Quando comparo os valores das pensões mais elevadas atribuídas em Portugal com o que se paga noutros países europeus bem mais ricos, só posso concluir que as elites dirigentes portugueses têm sabido cuidar muito bem dos seus interesses. Escandalosamente bem, diga-se sem medo.
As pensões das nossas elites estão bem acima da média europeia. Um exemplo apenas, mas ilustrativo: Lieve M., doutorada em medicina, foi investigadora-chefe em biotecnologia na Universidade de Lovaina durante muitos anos. Reformou-se o ano passado. Valor líquido mensal da sua pensão: à volta de 1500 euros líquidos. O seu marido, antigo quadro de direcção do Banco Fortis, reformou-se com uma pensão mais ou menos equivalente.
Em Portugal, esses valores teriam sido multiplicados por dois ou três, pelo menos.
O resto é demagogia e falta de realismo. Ou propaganda política, como diria o líder de um partido que eu cá sei…
Conheci o Carlos Costa quando ele era chefe de gabinete do Comissário Deus Pinheiro, em Bruxelas. Já na altura considerei que era uma pessoa com uma excelente cabeça e boa preparação profissional, um português brilhante e capaz de entender a Europa e as contradições da política.
Depois disso, estive uma ou duas vezes com ele, em momentos oficiais, em que ambos tínhamos que apresentar as nossas ideias e pô-las à discussão com plateias bem informadas e exigentes. Sempre o fez com a seriedade e a calma necessárias.
Recentemente, a maneira como geriu a crise no ninho de ratos em BES se havia transformado nem sempre foi entendida por todos. Gerou, é verdade, um certo nível de controvérsia.
Tratava-se, no entanto, de um dossier extremamente complexo, que mexia com um banco pilar da economia nacional e com um homem – Ricardo Salgado – e um grupo de indivíduos a quem muitos políticos, da direita à esquerda, deviam favores e subserviência. Gente poderosa, que muitos, nas esferas da política e da comunicação social, consideravam intocáveis, mas que na realidade acabaram por mostrar a sua verdadeira face de trapaceiros malabaristas dos dinheiros dos outros.
Neste contexto, agir contra Salgado e os seus exigia uma coragem política excepcional. Carlos Costa demorou algum tempo, mas finalmente conseguiu adquiri-la. As decisões que então tomou foram as melhores possíveis, num enredo que tinha muitos interesses em jogo.
Agora, a sua recondução como Governador do Banco de Portugal está a causar ondas. É a política. Embora tenha sido má política da parte de Passos Coelho não ter consultado e discutido a recondução com o outro Costa, o António.
Mas a decisão de prolongar Carlos Costa à frente do Banco de Portugal tem os seus méritos. Como o Governador também os tem, aliás.
Sepp Blatter foi eleito para um quinto mandato como presidente da FIFA. Vi o seu discurso de vitória, como já havia visto, mais cedo esta tarde, o de fecho da campanha de candidatura. E observei o homem.
Não fiquei convencido nem pelos seus dotes de orador nem pela figura que projecta. Na verdade, o discurso é superficial e pouco criativo. E a imagem é a de um homem de pequena estatura, fisicamente modesto e fragilizado pela idade. Não me pareceu ter qualquer tipo de carisma.
Mas dá perfeitamente para entender que é um velho rato de corredores, perito em manobras politiqueiras e capaz de tirar vantagem da posição que ocupa para consolidar o seu poder. O poder – e as mordomias a ele associadas – é a chama que o anima e faz mexer. Digo isto, sem no entanto esquecer que o poder também significa, neste caso, um salário estimado em cerca de 800 mil euros por mês, inteiramente isento de impostos.
Não sei se está ou não implicado em actividades criminosas. É claro, porém, e a votação mostrou-o, que tem sabido utilizar os imensos recursos financeiros da FIFA para comprar votos, em muitas e várias partes do mundo.
A frequência das minhas viagens – combinada com a idade, claro – tem um impacto sobre a regularidade e a inspiração da minha escrita. Mas também é verdade que as viagens são uma fonte de inspiração. Têm o condão, além disso, de nos permitir ter uma visão mais objectiva da nossa realidade nacional.
Ontem depois do jantar servi de guia a quem estava comigo em Stavanger, pessoa pública vinda de Portugal, alguém muito conhecido no nosso país. Demos uma volta a pé por um dos bairros residenciais dessa cidade norueguesa. O meu acompanhante teve a oportunidade de ver a maneira absolutamente impecável de manter as casas, os jardins privados, as ruas, os veículos e os parques municipais. E de notar que ali ninguém buzina, ninguém conduz à maluca e que os jovens não fazem escabeche nos lugares públicos.
