O Presidente François Hollande disse, numa visita recente à China, que a crise das economias europeias estava a chegar ao fim. A mensagem que quis transmitir era bem clara: estamos numa altura de viragem, o pior já passou, vamos entrar num período de retoma.
Na altura, houve quem dissesse que Hollande não tinha outra opção. Que o presidente de um país de peso dentro da União Europeia tinha que transmitir optimismo, apesar de saber que as tendências económicas são negativas.
Na minha opinião, esta maneira de ver as coisas, dando uma visão ilusória da realidade, este optimismo retórico não traz benefícios. Prejudica, isso sim, a credibilidade do político que profere esse tipo de declarações.
Em política, seja na cena internacional seja na doméstica, considerar que os outros são tolos é um erro. Nos tempos de hoje, aqui, ou na China, o que conta é a franqueza. O discurso político precisa de se adaptar aos tempos de agora. Ter presente que as pessoas estão bem informadas e propor, assim, políticas e medidas que façam sentido e que resultem de um estudo da realidade e das diferentes escolhas possíveis. O resto é conversa.
A minha carreira internacional, sobretudo nos últimos anos, em que a responsabilidade política era maior, ensinou-me que o sucesso passa por um equilíbrio muito delicado entre o chamar os bois pelos nomes e a sensibilidade dos grandes países. Ou seja, quando a verdade precisa de ser dita deve-o ser, mas a escolha das palavras, do momento e do local são questões fundamentais. A diplomacia, como é costume dizer-se, consiste na capacidade de mandar a outra parte para o inferno com um jeito tal que deixe o adversário com vontade de fazer a viagem e ansioso por lá chegar o mais depressa possível.
As relações com os grandes países, quando se tem responsabilidades internacionais, não se fazem através dos jornais nem com declarações bombásticas. A não ser que se tenha perdido a autoridade, a capacidade de ser ouvido, ou se esteja com um pé já na rua…
Dito isto, não sei como enquadrar a entrevista de Barroso ao International Herald Tribune. No entanto, ao atacar de um modo tão claro o governo de François Hollande, o Presidente da Comissão Europeia pode ter revelado, indirectamente, várias coisas: frustração, porque a Comissão tem estado a ser ostensivamente marginalizada em tudo o que conta; presunção, por acreditar que possa estar acima dos líderes dos Estados membros, o que nunca poderá ser aceite; ou mau aconselhamento, por parte dos seus assessores políticos. Fica a questão no ar. O que é verdade, é que assim vai voltar a Lisboa mais cedo do que ambicionava. Ou então, vai seguir os passos de Tony Blair e andar por aí, a dar conselhos a governos que paguem bem.
Almoço para dois, 38 euros, no total, com cerveja e café incluídos, na Place d’Armes, no centro da cidade, num dia quente, que 33 graus no Luxemburgo é muita temperatura. As esplanadas cheias, claro, a cidade com um ar despreocupado, que andar nas ruas da velha urbe ducal é como tomar um calmante que faça esquecer a crise no resto da União. De facto, faz bem passear, de vez em quando, fora das preocupações que limitam e fecham os quotidianos cinzentos e exaltados.
Um leitor amigo diz-me que é preciso manter o optimismo. Creio que tem razão. É preciso acreditar que o futuro será melhor que o presente.
Mas não é fácil. O presente está um caos.
Ainda hoje lia na imprensa diária que os prédios da Avenida de Roma e da João XXI estão a ser sistematicamente assaltados, para roubar os metais das entradas e os candeeiros e lâmpadas dos corredores. E alguém me dizia que na Barra Cheia, na zona rural da Moita, as casas sem gente durante o dia são alvos sistemáticos dos gatunos. Segundo parece, até os umbrais das janelas levam. E agora, um conhecido telefona-me para dizer que ontem parou no centro do Porto Covo, uns quinze minutos, o tempo que demorou a tomar um café. Ao voltar ao carro, tinha o vidro partido e a viatura arrombada.
Isto para mencionar coisas que tocam de muito perto ao cidadão comum.
Também é verdade que muitos dos cidadãos comuns estão sem emprego. Isto talvez explique uma parte importante da coisa. Mas será explicação suficiente?
Quem me ler vai pensar que esta divagação pelas questões da segurança quotidiana está fora da agenda, num dia em que a notícia foi a greve dos professores. Porém, sobre esse assunto já se escreveu muito. Incluindo sobre o medo de perder o emprego, um receio cada vez mais frequente, e que certamente esteve na mente dos muitos que hoje “faltaram à escola”.
Observo, com espanto e inquietação, o que se passa no meu país. Outros, pelas terras por onde ando, nada tendo que ver com Portugal, deixaram de olhar e de ter em conta. Optaram pelo alheamento, que é a moeda comum dos que estão melhor e não querem ser tocados nem pela loucura nem pela infelicidade dos outros.
Há por aí muita gente convencida que se este governo for abaixo surgirá, em seguida, um melhor. Ou seja, Portugal continua a ser povoado por uma larga percentagem de optimistas.
Anda por aí uma assanhada discussão sobre a classe média. No essencial, tudo parece girar à volta dos ataques que o governo estaria a fazer contra essa classe. Daí resultaria um definhamento acelerado da classe média portuguesa.
Não há, todavia, acordo sobre os parâmetros que definiriam a classe média. Nem sobre o nome que se deve dar à classe abaixo da classe média: classe trabalhadora ou proletariado – este termo caiu em desuso?
O que parece indiscutível é que o empobrecimento da população portuguesa chegou agora àqueles que estavam habituados a uma vida com certas folgas e que não eram atingidos pela precariedade do emprego e dos rendimentos. Eram essas as duas características que os levavam a pensar que pertenciam à classe média. Ou seja, a crise fê-los descobrir aquilo que muitos outros cidadãos, os pobres e os sem-recursos, já sabiam de há muito. Tem sido um choque tremendo.
A experiência diz-nos que quando os que se consideram “classe média” se vêem em risco de pobreza tudo pode acontecer. É que para muita gente da classe média, a pobreza só pode ser aceite quando são os pobres, os debaixo, a experimentá-la.
O meu texto de hoje na revista Visão resume algumas das impressões que trouxe de uma viagem recente ao Brasil. Achei que seria importante sublinhar os aspectos mais positivos.
Uma linda tarde de Sol, nas margens do Lago Leman, 30 Km a Oeste de Genebra. As águas do lago são de um limpidez e transparência que me deixam hipnotizado. Mas não serei o único com um ar perdido. Ao passar por uma rua desta aldeia de casas ricas, vi uma mulher jovem, encostada à parede, com um olhar vago e opaco. Tinha dois polícias à volta dela, que, sem dizer palavra, aguardavam instruções da chefia, sim ou não, é detida e expulsa, o chefe decide, que isto de não ter papéis que legalizem a presença na Suíça está novamente a ser levado muito a sério.