Combater o Daesh
Contra o “Estado Islâmico”
Victor Ângelo
Escrevo enquanto decorre em Bruxelas uma reunião de alto nível para coordenar as ações futuras contra o Daesh, o grupo terrorista que gosta de se autointitular de “Estado Islâmico” (EI). Estão presentes os vinte e sete países – e mais uma mão cheia de penduras – que se dispuseram a participar na coligação militar que combate o EI. Ainda assim, a contribuição de alguns destes governos tem sido meramente simbólica. Na verdade, há vários membros da coligação que não consideram a derrota dos terroristas do EI como uma prioridade nacional. Fazem de conta. Por isso, convém recordar as razões que justificam a intervenção internacional. Trata-se, por um lado, de libertar da opressão mais desumana as populações dos territórios ocupados na Síria e no Iraque. Por outro, de uma questão de legítima defesa e de interesse estratégico, tendo em conta a ameaça que o EI efetivamente representa, quer no Médio Oriente quer noutras partes do mundo, em especial na Europa e no Norte de África.
Não tenhamos ilusões. Continuaremos a assistir a uma coligação incoerente. Mas há que apreciar cada tentativa que procure dar-lhe algum nexo. O EI é um perigo que deve ser levado muito a sério.
Reconheço, porém, que combater o EI no terreno é uma missão de grande complexidade – sublinho de grande complexidade – e com riscos elevados. Mas têm-se registado alguns progressos, nos últimos tempos. A pressão evoluiu no sentido de colocar o grupo na defensiva. O EI perdeu recursos, quadros e território. É fundamental continuar nessa via. Para além dos bombardeamentos aéreos e dos ataques a alvos precisos com drones, deve-se investir mais na recolha e análise de informações e na infiltração no terreno de pequenos grupos de militares de elite. Assim, e sem esquecer o papel muito significativo que as Forças Especiais americanas, britânicas e alemãs já estão a desempenhar, é essencial proceder sem mais demoras à mobilização de comandos árabes sunitas. Viriam em reforço das unidades iraquianas e em complemento das operações levadas a cabo pelos combatentes curdos. O assunto está em cima da mesa, agora que vários estados da região anunciaram, nas vésperas da reunião de Bruxelas, que estariam dispostos a enviar tropas de infantaria para a frente de combate. Será ver para crer, como diria o outro, pois duvido bem que isso venha a acontecer. De qualquer modo, se acontecesse colocaria sempre uma ressalva, no que diz respeito à Arábia Saudita. Qualquer destacamento saudita tem que ser visto à luz das rivalidades já existentes com o Irão, que está alinhado com o regime de Damasco. Sem esquecer, para mais, a proximidade que existe entre Bagdade e Teerão, o que torna impensável qualquer presença saudita nas terras iraquianas.
Outro tema em debate tem que ver com a definição dos alvos prioritários, no ataque à cadeia de comando do EI. A minha opinião é que os esforços, nesta fase, devem ser concentrados na neutralização dos quadros intermédios do aparelho terrorista, em especial os de origem europeia e outros estrangeiros. Esses quadros constituem uma malha importante no sistema de controlo territorial e no recrutamento de novos combatentes vindos de fora. São, ao mesmo tempo, alvos mais fáceis de identificar – se alguma coisa pode ser considerada fácil, nesta campanha contra um inimigo bem organizado e disposto a tudo. A eliminação desses quadros enfraquecerá a cadeia de comando, desencorajará outros candidatos europeus, e acabará por isolar e expor o topo da organização. Dito isto, é também evidente que se deve explorar toda e qualquer oportunidade que possa surgir e que leve à destruição da liderança do EI.
Apesar de tudo, espera-se que o encontro de Bruxelas resulte num maior empenho de alguns. E que se vá além das dimensões militares. Ao nível do terreno, será importante contribuir para a reconstrução das cidades e vilas que entretanto foram recapturadas pelas forças da coligação e que estão sob administração iraquiana. O restabelecimento, na medida do possível, de um certo grau de normalidade faz parte da luta contra os extremistas.
Chegámos aliás ao momento em que é preciso começar a discutir esta crise de modo compreensivo. Há que pensar nas dimensões políticas. Incluindo, ouso acrescentar, na autonomia das regiões libertadas, no respeito pelos direitos das pessoas e dos grupos étnicos, incluindo os curdos, talvez mesmo no possível desenho de um novo mapa político para a região.
(Artigo que publiquei hoje na Visão on line)