No seguimento das eleições italianas, as elites intelectuais e políticas europeias continuam a não entender que décadas de corrupção política e económica, de clientelismo político, de ausência de um estado de direito, que foi substituído em várias regiões da Itália pelo código de actuação das máfias, e de burocratização extrema da governação central, regional e local, tudo isto acompanhado de demagogia e de ilusões económicas, só poderiam ter este tipo de resultado: colocar o país contra a parede!
Um senhor sargento no activo, líder da Associação Nacional de Sargentos (ANS), disse aos meios de comunicação social que “todos os cenários são possíveis e estão em cima da mesa”. Referia-se à contestação que ele e os seus associados – sargentos nas fileiras das Forças Armadas – estão a fazer à política de reforma do governo em matéria de defesa.
Isto, para mim, soa como uma ameaça de um militar contra o regime democrático. Ou pelo menos, é uma violação do estatuto especial que rege as forças armadas.
Creio que a Chefia deste senhor não vai deixar passar estas afirmações em branco.
Caso contrário, estaríamos numa situação em que já nada teria sentido.
Também me parece ser contrário ao estatuto da condição militar, tantas vezes invocada pelos próprios, para que possam manter certas regalias, que a dita Associação bem como a Associação de Oficiais das Forças Armadas (AOFA) e a Associação de Praças (AP) tenham convocado, em conjunto, uma reunião, a ter lugar na semana que vem, “para definir formas de luta contra os cortes financeiros e de efectivos anunciados pelo ministro da Defesa”.
Os círculos políticos e financeiros europeus, os que estão habituados a definir a agenda, estão hoje muito confusos e ansiosos, face aos resultados eleitorais na Itália. Para estes líderes, que são na sua grande maioria de direita, o resultado ideal teria sido uma vitória do centro-esquerda italiano – uma contradição interessante. No melhor dos mundos, o centro-esquerda aliar-se-ia ao partido de Mario Monti e continuaria a política que este levou a cabo nos últimos 15 meses.
A realidade dos resultados é diferente. Os votos obtidos pelo partido de Berlusconi deixam muitos destes círculos a pensar que o eleitor italiano é um oportunista com memória curta. Nem todos, claro, mas quase um em cada três. Se a estes se juntar quem votou pelo Movimento 5 Estrelas, fica-se a pensar que praticamente 1 em cada 2 italianos ou é tapado da cabeça ou é ingénuo.
Perante tudo isto, creio que é importante dizer que, por mais caótica que esteja a cena política, haverá uma solução. O pior cenário seria um governo minoritário do Partido Democrático. Teria imensas dificuldades em governar e acabaria por cair dentro de meses. Nessa altura, Berlusconi e Grillo estariam numa posição eleitoral ainda mais forte. Assim, a via a seguir nos próximos dias é a de tentar criar uma grande coligação do centro-esquerda com o centro-direita. Será uma coligação frágil. Tem, todavia, a vantagem de comprometer ambos os lados numa política que não irá ser muito diferente do que Monti tem estado a fazer.
O programa da RTP1 “Prós e Contra” de ontem discutiu a questão dos cortes nas Forças Armadas. Foi uma emissão que me mereceu vários comentários:
A animadora do programa, a jornalista Fátima Campos Ferreira, não tinha estudado o dossier suficientemente, não estava a par dos números que são públicos, pareceu-me, várias vezes, perdida no meio dos generais;
Não houve contraditório, todos tinham a mesma opinião; teria cabido, neste caso, à animadora levantar pontos polémicos, mas não o soube fazer;
O Gen. Loureiro dos Santos, com o seu ar de velho lobo matreiro, tentou dominar o debate e aparecer como a alternativa à política de defesa do governo; dizem que gosta de protagonismo, mas a verdade é que a maneira como fala projecta uma imagem demasiado autoritária e uma certa matreirice que não ajuda a causa;
Nenhum dos oficiais generais presentes no painel conseguiu explicar claramente as missões actuais das FA, transformando o programa numa oportunidade desperdiçada e num mero ataque ao governo e aos políticos em geral;
Também não conseguiram responder aos que pensam que a contestação existe por razões meramente corporativistas, para defender interesses e vantagens numa altura em que outros estão a perder direitos e mesmo a procurar apenas sobreviver;
Porta-vozes de oficiais, sargentos e praças no serviço activo tomaram a palavra no programa, com declarações nitidamente políticas, o que poder ser considerado um acontecimento único, que não acontece nos outros países da NATO;
O antigo ministro da Administração Interna, Rui Pereira, parecia estar no debate com o à vontade de uma mosca a nadar num prato de sopa; não sabia bem o que deveria dizer e por isso foi dizendo umas coisas, poucas e sem peso;
O outro participante civil, não interessa aqui o nome, parecia ter sido convidado para acertar as contas, fazer de contrapeso, permitir chegar a seis; fora isso, disse umas generalidades.
