Magazine Europa
Os meus comentários no programa de hoje da Rádio TDM de Macau podem ser ouvidos aqui:
http://portugues.tdm.com.mo/radio/play_audio.php?ref=6592
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Sejamos claros. Um partido que inscreve na sua lista de exigências negociais uma série de medidas programáticas absolutamente incomportáveis, do ponto de vista da capacidade da economia portuguesa de hoje, ou seja, um menu de medidas incompatíveis com a boa gestão do orçamento do Estado, só pode ser uma de duas: ou demagogo ou irresponsável. De esquerda, certamente não será, que a esquerda quere-se com os pés bem assentes na realidade.
Há uns sete ou oito anos atrás, foi produzido um filme de animação com o título de “Elefante Azul”. A narrativa era simpática: um jovem elefante, bem azul e com olhos grandes, que ia dando os primeiros passos na vida e com eles, encontrava os primeiros desafios ligados à amizade, ao amor e ao dia-a-dia de quem anda pela floresta de todos nós. Foi um filme cativante, embora todos percebessem que não existem elefantes azuis e que o paraíso terrestre é um pouco mais complicado.
Lembrei-me do “Elefante Azul” e da fantasia a ele associada, ao pensar na atmosfera em que muitos dos nossos comentadores políticos resolveram agora passar a viver. Assim a política torna-se mais simples. E mesmo não sendo, no nosso caso, muito “azul”, dá, no entanto para muitas historietas e muita palavra. Seria, como a visão que temos, um “elefante a preto e branco”.
A imigração, realidades e ilusões
Victor Ângelo
O meu amigo Kanteh, que sobrevive das artes e ofícios mais diversos, tem uma obsessão: emigrar para a Europa. Vive na periferia da confusão que é hoje Dakar. Conheci-o há vinte e cinco anos, quando ainda havia emprego, esperança e um mínimo de disciplina institucional no Senegal, na Gâmbia e nos países vizinhos. O tempo passou. Trouxe a desertificação, o abandono das zonas rurais, a explosão demográfica, o caos e transferiu a miséria e o desespero para as grandes cidades. Para Kanteh e sobretudo para os mais jovens, a única ambição que conta é sair dali para fora. Por isso, telefona-me de tempos a tempos, desesperado, sempre a pedir que o ajude a emigrar para a Europa.
Voltei a falar com ele há dias. Está mais convencido do que nunca que desta é que vai ser. As notícias dizem que as portas se abriram. Expliquei-lhe, mais uma vez, que na nossa parte do mundo também há pobreza e muitas dificuldades. Não acredita. Para ele e para os que têm como horizonte a poeira do Sahel, a violência das megacidades africanas, a sistemática falta de respeito pelos direitos fundamentais das pessoas, a desumanidade dos campos de deslocados e de refugiados, a Europa é vista como o El Dorado. E, pela primeira vez, como um paraíso acessível, se a deslocação se fizer em grandes números.
Na verdade, as barreiras exteriores da UE têm agora várias brechas. E há outras que se abrem, como um dique que já não consegue conter a pressão das águas. A mais recente é a que passa pelo Ártico russo – obrigado, Vladimir! –, com entrada no espaço Schengen pelo extremo norte da Noruega. Temos, deste modo, um princípio essencial da soberania em derrocada, a proteção das fronteiras. Isto deixa muita gente importante com sérias dores de cabeça. Tenta-se, então, aplicar os remédios tradicionais. O problema é que um fenómeno novo, com muitos Kantehs a preparar as mochilas, requer um quadro de análise original e respostas viradas para a frente. É um erro tentar recriar o passado quando o futuro nos entra de rompante pela casa adentro.
Assim acontece ao nível do Conselho Europeu. Decidiu investir num pacote de medidas que deveriam permitir a repatriação à força de todos os que não forem reconhecidos como refugiados. A mensagem vinda de Bruxelas é clara: acelerem-se os procedimentos de expulsão. E também é óbvio o que está por detrás dessa diretriz. Primeiro, recuperar a unidade e a confiança entre os estados membros. Esta é, aliás, a preocupação central. Donald Tusk sabe que as divisões podem pôr em causa Schengen e comprometer muito seriamente a cooperação europeia. Para isso, é preciso mostrar determinação na defesa das fronteiras exteriores. Em segundo lugar, pensa-se que a deportação dos indivíduos considerados ilegais terá um efeito de desencorajamento, incluindo junto do meu amigo senegalês. Terceiro, o centrão europeu, ao mostrar determinação, procura tirar o tapete aos ultrarradicais da direita xenófoba, que estão a ganhar terreno à custa dos sentimentos anti-imigração.
