Vejo o encontro que Mário Soares organizou ontem em Lisboa como um exercício do direito à indignação, perante a situação política actual. Teve o mérito de reunir personalidades de vários matizes políticos, que partilham um ponto de vista: a oposição às medidas orçamentais que estão a ser aplicadas pelo governo, com o apoio dos principais credores externos do nosso país. Foi igualmente um momento de reconhecimento em relação a Mário Soares, quer em relação ao conjunto da sua vida política quer ainda ao facto de que, com a idade que tem, continua a batalhar pelas causas que lhe parecem justas.
Dizem-me que as intervenções foram vagas, mais retórica do que substância, mais emoção do que propostas concretas. E que os partidos políticos viram a coisa como uma espécie de grande missa, a que seria mal visto faltar, mas sem qualquer tipo de consequências práticas.
Talvez. Mas, para mim, foi um acto de cidadania. Certamente muito preferível, diga-se claramente, às greves políticas que põem à prova o que resta da economia.
Escrevo, na Visao que acaba de ser publicada e que esta nas bancas, sobre a social-democracia e o socialismo num contexto de crise europeia e de crise da ideologia do centro-esquerda.
Uma análise objectiva da realidade portuguesa – procuro manter a objectividade, sem cair nos extremismos que são tão frequentes na situação actual e tão fora da realidade possível – fez-me dizer, esta tarde, numa discussão entre amigos, que o momento político é muito grave e totalmente imprevisível. Penso, acrescentei, que Portugal está à deriva. Uma deriva colectiva, partilhada por uma grande parte das elites da política e da comunicação social. E como todas as jangadas à deriva, cada um aponta num sentido diferente, convencido que a direcção que propõe é, de facto, a que levará à salvação.
Pessoa amiga, que não via há muito tempo, está agora colocada numa das direcções-gerais do MNE, depois de alguns anos no exterior, incluindo na Comissão Europeia, em Bruxelas.
Ao notar uma certa amargura na voz que me saudava, disse-lhe que não se deveria poder queixar, pois os Negócios Estrangeiros ainda são um dos melhores sítios para trabalhar, quando se é funcionário público português. Acrescentei, mesmo, o MNE é uma casa de gente inteligente e com uma visão ampla das coisas.
Respondeu-me, para minha surpresa, com um amargo ainda maior: se tu soubesses…
Londres e Nova Iorque são cidades globais. Caminhar nas suas ruas permite encontrar gentes vindas dos cantos mais diversos do mundo. São, para um cidadão sem fronteiras, as cidades ideais para viver.
Bruxelas é uma cidade mista, europeia e de gentes dos arredores da Europa, do Norte de África à Turquia. Não é a mesma coisa que ser uma cidade universal. Mas é mesmo assim uma aglomeração-mosaico.
Ainda hoje, quando viajei de eléctrico do distrito europeu em direcção à minha casa – que se situa num bairro tipicamente belga – entretive-me a escrutinar a paisagem humana que me servia de companhia na carruagem. Havia de tudo, uns mais velhos, outros muito jovens. Cada um metido consigo próprio, alheio à diversidade étnica que convida à tolerância e à abertura de espírito.
Foi um dia em duas partes: de manhã, escrita, a produção da minha coluna para a Visão desta semana.
Escrevi sobre os desafios que os partidos da família socialista enfrentam, nesta época de crise europeia e de grandes mudanças sociais e económicas.
À tarde, cortar a relva e a sebe, mondar as ervas daninhas, aproveitar o primeiro dia de sol, depois de muitas semanas de ausência, para preparar o jardim para a travessia do período de Verão.
O meu voo de regresso a Bruxelas estava cheio. Assim tem acontecido, cada vez que me desloco entre Lisboa e a capital da Europa, ou vice-versa.
Ver os aviões que vão ou vêm de Portugal é sempre um motivo de satisfação. A impressão que fica é que o país continua a mexer, apesar da crise, do pessimismo e das vozes que advogam um regresso ao cantinho nacionalista do passado.
Falei, esta manhã, na Gulbenkian, da minha experiência internacional.
Na sala, um grupo de estudantes de mestrado da Universidade de Aveiro, mais umas pessoas ligadas à cooperação internacional. Uma audiência interessada. Muitos já fizeram cooperação nos PALOP e gostariam agora de alargar o seu campo de acção para além do círculo dos países que tem o português como língua oficial. Uma ambição que gosto de apoiar.
Ser jovem, no mundo de hoje, implica, também, uma visão global da vida e das oportunidades. Ficar parado não leva a lugar algum.
No Rio de Janeiro, perguntei a gente do sector privado com formação universitária e bem na vida, o que pensavam sobre a CPLP, a famosa comunidade de países em que o português é a língua oficial. Fiquei elucidado. Ninguém sabia explicar a substância ou a ligeireza da sigla. Um ou outro já tinham ouvido a “coisa” ser pronunciada, mas eram incapazes de lhe dar um significado.