Quando me falam das questões de mobilidade na função pública, gosto de perguntar em que plano estratégico se enquadram essas medidas. Os funcionários fazem parte de um conjunto mais vasto, que é o Estado. E o que é preciso é definir primeiro quais devem ser os grandes objectivos da reforma do Estado e qual é o plano estratégico que se pensa seguir, para que esses objectivos possam ser alcançados.
O resto é do domínio da política avulsa, das decisões e escolhas aos pedacinhos. Não é o menu principal. Põe-se na mesa, enquanto não se sabe o que se vai escolher para o jantar.
O drama dos fogos é, ao fim e ao cabo, o drama de populações rurais, de pequenos camponeses pobres. São eles que sofrem e perdem os seus parcos haveres. São as grandes vítimas. O fogo perpetua a miséria e o abandono.
Os senhores da política e do poder são agora gente urbana, que pouca ou nenhuma sensibilidade e afinidade têm, no que respeita a essas populações do campo minifundiário. Por isso não se lembraram dos incêndios quando era preciso tomar medidas de precaução. Preferem remediar, que prevenir não lhes vem à cabeça de meninos da cidade.
E remedeiam mal. Com o flagelo dos incêndios a ser uma constante de todos os Verões, não há corpos de bombeiros profissionalizados e treinados especificamente para este tipo de catástrofes. Continua a construir-se a luta contra os fogos na base dos voluntários, que são os grandes heróis, gente da classe pobre urbana a ajudar os pobres do campo. E não há meios suficientes, por muita que se diga o contrário.
Há também aqui um problema de gestão das florestas e dos matos, de ordenamento do território. Mas ninguém ouve falar da responsabilidade política dos ministros da agricultura e do ordenamento do território e do ambiente. Eles andam escondidos ou entretidos com outras coisas, enquanto a pequena economia rural arde. Só se pensa na administração interna. É, uma vez mais, a resposta a tomar a primazia em relação à prevenção. Ou seja, mais um exemplo de opções políticas ao avesso.
Pronto. As duas semanas de férias acabaram. Volto às lides. E é como um voltar a Portugal, depois de uns tempos na Aldeia das Açoteias, em Albufeira, no Algarve. Rodeados de ingleses por todos os lados, na véspera do regresso a Lisboa alguém da família disse, saiu assim, e é bem verdade que o disse, “a que horas saímos amanhã para Portugal”?
A raiva e o ódio fazem parte da maneira de ser de muitos de nós. Infelizmente. Temos, infelizmente, esta tendência para cortar na casaca e dizer mal de tudo e de todos, cegamente. Falta-nos, mesmo nas horas de tragédia pessoal, a arte e a elegância de sublinhar o positivo. Ora, o futuro só se constrói com base no que temos de bom.
E a escrita completa é igualmente transcrita de seguida.
Jogar forte e feio no Egipto
Victor Ângelo
A crise egípcia veio demonstrar, uma vez mais, que em matéria de política externa, o que conta são os interesses e a salvaguarda das alianças. Os objectivos estratégicos têm precedência absoluta. Os princípios e a lei internacional, que deveriam orientar as relações entre os Estados, acabam por servir apenas como cortina de fumo. Quando se torna escandaloso ficar calado perante violações extremas dos direitos e liberdades fundamentais, inventam-se então umas declarações políticas, que metem os pés pelas mãos e nada acrescentam nem contribuem para a resolução do problema. Servem, apenas, para fingir algum respeito pelos princípios e para ocultar o que de facto está em jogo.
No caso do Egipto, a aposta é enorme. A preocupação fundamental das potências ocidentais é a de evitar o caos. Trata-se, no mundo árabe, do país com a maior relevância estratégica. Não pode ficar nem ingovernável nem imprevisível. Com 84 milhões de habitantes, e um crescimento demográfico que fará aumentar a população para a casa dos 125 milhões, no ano 2030, tudo isto no quadro de uma economia em declínio, o Egipto tem desafios estruturais gigantescos. A que se junta uma estabilidade social precária, entre a esmagadora maioria muçulmana e a minoria cristã. Acrescentar a estes factores o caos político seria inaceitável. Não só desestabilizaria totalmente o país, como poria em causa a segurança da navegação no Canal do Suez, traria novas ameaças às zonas fronteiriças com Israel e Gaza, tornaria o Sinai num paraíso para o banditismo armado e transformaria toda região num viveiro de extremistas violentos.
Este é o cenário que Washington e certos círculos dirigentes europeus não querem que aconteça. Foi por isso que os militares egípcios, apesar do golpe de Estado de 3 de Julho, conseguiram passar entre os pingos da chuva e não ser publicamente condenados por Obama e outros, mesmo após a decisão da União Africana de suspender o novo regime do Cairo. E é ainda por isso que hoje os Estados Unidos e a UE hesitam na resposta a dar aos acontecimentos recentes, que têm causado centenas de mortos. Vistas as coisas a partir deste lado do mundo, os militares são a única instituição que pode garantir um poder forte e previsível. São, igualmente, aliados de confiança – a cooperação de defesa entre Washington e o Cairo tem uma longa história.