Tudo isto é muito bem pensado mas pouco eficaz. A deportação em massa é um mito. Irrealizável, diz-nos a experiência. Existem já vários milhões de pessoas que vivem no espaço europeu sem autorização legal. Nem esses nem os que agora chegam irão ser expulsos, exceto num ou noutro caso, sem expressão significativa. A imigração veio para ficar. Há que enfrentar este desafio com clarividência, coragem e pela positiva.
(Texto que hoje publico na revista Visão)
Os meus leitores habituais sabem que andei por muitos sítios e que tive que lidar com muitos e variados políticos. E também já perceberam que não tenho a classe política portuguesa numa consideração muito alta. Não o nego.
A verdade é, porém, que não se podem pôr todos os políticos de Portugal no mesmo saco. Há que ter um mínimo de realismo e aceitar as coisas como elas são. Como também há que reconhecer que existem diferenças relativamente claras entre os genes de cada agremiação política.
Um partido que tenha nascido da contestação voltará sempre, mais tarde ou mais cedo, à sua marca identitária. Está-lhe na alma, faz parte da marca da casa. Um outro, que seja fruto do pensamento único, da crença em vanguardas que anunciam amanhãs que cantam, que tenha sido inspirado por regimes totalitários, acabará sempre, mais tarde ou mais cedo, por mostrar a verdadeira natureza das suas práticas. Outro, que tenha feito do PS o seu alvo principal, ao longo de décadas de escárnio e maldizer, deixará isso de parte por uns tempos, para depois voltar ao ataque, quando as circunstâncias se tornarem particularmente difíceis.
Por isso, lembrei-me hoje daquela historieta do lacrau que vai às costas da rã, para atravessar o rio. Uma fábula que todos conhecem.
A certa altura, a natureza do bicho é mais forte que a sua própria sobrevivência.
Pena. Era um lacrau simpático.
Depois de duas longas ausências, duas viagens por países imaginários, que é assim que se discutem as questões estratégicas de defesa, eis-me de regresso a Lisboa, por uns dias. Depois, será a migração do Outono, a caminho do centro da Europa.
Encontrei um país à espera. E uma situação curiosa. O político que a maioria dos portugueses achou que não tinha perfil para primeiro-ministro encontra-se agora no centro das iniciativas. É uma jogada inteligente. Na nossa ordem constitucional, o que conta é reunir uma maioria de deputados na Assembleia da República. E na realidade da nossa precariedade económica e social, o que interessa é a estabilidade governativa. As diferenças programáticas, quando ninguém tem a maioria, terão tendência para se esbaterem. É tempo de compromissos. Para todos os lados, enquanto se procura uma solução.
Noutros horizontes, teríamos aquilo que muitos apelidam de uma “grande coligação”. Por aqui, os enredos são outros. Veremos. Com serenidade, que o mundo não acaba hoje ao fim do dia.
António Costa demonstrou ter uma capacidade rara para conseguir o que parece impossível em política. Veja-se. Qualquer observador imparcial diria que seria impossível ver o PS perder as eleições. António Costa conseguiu perdê-las. Agora, dir-se-ia que uma aliança de governo com o PCP seria pura e simplesmente impensável. Seria uma união da pequena burguesia que o PS representa com os órfãos de uma época que já não conta para o futuro.
Ora, António Costa acaba de passar uns bons momentos com os dirigentes do PCP e, no final, disse que talvez seja possível chegar a um acordo. O homem acredita, de facto, no impossível e tem jeito para perder tempo e procurar moinhos de vento. Ou então, anda lançado numa fuga para a frente, que a realidade que o rodeia é bem dolorosa.
Só que, nos tempos que correm, até o absurdo se torna possível. Não convém, por isso, nesta fase, dizer que dessa água não beberei.
Os Portugueses foram a votos. Uns escolheram de um lado, outros do outro e mais alguns, assim-assim. Houve mesmo um bom número que decidiu não se aproximar das urnas.
Tudo isto são escolhas. Em democracia, há que respeitar as preferências de cada cidadão. É deste modo que se chega a uma sociedade responsável e sazonada. Dizer que uns são burros e outros são clarividentes só mostra que ainda estamos longe de uma convivência tolerante. Os cidadãos são todos iguais, no dia do voto. E cada um decide como melhor lhe parece. E ganham todos, neste caso.
Isto independentemente das opções políticas que o leitor ou eu possamos ter. E também do julgamento que façamos sobre cada um dos programas partidários. Respeitar os outros não quer dizer que se está de acordo com cada um dos partidos. Mas a luta política não deve impedir que respeitemos cada um dos nossos concidadãos, com excepção, claro, daqueles que abusam da democracia e do poder e que violam as leis.
