O último dia do ano como que passa depressa. Está tudo já com os olhos postos no novo que se aproxima. A verdade é que, olhando para trás, o ano de 2014 parece ter sido um relâmpago que agora se extingue. Em Portugal, o relâmpago não foi mais do que uma manifestação de um ano de grandes tempestades. Foi o ano que abalou o que restava de confiança na liderança da sociedade portuguesa. Perderam os políticos, com a excepção de António Costa, que vai ter o seu ano teste em 2015. Perderam os banqueiros e os dirigentes das grandes empresas públicas, com destaque para o banco que se revelou um castelo de cartas gerido por uma família de malabaristas, e para a PT, que vale hoje uma pequena parte do que valia há tempos. Perderam os comentadores “oficiais” das televisões, que poucos acreditam ainda na bondade das opiniões que emitem.
Assim, num balanço rápido, pode dizer-se que Portugal termina o ano de 2014 mais pobre. Em várias áreas, mas sobretudo no domínio das lideranças e das ideias inovadoras e generosas.
Dir-me-ão que se faço um balanço negativo. Talvez. Com realismo, acrescentarei. Mas também quero ser optimista. Um dia teremos dias melhores. Até lá, comecemos 2015 sem desânimos. Que o melhor só se consegue quando se acredita na sua possibilidade e se luta por ele. Assim, em 2015, a luta continua, como diria aquele camarada de Moçambique…
Publico, no primeiro número de 2015 da Visão, um número que já se encontra disponível, uma reflexão sobre África, usando a Nigéria como prisma e espelho de análise. Na verdade, o bom e o mau que se vive nesse país e as perspectivas para o ano que agora começa são uma excelente amostra dos problemas e das oportunidades que existem, neste momento, no continente africano.
Eis o meu texto:
África 2015: a Nigéria como espelho
Victor Ângelo
Olhar em frente é um exercício arriscado, sobretudo nestes tempos de grandes incertezas, de sobressaltos inesperados e quando os problemas são muitos e variados. No entanto, se me perguntassem que país africano deveria estar no topo da agenda da comunidade internacional em 2015, responderia sem hesitações: a Nigéria. Haveria certamente outros candidatos, por motivos evidentes, estados do Sahel e da África Central, ou ainda o tripé do Ébola – Guiné-Conacri, Libéria e Serra Leoa –, sem esquecer o Sudão do Sul, a Somália, ou mesmo o Zimbabué do eterno Robert Mugabe. Mas a Nigéria sobressai claramente, em termos das preocupações, dos riscos e do que deverão ser as prioridades para o ano que agora começa.
Para começar, é o país mais populoso de África, com um total estimado de 173 milhões de habitantes. Tem, além disso, uma dinâmica demográfica excecional, que retrata de modo acentuado o que se passa em África. Segundo as Nações Unidas, os nigerianos deverão ser 440 milhões em 2050 e à volta de 913 milhões no final deste século. A Nigéria será assim, após a Índia e a China, a terceira nação mundial, em número de pessoas. Por detrás destes dados, está uma população extremamente jovem, urbana, cheia de vida e, na grande maioria dos casos, sem emprego para além da sobrevivência que as ruas e as atividades informais, tantas vezes fora da lei, permitem.
É neste contexto que opera, em particular no nordeste do país, na secura das fronteiras com o Chade e os Camarões, a organização armada extremista Boko Haram. Em 2015, o combate contra estes terroristas deveria ser a prioridade securitária absoluta. Boko Haram vai procurar, ao longo dos próximos meses, consolidar a sua presença nos territórios que já ocupa. Irá, igualmente, executar toda uma série de atentados em massa, em vários centros urbanos da Nigéria, de modo a destabilizar ainda mais o sistema político vigente e a autoridade do estado. Poderá ainda infiltrar os países vizinhos, aproveitando-se das relações tribais que estão na sua base e que lhe dão força. Boko Haram é, na sua essência, um fenómeno de alienação tribal. Os acentos islâmicos são uma máscara política.
O balanço que se pode fazer de 2014 é claro: o governo federal não possui os instrumentos necessários para lutar contra Boko Haram. Tive, recentemente, uma conversa com um antigo chefe supremo das forças armadas nigerianas. E fiquei ainda mais convencido que a Nigéria tem que aceitar uma coligação militar internacional para enfrentar o enorme perigo que Boko Haram representa, interna e externamente. Convém aqui lembrar que os EUA, segundo o compromisso anunciado pelo Presidente Obama em agosto de 2014, irão gastar anualmente 110 milhões dólares, este ano e nos quatro seguintes, no desenvolvimento e apetrechamento dos militares de seis países africanos: Etiópia, Gana, Ruanda, Senegal, Tanzânia e Uganda. Por razões que não foram divulgadas, a Nigéria, que bem precisa de uma parceria internacional, não faz parte da lista. Fica, por isso, um vazio que, no interesse de todos, deveria ser preenchido pela UE ou pela OTAN.