Não sei se, depois disso, essa personalidade irá cortar a erva do seu jardim, quando voltar a Portugal. Falou-me várias vezes no descuido em que o jardim se encontra. Disse-o, no entanto, com um certo grau de fatalismo, como se a sina dos portugueses fosse a de viver numa bandalheira colectiva e num desleixo individual.
Fernando Nobre, o fundador da Assistência Médica Internacional (AMI), é indiscutivelmente um português que conta, em matéria de trabalho humanitário internacional. Tem uma longa experiência, em várias partes do mundo. Quando se pensa nele, deve ter-se em conta essa vivência e não a aventura política em que se meteu há já quase cinco anos. Assim se fará justiça ao papel que desempenha há décadas.
A acção humanitária e a política portuguesa são duas áreas bem distantes uma da outra. Qualquer tentativa de as misturar só pode levar a um grande fiasco.
Tive, esta tarde e vou ter, nos próximos dois dias, a oportunidade de estar com ele numa reunião em Stavanger, na costa ocidental da Noruega. Entretanto fiquei contente por ver que a sua organização tem uma imagem positiva. E gostei de o ver, no final do dia, a jogar aos matraquilhos com uma das técnicas da parte militar da conferência em que estamos empenhados.
Nesta mesma reunião temos mais dois jovens portugueses, filhos da emigração e hoje funcionários de organizações humanitárias da ONU. Um, é franco-português e trabalha com a ONU-OCHA (Office for the Coordination of Humanitarian Affairs), em Genebra. A outra é luso-canadense, está ao serviço do Programa Mundial de Alimentação das Nações Unidas, em Roma. Em breve, estará baseada na cidade do Cairo. Ocupar-se-á então do Norte de África, do Médio Oriente e da Ucrânia. Ou seja, será mais uma portuguesa com uma posição de relevo na resposta às crises humanitárias nessas regiões, que são particularmente problemáticas.
Entendo que falar de um Estado forte é um erro. Por várias razões.
Primeiro, são as ditaduras que gostam de imaginar e promover a bandeira da força do Estado. Enquanto cidadão, fico, como muitos, preocupado quando oiço falar de uma noção que faz pensar numa máquina omnipresente, totalitária, miudinha e controladora. Salazar, entre outros, gostava de falar de um Estado forte.
Em segundo lugar, a ideia traz consigo uma maneira de ver que dá a primazia aos políticos profissionais, que controlam o aparelho do poder público. Nessa perspectiva, são eles que irão salvar a nação e tomar a iniciativa de pôr a economia a funcionar. Prefiro acreditar na vitalidade da sociedade civil, no poder de criação e na imaginação de cada cidadão, na dinâmica de quem faz pela vida, lutando contra ventos e marés e contra todas as burocracias que os políticos inventam de modo ininterrupto.
Depois, terceiro ponto, penso que o Estado se deve concentrar apenas no desempenho das funções de soberania: defesa nacional, segurança interna, justiça, coesão social, educação e igualdade de oportunidades, saúde pública, regulação ambiental e económica, representatividade externa e promoção da língua e da identidade da nação. Todas as outras funções devem ser transferidas para as autarquias, para as associações de cidadãos bem como ser da responsabilidade da actividade privada.
É no exercício da soberania, aí sim, que o Estado deve ser competente. Competente, eficiente, eficaz, essas são as palavras que definem – e bem – a ambição do Estado que deveremos querer.
O resto, incluindo a conversa sobre o Estado forte, é palrar de político burocrata, que procura esconder a sua falta de visão por detrás de uma resma de ideias antigas e de carimbos de repartição pública. E que pensa que andamos todos à espera que a manjedoura do Estado abra as suas portas.
Curiosamente, numa altura em que a UE é governada ao centro, com uma ligeira tendência centro-direita – mas capaz de combinar, embora nem sempre com a clareza que deveria, o liberal e o social – a política portuguesa parece querer apostar na contracorrente. Ou seja, dir-se-ia pronta a empenhar-se numa viragem na direção de uma esquerda estatizante, economicamente conservadora, protecionista e pequeno-burguesa.
Que fique no entanto claro que não há problema algum numa opção de esquerda, mesmo nesta Europa centrista. Mas que seja uma esquerda arejada e moderna, capaz de fazer funcionar a educação, tendo em conta os desafios da cidadania, da economia digital e da sociedade do conhecimento. Capaz também de fazer funcionar o serviço nacional de saúde, e não apenas uma parte desse xadrez, deixando o resto a fingir que existe. Capaz igualmente de reabilitar as instituições que se ocupam das questões fundamentais de soberania, a começar pela defesa nacional e a segurança interna, a justiça, a representação externa e a língua. E acima de tudo, uma esquerda capaz de promover uma economia que atraia os melhores investimentos privados possíveis, que crie emprego moderno e que seja ágil na resposta à concorrência e aos desafios da rápida modernização dos meios de produção, dos mecanismos de mercado e dos novos tipos de consumo.
