez que o país foi chamado a votar, após anos de guerra civil, que provocaram mais de 50 000 mortos e milhares de mutilados, com braços e mãos cortados à catanada pelos rebeldes. O dia eleitoral decorreu em paz e com elevada participação popular. Um bom exemplo de exercício democrático na África Ocidental. Uma vez mais, Christiana Thorpe, a presidente da Comissão Nacional de Eleições, mostrou ser uma mulher excepcional, uma Africana de grande coragem.
Organizei as eleições precedentes, em 2007. Foi um dos períodos altos da minha carreira. Foi também um dos momentos de maior tensão. O candidato do partido no poder tentou, nessa altura, fazer tudo por tudo, para ganhar o voto popular. Sabia, no entanto, que a tendência geral era contra ele. Procurou, por isso, usar todo o tipo de truques e de fraudes. Um dos meus antigos colegas da ONU, que entretanto regressara ao país e era um apoiante incondicional do governo, foi um dos personagens que liderava as tentativas de fraude. Tive que o chamar à pedra, acenando com a possibilidade da sua detenção, se continuasse a tentar viciar o processo.
O anúncio dos resultados oficiais estava marcado para uma segunda-feira, pelas 10:00 horas. No sábado anterior, o Vice-presidente da República, que era o candidato oficial do governo, depois de uma reunião extremamente difícil comigo, anunciou-me que nessa mesma tarde iria proceder à impugnação das eleições, através de uma petição que seria entregue em mão ao Presidente do Supremo Tribunal de Justiça. Disse-lhe, com toda a clareza, que a ONU não via razão alguma para esse tipo de acção, a não ser que o objectivo fosse o de pôr em causa um processo eleitoral que fora considerado por todos os observadores como limpo. Não quis aceitar a minha recomendação. Saí da reunião e, após consultar a embaixadora britânica, dei autorização para que se “levasse” o Presidente do STJ para parte incerta, sob a custódia dos ingleses, e que só fosse “libertado” na segunda-feira, a tempo de anunciar, às 10:00 da manhã, os resultados oficiais.
Assim aconteceu. A proclamação teve lugar como previsto. Ouviu-se, então, um clamor de alegria por toda a cidade de Freetown.
A meu pedido, a transferência de poder teve lugar nesse mesmo dia, às 17:00 horas.
Assim se fez história, em 2007, na Serra Leoa.
A petição do candidato derrotado, elaborada com todo o rigor jurídico, nunca foi recebida pelo Presidente do STJ...
Embarquei recentemente através do aeroporto Charles de Gaulle (CDG), em Paris.
Havia mais de dois anos que não passara por CDG. Os serviços de apoio aos passageiros estão agora menos eficientes. Para quem viajava para fora da Europa, da Ásia às Américas, incluindo os muitos que seguiam para África, havia apenas um sector de check-in aberto, com meia dúzia de balcões, no terminal 2E. O meu voo partia do terminal 2F, bem afastado que está, outros passageiros, com outros destinos, teriam que embarcar noutros terminais, mas todos tínhamos que fazer o registo das malas e obter o cartão de embarque num desses seis miseráveis balcões, no 2E. A fila de espera era tão longa que demorou uma hora e vinte minutos a ser percorrida, apenas para deixar as malas. Isto em Classe Económica. Para quem viajava em Executiva ou Primeira, havia um sector logo ao lado, também com cerca de seis balcões, mas praticamente sem passageiros. Mas de acesso interdito aos simples mortais que se deslocam em "Classe Sardinha".
A concentração de todos os check-ins num só sector é uma medida de poupança, percebi…
Claro que isto atrasou toda uma série de voos de longo curso, incluindo o meu. Saiu, no que me respeita, uma hora após o horário. Estes atrasos têm custos muito elevados. Muito maiores do que as miseráveis economias efectuadas na área do registo de bagagens.
Não dá para entender, à primeira vista.
Mas a verdade é simples: o check-in é da responsabilidade de uma empresa, Aéroports de Paris; os voos são por conta das companhias aéreas…
Há muita gente preocupada com a crise que Portugal está a viver. Só uma visão simplista do momento actual pode levar a acreditar que tudo se resolveria deixando tudo na mesma, sem sacrifícios e sem um amplo consenso nacional quanto ao futuro.
A construção do consenso político é a primeira tarefa a resolver.
Numa situação de grande complexidade, a criação do consenso nacional necessário para a resolução da crise passa pelo esforço patriótico de personalidades com sólida credibilidade política e uma visão moderna da sociedade e da economia. Onde estão essas pessoas?
Vou estar ausente deste blog e da realidade nacional até 15 de Novembro. Parto com a impressão que quando voltar estaremos ainda mais afundados nas nossas contradições. Espero, no entanto, que assim não seja. Esperar faz parte da cura.
Nenhum governo consegue permanecer por muito tempo no poder se contar apenas com o apoio de uma maioria parlamentar. Seria uma ilusão desastrosa pensar de outro modo. Para além dos votos favoráveis no Parlamento, a continuação da governação só é possível se houver uma parte importante da população que se reconheça nas políticas que forem sendo adoptadas pelo governo. Caso contrário, estaremos perante um poder com os dias contados.