A questão da presidência da Comissão Europeia deve ser aclarada esta semana.
As hipóteses de Juncker ser nomeado como candidato são cada vez menores. Era fundamental que tivesse conseguido um acordo público com a família socialista europeia, para poder entrar nesta semana decisiva com mais força. Tentou fazê-lo, não sei se com a genica suficiente, mas a verdade é que o não conseguiu. Creio que a razão para o fracasso reside no facto de Angela Merkel se opor à nomeação de Martin Schulz, o líder socialista, para um qualquer cargo na futura Comissão. Assim, Juncker não tinha nada de bom para oferecer aos socialistas.
Entretanto, a campanha inglesa contra Juncker continua. Para Londres, é fundamental que que a escolha recaia sobre um político morno, no que respeita à construção europeia. Estão a olhar para os primeiros-ministros e mesmo, para um ou dois presidentes da república, em exercício de funções e tentar fazer o que Blair fez em 2004, propor um deles. Mas terá que ser alguém que venha de um país que tenha o euro como moeda.
Alguém me perguntava como vejo a situação no interior do Partido Socialista português. Com naturalidade, foi a resposta. Estas coisas acontecem.
No passado recente, em vários países europeus, verificaram-se contestações às lideranças partidários, gente vinda de dentro a desafiar quem estava à frente e que poderia ser considerada como pouco capaz de dar conta do recado. Alguns desses desafios deram origem a mudanças, outros não. Sem contar que quando isso acontece, pode aparecer um nome inesperado, um fora de jogo que resolve entrar no jogo.
Tudo isto é muito fracturante, gera muitas inimizades, mas a política no interior dos partidos é feita dessas coisas. As lutas internas, as intrigas, as alianças e contra-alianças, tudo isso acontece e faz parte da vivência dos partidos.
O importante é clarificar as questões sem grandes demoras. Um processo de luta pela liderança que se arraste deixa feridas mais profundas e enfraquece a todos, mesmo o líder que venha a ganhar.
Alguns “pensadores” da Direita portuguesa gostam de ir buscar ideias e inspiração ao Financial Times (FT). Depois, publicam uns textos de opinião, que pouco mais são que um aportuguesamento do que lerem no diário conservador inglês.
Como o FT publicou esta semana dois ou três textos de comentário contra Jean-Claude Juncker, opondo-se à sua candidatura à presidência da Comissão Europeia, os nossos brilhantes homens de ideias de Direita lançaram-se ao ataque do luxemburguês. Um deles até escreveu que Juncker vem de um micro-Estado e por isso não tem condições para estar à frente da Comissão. À falta de melhor argumentos, saem coisas deste género.
Na ânsia de copiar os conservadores ingleses, esquecem-se dos interesses de Portugal. O Luxemburgo é um país que acolhe uma vasta comunidade imigrante portuguesa. Juncker foi sempre a favor da presença portuguesa no seu país. Defendeu a nossa imigração durante os muitos anos que esteve à frente do governo do seu país. É, além disso, um político europeu que gosta de Portugal e que compreende que a Europa só se construirá se houver um equilíbrio entre o Norte e o Sul.
Sem deixar de mencionar que Juncker defende uma grande coligação com a família socialista europeia. Ou seja, entende bem que a Europa também só é viável se tiver uma base de apoio político muito vasta.
Mas, para a nossa inteligência de Direita, nada disso conta. O que é importante é parecer esperto, contrário e alinhado com as posições do FT. É uma inteligência sem visão, pobre e pobre de espírito.
Dizia-me alguém, com uma certa angústia sobre si próprio e a situação do país: quem sou eu para achar que sou menos estúpido que o resto da malta?
A frase saiu-lhe depois de me ter dito que, na sua opinião, andamos todos a discutir as questões erradas, o que é de somenos importância, num filme trágico a que chamaram “Fechado no rectângulo”.
Lembrei-me então da minha experiência de crises. Quando se está no meio de uma crise nacional profunda fica-se prisioneiro das nossas próprias limitações. É isso que nos afunda. E quando se pensa no futuro, a tendência é para tentar reproduzir o passado. Deixamos, assim, que a crise nos limite a imaginação e a capacidade de tomar a iniciativa e de mudar.