A Irmandade Muçulmana, por seu turno, após muitas décadas de subalternização, deixou-se arrebatar pela legitimidade eleitoral e pelo controlo do poder formal. Financiada pelo Qatar, que nos últimos doze meses doou recursos financeiros incalculáveis ao governo de Morsi, perdeu de vista a correlação de forças no tabuleiro interno e a sua posição no xadrez regional. Quis forçar a parada em ambas as frentes, quer através da adopção de uma constituição a contracorrente dos equilíbrios domésticos quer ainda ao apoiar o Hamas em Gaza e ao menorizar a relação com a Arábia Saudita. Foi, no entanto, o relacionamento cada vez mais íntimo de Morsi com a Turquia de Erdogan que fez içar a bandeira vermelha. O que aconteceu aos generais turcos, julgados com mão pesada e em atropelo das regras processuais, foi visto como um prenúncio pela cúpula militar egípcia. Deixar as coisas continuar por essa via seria um erro fatal, na perspectiva do general Abdel Fattah al-Sisi e dos seus camaradas de armas. Ao tomar a iniciativa de derrubar Morsi sabiam que podiam contar com a condescendência do Ocidente.
Assim saibam, agora, que sem compromissos entre todos os sectores da sociedade egípcia não haverá futuro para o seu grande país nem estabilidade na região.
O mercado de peixe fresco de Quarteira estava cheio de gente, esta manhã. E oferecia uma boa escolha de pescado. Acabei por comprar mais do que precisava, cativado pela qualidade e pela variedade. A velha peixeira, mulher de mais de setenta anos, ficou tão encantada com o meu entusiasmo pela sua mercadoria que acabou por sugerir que a levasse também a ela. Uma espécie de adopção tardia, claro. Riu-se quando lhe disse que o meu amor pela pesca se limita, agora, ao peixe grelhado.
No pino do Verão, é altura de lembrar os milhares de bombeiros voluntários que existem pelo país fora e de lhes dirigir uma palavra de reconhecimento pela sua abnegação e coragem.
É igualmente altura de perguntar se as instâncias oficiais estão a fazer o que deveriam fazer, para salvaguardar os interesses dos bombeiros feridos em acção ou para proteger os familiares mais directos dos que, por infelicidade, acabam por cair no combate às chamas.
Um país que sabe honrar os seus bombeiros voluntários mostra saber reconhecer o mérito dos cidadãos que nos ensinam como combinar humildade com serviço público.
O discurso de Passos Coelho no Pontal foi maçudo e pouco próprio para um comício popular.
Como a coisa foi transmitida em directo pelas televisões que emitem por cabo, o homem perdeu uma oportunidade importante de fazer passar umas mensagens.
O estilo professoral, dedutivo e pormenorizado, com todas as ideias bem explicadas ao pormenor torna a comunicação intragável. O cidadão desliga e os comentadores irão aproveitar os pedaços do monólogo que melhor servirem os seus interesses pessoais e as agendas políticas dos seus patrões.
Que andarão os assessores de imprensa de S. Bento a fazer? Ou serão apenas mais uma série de miúdos, sem experiência nem saber profissional, mas com tacho, que a filiação partidária assim o permite?
A confirmação estatística de que o PIB português havia crescido no segundo trimestre deste ano não marcará o fim da crise. Mas é, no meu entender uma boa notícia que tem ainda o mérito de ser uma “vingança póstuma” do ex-ministro da Economia. Na verdade, algum crédito haverá que ser dado a Álvaro Santos Pereira.
A história deste ex-ministro ainda está por contar. Santos Pereira foi, desde o início do seu mandato, atacado por um grupo inspirado por Paulo Portas e pelo seu grupo de lacaios políticos. A comunicação social, sempre à procura de ruído e pronta a embarcar às cegas em campanhas que por vezes não entende nem sabe que interesses servem, aproveitou a boleia e lançou-se ao homem.
A verdade é que Santos Pereira foi um governante interessado em fazer coisas, em desfazer interesses instalados e em dar a volta à economia. Fê-lo com a inocência de quem de fora dos partidos e dos jogos de intrigas, convencido que, por ser ministro, tinha poder.
Esqueceu-se, no entanto, de várias coisas. De que em Portugal não vinga na política quem vem de fora e mantém uma posição independente. De que aqui não se dá autoridade nem respeito a quem não pertença às elites aristocráticas, ou maçónicas ou da Igreja. Ou às velhas famílias políticas do regime. Esqueceu-se também que temos uma economia de grandes empresas que se habituaram a viver à manjedoura do Estado. Quando se tenta cortar-lhes a ração, a resposta é a de dar coices. Não percebeu que para Portas, e o que ele representa, o controlo de parte da economia é vital para a sobrevivência do seu partido. E não entendeu que muita da nossa classe jornalística se deixa manipular, consciente ou inconscientemente, e vive do morder as canelas de quem por aí anda.
Assim, uma “vingança” de 1,1% de crescimento foi uma boa notícia.
Um vogal da administração de um instituto público leva para casa, ao fim do mês, com tudo bem descontado, cerca de 2 500 euros ou menos, e certamente não muito mais. Por isso me dizia hoje alguém amigo e que conhece bem estas coisas, que neste momento na administração dos institutos públicos só há três tipos de pessoas: os burros; os que esperam fazer carreira política e que estão lá de passagem; e os que tentam aproveitar-se da coisa, para ganhar umas comissões por fora.
O julgamento do meu amigo talvez seja demasiado severo ou redutor. Haverá um ou outro caso em que a razão terá que ver com um outro motivo: espírito de missão. Só espero que não acumulem esse estado de espírito com a burrice.