Outro fator de instabilidade tem que ver com as eleições presidenciais, legislativas e regionais de fevereiro. Estamos a dois passos da ida às urnas, mas a preparação dos diferentes atos eleitorais está a ser obviamente insuficiente e enviesada. Assim se acrescentam achas a uma fogueira previsível. Para além do défice de seriedade da comissão eleitoral, as profundas e evidentes tensões entre o norte e o sul do país, a violência com base na pertença identitária e nas milícias a soldo de certos candidatos, a insegurança existente em vários estados da federação nigeriana, tudo isto pode transformar as eleições de 2015 numa tempestade por demais anunciada. Oxalá me enganasse. A verdade é que as novas autoridades, os vencedores da confusão que poderão ser as eleições, irão precisar de um nível inédito de credibilidade e legitimidade políticas. Não se trata apenas da resposta aos desafios de segurança. Com o preço do barril de petróleo a desvalorizar – a principal fonte de receita das finanças públicas –, o governo terá que tomar medidas de austeridade de grande alcance, com enormes custos ao nível do apoio popular.
Em grande medida, a Nigéria reflete muito do que se passa em África. É um país rico, com um produto nacional bruto comparável ao da África do Sul, e, ao mesmo tempo, de grande pobreza, semelhante a outros, no Sahel e mais além. A sociedade é profundamente desigual, em termos de riqueza, de educação, de modernidade e de dinamismo. Tem gente que estudou nas melhores universidades do mundo, e são muitos, que nesse país tudo se mede em grandes números, como também tem cidadãos que não sabem soletrar uma palavra. É uma terra de ambição e de promessas imensuráveis, para alguns, um labirinto de desespero, para quase todos os outros. Se substituirmos o nome do país pelo do continente, não andaremos muito longe da realidade que se vive entre o Deserto do Sahara e o Cabo da Boa Esperança.
Para nós, no nosso canto do mundo, nesta Europa onde se teima em não pensar em termos geoestratégicos e onde tantos crêem que estamos ainda nos anos oitenta do século passado, o aprofundamento de uma parceria honesta com a Nigéria e com outros em África é fundamental para fazer de 2015 um ano de viragem. Uma viragem que se impõe, aliás, como vital. O futuro de ambos os continentes tem muito em comum.
A Grécia vai a eleições gerais dentro de umas semanas, porque o parlamento não conseguiu eleger o novo presidente da República.
O centro da Europa e os mercados receberam a notícia com serenidade, talvez mesmo com uma certa dose de indiferença. A Grécia é hoje vista como um caso nas margens da política europeia, sem peso político nem económico. O risco de um impasse governativo é tido, por isso, como uma questão grega e não como um problema europeu.
A possível vitória de Syriza, a coligação de extrema-esquerda que se apresenta aos eleitores como sendo contra a austeridade, deixou de fazer medo. Por várias razões. Primeiro, porque Syriza não deverá ter o número de votos suficientes para constituir governo. Segundo, porque permitiria mostrar que o núcleo duro da UE não faz concessões a partidos que saiam fora do quadro institucional estabelecido. Ou seja, Syriza seria utilizada para mandar uma mensagem forte a outros, como o movimento Podemos em Espanha. Terceiro, porque seria uma oportunidade para clarificar as relações com a Grécia e o lugar desse país no quadro europeu.
A posição que prevalece é clara: aos gregos o que é dos gregos. Se querem ir a eleições, pois bem, que o façam. Se pretendem criar uma situação de ingovernabilidade, que assim seja. Se desejam suspender o programa com a tróica, que mais se pode fazer senão aceitar?
Este é o espírito que prevalece actualmente nos círculos de poder na Europa. Parece-me importante tê-lo em conta.
Estes são dias de balanços, antes de se começar a olhar para o Ano Novo. Há balanços para todos os gostos. O problema é que, na vida como nas empresas, nem sempre se consegue ou quer olhar a verdade nos olhos. E assim, fazem-se contas, deitam-se culpas e inventam-se desculpas que procuram pôr a responsabilidade nos ombros de outros ou na má sorte. É assim a natureza humana. Sobretudo quando as coisas não correm de feição. Olha-se à volta mais do que para dentro. Na política, é o mesmo.
Felizmente, dentro de dias, estaremos às portas do Ano Novo. Nessa altura, voltam os sonhos, as promessas e a esperança. Tudo será melhor. Ainda bem que Janeiro começa assim, ano após ano.
Volto às reflexões de Natal, para dizer que é um erro tentar aproveitar o dia ou o momento para fazer propaganda política. O erro torna-se ainda maior quando a propaganda é claramente exagerada, marcadamente enviesada e descaradamente eleitoralista. Ninguém vê com bons olhos esse tipo de “esperteza”. O Natal é um período especial, com profundas raízes emotivas e sensibilidades profundamente espirituais. Os discursos, declarações ou mensagens de Natal devem ser inspirados por valores nobres e mais ou menos universais. Devem reconhecer a coragem dos que a tiveram, a bondade dos que a manifestaram e a solidariedade activa com quem dela precisa.