Essa é a resposta que deve ser construída.
O resto é saudosismo do passado e poesia sem arte, com palavras ocas e declarações sem significado, a não ser o de embasbacar os bacocos.
"Converso" hoje na Visão com um sábio chinês. E partilho esse texto de seguida, após esta breve introdução. Boa leitura.
À conversa com um sábio da China
Victor Ângelo
Há umas semanas atrás, depois de visitar o pagode de Pindaya, no centro da Birmânia, meti-me à fala com um velho professor chinês. O pagode, construído numa gruta natural, dá guarida a mais de 8 000 estatuetas de Buda. Para além da atração turística, este templo é um lugar de peregrinação muito venerado. Eu, simples mortal vindo de uma cultura estranha, estava lá por mera razão de curiosidade. O meu interlocutor, catedrático da universidade de Chengdu, na China profunda, viera como estudioso do budismo.
Logo no início da conversa, aprendi a primeira lição. Para ele, eu era um europeu, e ponto final. Quando me apresentei como português, ficou a olhar para mim, como se estivesse à procura do sentido da minha maneira de me identificar. O silêncio, que me pareceu interminável, foi finalmente quebrado quando retorquiu que sim, claro, europeu. Essa era, no seu entender, a identidade que contava, que tinha algum relevo no seu país de origem. Português, alemão ou sueco, eram aos seus olhos particularismos que só teriam significado no seio da Europa. A China olha para nós, explicou-me, como um todo. E acrescentou que quando se pergunta a um cidadão norte-americano a sua nacionalidade, a resposta não é, sou do Arkansas ou do Mississípi. Tentei então explicar-lhe que, no nosso canto do mundo, ainda não conseguimos construir uma visão identitária que ultrapasse as fronteiras nacionais. Antes pelo contrário, a tendência vai, de novo, no sentido de erigir trincheiras entre as diferentes nações da Europa. Barreiras mentais e políticas, que são as que mais profundamente afetam os nossos comportamentos e maneiras de ver.
Para tentar salvar o bom nome da família europeia, lembrei que o produto interno bruto da UE é cerca de 1,8 vezes maior que o da China e que o nosso rendimento per capita equivale a cinco vezes o do seu país. Respondeu-me com uma segunda lição: o futuro deve ser pensado de outra maneira. A prosperidade e o bem-estar dos povos não podem ser medidos apenas em termos de consumo e de riqueza individual. Os padrões de vida europeus são insustentáveis a prazo. Com 1 355 milhões de habitantes, que aconteceria às metrópoles, ao meio ambiente e aos recursos naturais, se a ambição política chinesa fosse a de atingir para a sua população os níveis de consumo que se tornaram um hábito entre nós?
E, nessa altura, surgiu a terceira lição: a política, seja ela internacional ou doméstica, raramente é simples ou linear. A ambiguidade e as contradições são frequentes. A política faz-se muito na base de linhas sinuosas. Assim, o meu interlocutor acabou por reconhecer que o frenesim consumista europeu tem afinal um efeito positivo no desenvolvimento da China. A balança comercial entre os dois lados é francamente favorável aos chineses: nos anos recentes, exportámos à volta de 180 mil milhões de euros para a China e importámos 290 mil milhões. Mais. A China quer aproveitar as comemorações dos quarenta anos de relacionamento com a UE, que agora estão a ser festejados, para aprofundar ainda mais o comércio entre ambas as partes. Ou seja, quer exportar e investir mais na Europa.
Ora, nisto de relações entre os estados, tem que haver reciprocidade e normas aceites por ambos os lados. Por exemplo, os obstáculos aos investimentos europeus, por parte da China, têm que cessar. Foi essa a pequena nota que acabei por deixar na mente do professor. Um remate modesto, mas justo e, por isso, de peso, como diria Buda.
Já cheira a clima eleitoral nas terras lusas. Quando isso acontece entra-se na estação das promessas absurdas e do patriotismo barato. O papel dos políticos passa a ser o seguir cegamente as loucuras da opinião pública mais excitada.
As boas almas que escrevem em vários jornais andam indignadas e estão a ferver. Teria pena, se isto não fosse o indício muito sério de uma intelectualidade oportunista e superficial, nas opiniões que emite. Assim, em vez de pena, fico muito preocupado. Ou melhor, as minhas preocupações sobre o valor das nossas elites continuam a ser bem profundas. E por isso penso frequentemente que assim não vamos lá nem a parte alguma que faça sentido e nos tire do buraco.