Têm estado uns dias muito frios. Noto que isto me tem levado a mais trabalho de secretária e a menos saídas. E hoje, no meio desta neve toda, senti-me como um urso, meio hibernado.
Voltando às questões de segurança, parece-me fundamental sublinhar que seria um erro pensar que, num país como o nosso, as respostas devem ser acima de tudo militares. A parte militar é uma componente da resposta. Tem que estar preparada, é verdade, para três dimensões fundamentais, que indico de modo resumido: a de soberania, que, no nosso caso, tem muito a ver com o mar e, também, em certa medida, com o espaço aéreo; a de protecção contra as ameaças de tipo militar, que devem ser claramente definidas; e a dimensão internacional, de projecção de Portugal no exterior. A reforma do sector da defesa deve ser feita nessas bases.
Por outro lado, existem as facetas não-militares da segurança nacional. No nosso caso, passam pela definição do papel e organização dos serviços de inteligência, pela coordenação e reorganização das polícias, pela articulação entre as polícias e os militares, bem como por uma definição clara das parcerias de segurança com os países estrangeiros do espaço político a que pertencemos. Sem esquecer, claro, que só estaremos verdadeiramente numa posição de força se a economia crescer, se modernizar e gerar as mais-valias necessárias. Com uma economia insuficiente e subdesenvolvida a nossa capacidade de financiar a segurança nacional, incluindo a defesa, ficará sempre aquém do que seria ideal. Chama-se a isso “fragilidade nacional”.
Ou seja, a problemática da nossa segurança é bem mais complexa do que parece. Não se compadece com simplificações nem com vistas unidimensionais. Preciso, isso sim, de uma reflexão diferente da que tem estado a ser efectuada. Mais compreensiva. E actual.
Acho estranho que a produção de ideias sobre questões de segurança esteja dominada, no nosso país, por um grupo de velhos militares na situação de reforma.
Não fico preocupado por se tratar de um número muito reduzido de pessoas, sempre as mesmas, embora ache que essa maneira de fazer as coisas não favorece nem torna possível o aparecimento de novas ideias, de perspectivas diferentes, que estes generais, almirantes e outras altas patentes andaram todos na mesma escola e rezam apenas por uma cartilha. Também não me aflige a mediatização que alguns desses velhos senhores procuram dar às suas intervenções públicas. Nem os jantares, como o de hoje, que organizam. Penso, até, que se trata de cidadãos com um elevado sentido de patriotismo, no sentido tradicional do conceito. Portugueses que merecem todo o respeito.
O que acho estranho é que sejam pessoas vindas da defesa, que é apenas uma faceta da segurança nacional, a ditar a agenda. E o resto?
Com Berlusconi uma vez mais a definir a agenda, a Itália está embrenhada numa nova corrida para a confusão. Reina a demagogia. Até Monti já faz promessas eleitorais irrealistas, ao revés da orientação que seguiu enquanto chefe de governo. Uma parte significativa do eleitorado irá votar, sem grande fé no prometido, mas com base no “nunca se sabe”.
Os Think Tanks e organismos similares – Policy Centres, escritórios de lóbis, institutos privados de investigação, plataformas de diálogo, representações de grupos de interesses, etc – definem uma boa parte da vida internacional de Bruxelas. Formam-se e vivem à volta das instituições da União Europeia e da NATO. Empregam milhares de universitários, das mais diversas nacionalidades. São também um viveiro de estagiários, jovens vindos dos vários cantos da Europa que nestas instituições privadas aprendem a mexer-se num ambiente internacional e acumulam contactos. Muitos desses jovens têm uma formação académica avançada, com cursos tirados em dois ou três países diferentes. Alguns falam várias línguas, incluindo idiomas menos habituais, nesta parte do mundo, como o russo, o mandarim, o coreano ou o árabe. Têm uma visão cosmopolita da vida e do emprego, grande mobilidade, sempre prontos a ir viver e trabalhar noutras paragens. Alguns são francamente brilhantes.
Nas minhas andanças por esta terra, tenho encontrado muitos deles. E notado uma grande ausência: a dos jovens portugueses.