Reflexões à volta de um corte de cabelo
Cortei o cabelo esta manhã. Nos últimos anos, havia utilizado os serviços de um velho – tem a minha idade – barbeiro italiano. Um homem que já teve sucesso mas que se deixou ultrapassar pela vida e pela concorrência. Para começar, pelo preço que pede: €16, quando todos à sua volta pedem menos. Depois, porque só aceita cortes com marcação. Várias vezes fui lá, estava sem ninguém, como agora sempre está, e disse-me que não, que era preciso marcar primeiro. E mais, por não ter percebido que o bairro mudara. Os clientes tradicionais foram desaparecendo da vizinhança, uns com destino ao cemitério, outros por terem mudado de zona de residência. Ficaram os emigrantes de vários tipos, mas acima de tudo os chamados “árabes”, uma designação imprecisa que abarca tudo o que vem do Norte de África e de outros sítios muçulmanos. Gente que corta a guedelha nas lojas dos compatriotas, por €7 e sempre cheias de clientes.
Este é apenas um pequeno exemplo da dinâmica de uma cidade em mutação. Quem não se adapta fica às moscas.
O meu barbeiro de hoje – e já é a terceira vez que lá vou – é um jovem kosovar. Abriu as portas há pouco tempo. Tudo muito moderno, com música de fundo e um serviço cuidado. Oferece um serviço mais refinado que “os árabes”, por um preço ligeiramente superior: €10. Percebeu que há aqui uma secção do mercado que acha que que o meu italiano está fora de moda e caro mas que também não quer ir fazer bicha na barbearia dos €7.
Nos negócios, mesmo nestes do cabelo, é preciso ter a cabeça no lugar e a mente atenta ao que se vai passando à nossa volta. Não serve de nada chorar por tempos que já não voltam nem tentar competir com que tem um mercado cativo, por razões de etnicidade.