Votar por convicção ou votar útil, para derrotar A ou B? Esta é uma das interrogações que se colocam a quem se dá ao trabalho de se deslocar às assembleias de voto. E não há resposta certa. Cada um deve fazer como melhor entender. Assim deve funcionar o jogo democrático.
Mas o grande problema, este domingo, terá que ver com a abstenção. Creio que vamos assistir a valores históricos. E isso, sim, está fora do que se espera em democracia.
Só que ninguém é obrigado a votar. E que muitos pensam que as escolhas que estão nos boletins de voto são, na verdade, más opções. Quem poderia ser eleito não sobressai. E quem sobressai, terá piada, terá simpatia, mas não tem programa que possa ser implementado nas circunstâncias europeias do nosso país. É que a votação não se pode alhear nem das nossas circunstâncias internas nem das externas. São um todo. É preciso equilíbrio. E falar do futuro de uma maneira que faça sentido.
Quando isso não acontece, uma boa parte de nós fica em casa.
Vladimir no pântano sírio
Victor Ângelo
Vladimir Putine faz-me pensar num submarino. Anda uns tempos sem ser visto e depois aparece onde menos se espera. Emergiu agora na Síria. E conseguiu voltar aos títulos da imprensa global e às inquietações dos líderes ocidentais.
Ao reforçar de modo visível a sua presença militar na Síria, com o destacamento de importantes meios de combate aéreo para Lataquia, uma cidade costeira situada a pouco mais de oitenta quilómetros a norte de Tartus, onde se encontra a única base naval russa no Mediterrâneo, Putine deixou muita gente boquiaberta. E ganhou uma posição incontornável, numa questão que é fundamental para os interesses da região, da Europa e dos EUA. Foi um golpe de mestre, uma vez mais. Em política, pesa quem toma a iniciativa e surpreende.
É igualmente um ás em matéria de dissimulação. Finge uma intenção, quando o objetivo a atingir é, na verdade, outro. Estamos, assim, perante uma espécie de engodo, quando nos diz que a razão do reforço militar está na guerra contra o “Estado Islâmico”. Não é que Putine não reconheça a perigosidade desse grupo terrorista. Aceita mesmo que vários dos quadros do EI são gente vinda do Cáucaso russo, da Chechénia em particular, bem como de antigas repúblicas soviéticas da Ásia Central. E que, se um dia voltarem à Rússia, ou à vizinhança, serão certamente um perigo para a segurança interna. Se forem eliminados antes, melhor será.
Mas os verdadeiros motivos são outros. De um modo mais geral, o intento é mostrar que o envolvimento de Moscovo é essencial para a resolução das crises políticas internacionais. Putine acredita que parte do seu papel histórico assenta no renascimento internacional do seu país como grande potência, a par dos EUA. A isso junta-se o objetivo de manter as bases de Tartus e de Lataquia sob o controlo das suas forças armadas. Putine sabe jogar com muitos e variados instrumentos de poder, incluindo os mais ambíguos, mas tem uma maneira de ver tradicional, no que respeita à máquina militar. Acredita em números, feitos de muitos batalhões, em meios modernos e no valor da presença armada, incluindo vastas bases logísticas e operacionais em zonas de relevância geoestratégica, como é o caso do Médio Oriente.
Para conservar as bases, Putine crê que a melhor aposta é aguentar Bachar al-Assad no poder. E sabe que há urgência. A partir de julho a debilidade do regime de Damasco tornou-se ainda mais evidente para o Kremlin. A resposta foi clara: um engajamento acelerado no apoio a Assad. Primeiro, com meios bélicos. Depois e agora, com uma retórica política que procura legitimar a continuação de Assad a todo o custo. Mesmo que seja à frente de uma “pequena Síria”, ou seja, de um território reduzido a Damasco, mais as zonas vizinhas do Líbano e as regiões costeiras, que incluem as cidades que contam para os russos. O discurso que Putine proferiu esta semana na Assembleia Geral da ONU deve ser lido sob este prisma.
Apesar das divergências profundas, há que manter as pontes com Putine. A procura da paz na Síria assim o exige. E a luta contra o EI também. Pode mesmo aceitar-se que Assad faça parte da transição, embora pareça inimaginável vê-lo incluído numa qualquer solução duradoura. O futuro precisa de mãos limpas. Sem diálogo, teremos mais violência e um conflito sem fim. Enquanto se investe no diálogo será necessário intensificar a campanha contra o EI. Aí, a contribuição russa só pode ser bem-vinda.
(Texto que hoje publico na revista Visão)
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