Seria bom que os fulanos que aconselham certos políticos dos nossos tivessem isso em conta. Que estudassem o que outros dirigentes dizem, nos países da velha Europa. E que procurassem evitar que os seus patrões partidários cometessem as asneiras de que fomos uma vez mais testemunhas. Só que esses miúdos das cortes que giram à volta do poder sabem tanto e têm tanta experiência como um bichinho que acaba de sair da toca.
O Natal transformou-se, na nossa parte do mundo, numa data muito especial. É uma festa abrangente, que ultrapassa as linhas de separação religiosas ou filosóficas. Trata-se da celebração da família e da renovação da esperança. Apesar de algum aproveitamento político, o Natal tem conseguido manter a distância que deve existir entre as coisas da política e a consolidação dos laços familiares e de amizade. Dirão que não conseguiu, no entanto, evitar o uso comercial da data. Na realidade, esta é uma altura do ano em que o consumo dispara. Mas a vida é assim: ter coisas, dar e receber prendas, tudo isso está associado à alegria e aos dias festivos, faz parte da condição humana. Seria injusto ser demasiado severo em relação ao consumismo natalício. Lembro-me de quando era criança, das prendas modestas que recebia e da euforia ao ver os pequenos nadas no sapatinho de Natal. E fico convencido que vale a pena ser de novo como uma criança feliz, pelo menos um dia por ano.
Um banco – ING, parece-me importante dizer qual é o banco, sem que isso seja entendido como qualquer tipo de publicidade disfarçada – interrogou estes dias os seus clientes, na Bélgica, sobre a crise económica. A sondagem pode não ser perfeita, do ponto de vista técnico. Mas é claramente indicativa da opinião dominante num país da UE que tem um nível de vida acima da média. Assim, 82% dos respondentes disseram pensar que a crise ainda vai durar dois anos, no mínimo. Isto revela que quase todos pensam que até agora não há luz ao fundo do túnel. Manifestam, por isso, uma preocupação de longo termo, para uma situação que já dura há mais ou menos seis anos. Apenas 12% acredita que a crise estará ultrapassada dentro de dois anos. E, mais interessante, só 4% dos inquiridos vê a crise como já estando resolvida, neste momento em que vivemos.
Estes números deveriam guiar o discurso político. Quer ao nível nacional quer ao nível europeu. Penso, no entanto, que as mensagens vindas dos dirigentes partidários e das instituições estão muito longe de responder à inquietação de mais 80 e tal por cento dos cidadãos. Os discursos vão num sentido e o desassossego dos eleitores vai noutro.
Esta foi uma segunda-feira a meio vapor. As instituições europeias estão em serviço mínimo, os deputados regressaram aos seus países de origem, assim como todos os que à sua volta trabalham, os agentes dos lobbies – pelo menos 15 000 aqui em Bruxelas – arrumaram os cartões de crédito que servem para pagar os chamados “almoços de trabalho”, enfim, até a guerra parece ter fechado, numas tréguas natalícias que ninguém declarou. Do lado dos mercados, as transacções ficaram-se pela casa dos 45% do que é habitual, num dia que não seja perto do Natal.
A cerca de um mês do encontro anual de Davos, dizem-me que as três grandes questões que a Europa terá que enfrentar em 2015 são: 1) a retoma do crescimento económico, com base nomeadamente na inovação; 2) o desemprego dos jovens; 3) as relações entre a União Europeia e a Rússia.
Ou seja, nesta perspectiva, 2015 não parece nada fácil.
As 81 – sim, leram bem, 81 – perguntas que o semanário Expresso pretende submeter à consideração de José Sócrates são um absurdo jornalístico. Como se pode compreender que um jornal queira fazer dezenas e dezenas, quase uma centena, de perguntas a um só entrevistado? Irão publicar um livro, com as respostas? Um calhamaço? Na vastidão dessas perguntas há de tudo. Do importante ao trivial, assuntos ligados às acusações misturados com outros que têm apenas que ver com questões processuais. Sem contar que várias perguntas contêm mais do que uma questão e estão formuladas de uma forma enviesada.
A entrevista que o Expresso quer fazer revela que o semanário anda à deriva. Falta-lhe profissionalismo, foco, pertinência. Acima de tudo, bom senso. Mostram também que é um jornal à procura do protagonismo perdido.
Infelizmente, o projecto de entrevista vem apenas confirmar a tendência e apetência para a mediocridade profissional, um mal que invadiu as colunas editoriais e de opinião desse periódico. Veja-se quem escreve regularmente no Expresso, veja-se os nomes que foram recentemente acrescentados à lista dos colunistas habituais e entende-se a falta de qualidade, de direcção, de seriedade e de profundidade.