Acabamos, de facto, por ser os nossos próprios coveiros.
A negociação de um acordo de livre-comércio entre a União Europeia e os Estados Unidos está emperrada. Para começar, as filosofias económicas dos dois blocos são muito distintas. Do lado europeu, o peso do Estado e do sector público é elevado. As empresas estão muito dependentes da intervenção do Estado nos mercados, como agente económico e cliente, como regulador e fiscal permanente. Os cidadãos, por seu turno, preferem a certeza do emprego, a estabilidade e a previsibilidade, às eventuais recompensas que a concorrência e os ajustamentos frequentes lhes possam trazer. Temos a chamada economia social à ultraliberal que se pratica nos EUA. Mais terra a terra, existe um mundo de diferença entre a indústria agroalimentar que se pratica do outro lado do Atlântico, muito à base das mudanças genéticas dos produtos, e a que prevalece na Europa. E há grandes diferenças em muitos outros sectores, como por exemplo o automóvel ou o sector da energia. Existe, além disso, um bom nível de nacionalismo económico, de ambos os lados do oceano. A saga da multa que os EUA têm a intenção de impor ao banco francês BNP Paribas – fala-se numa multa à volta de 10 mil milhões de dólares – veio mostrar, para quem precisava de ter exemplos concretos, o estado de espírito que reina nos EUA em relação às grandes empresas europeias. Mas por cá, acontece o mesmo, embora de modo mais moderado. Ainda recentemente se falava em Paris e em Bruxelas no que seriam as áreas estratégicas, que deveriam ser salvaguardadas do controlo por investidores estrangeiros. A lista era, acima de tudo, um acto de fé patriótica. Tinha pouco e estava longe de ser um registo do que deveria ser verdadeiramente essencial para a sobrevivência e a continuidade de cada país europeu e do espaço comum. Era, aliás, mais nacional, Estado a Estado, que europeia.
Tudo isto mostra que estamos muito longe não só de uma Europa mais integrada como também de um relacionamento económico com os EUA que seja vantajoso para ambos os lados. Deve-se, por isso, abandonar a negociação com os americanos e tentar, primeiro, pôr a casa europeia em ordem? Não creio. Há que continuar ambos os projectos. E ter muita paciência. Ter paciência não quer dizer, no entanto, que não se continue a fazer pressão.
As crises intestinas permitem aos cidadãos perceberem melhor que os nossos principais partidos políticos pouco mais são que ninhos de víboras. Prontas a envenenarem-se entre elas, quando o controlo do poder, no interior do partido, está em jogo. São cobras de pequeno porte, por muito grandes que se achem. Mas aprendi no mato, e tenho andado por muitos matos, que as serpentes de tamanho reduzido são, muitas vezes, as mais venenosas.
O julgamento que o Tribuna Constitucional acaba de anunciar baseia-se numa interpretação de um ou dois princípios doutrinários genéricos. Não se baseia numa norma ou artigo concreto da Constituição. A interpretação de princípios gerais é uma matéria muito delicada, na fronteira da opinião jurídica com a política. Por exemplo, dizer que os cortes atingiram um nível inadmissível é uma questão política. Ao Tribunal cabe dizer se esses cortes respeitam a ordem constitucional e jurídica existente. E dizê-lo de modo fundamentado.
É verdade que uma decisão legal pode ter mais do que uma interpretação. Por isso, e tendo em conta a natureza das matérias em análise, o Tribunal Constitucional é constituído por um colectivo de juízes. O facto de haver juízes que interpretam de uma maneira e outros que fazem uma leitura diferente mostra a complexidade do que está em jogo. No caso concreto, houve quem votasse a favor e com votasse contra. Ambos os lados fizeram o que tinham a fazer. Tenho a certeza que cada um fez o que tinha que fazer, com o elevado grau de profissionalismo que se espera da instituição.
Depois disso, a rua e os partidos farão a leitura que entenderem e que melhor sirva os seus interesses específicos. Mas, a objectividade recomenda que se lembre que há sempre duas faces em cada moeda. E a visão estratégica das coisas que são importantes recomenda que abordem estes temas, mesmo na rua, com uma certa serenidade. Ou seja, a decisão foi tomada por quem a autoridade constitucional para o fazer e depois cumpre-se.