Alguém me perguntava se a corrida para a eleição do sucessor de Ban Ki-moon já teria começado. A resposta teve que ser clara. Alguns e algumas já andam nesta competição há muito tempo. Com muitos recursos, nalguns casos. E fazem-no com subtileza e cuidado, não atacando nenhum dos grandes países. Com diplomacia. Sublinham as respostas às perguntas que lhes vão sendo feitas, algumas delas um verdadeiro campo de minas, pela positiva. Quando os jornalistas os procuram colocar numa prateleira temática bem específica, retorquem de um modo mais genérico, que o Secretário-Geral tem que ter vistas abrangentes e não apenas um tema de agenda. Embora se possa dizer que um ou outro assunto merece sempre, por parte dos membros permanentes do Conselho de Segurança, uma atenção especial. Por exemplo, o relacionado com as operações de manutenção de paz.
Seria impensável não voltar a escrever sobre o Brexit. Trata-se de longe da questão mais importante da cimeira desta semana do Conselho Europeu. Depois disso, será a corrida para o referendo, previsto para finais de junho. Os eleitores britânicos terão na altura que se pronunciar sobre a permanência ou não do seu Reino na UE.
Os chefes de estado e de governo deverão aprovar as soluções propostas por Donald Tusk há cerca de quinze dias. São razoáveis, inspiradas por uma vontade de se chegar a um acordo. Respondem, na medida do que é possível quando o que está em jogo é o consenso de 28 estados, às preocupações de David Cameron. E tudo isto deve ser dito de modo claro, pelos dirigentes dos estados membros.
Não se pode, no entanto, ir mais além e abrir a porta a mais e mais concessões. O Reino Unido já está fora do Euro, de Schengen, das políticas comuns sobre a justiça, a segurança interna e as migrações. Ou seja, quando não lhe convém não aceita o princípio básico do projeto europeu, o da soberania partilhada. Tem, desta vez, que ficar claro que Londres não pode continuar a exigir sol na eira e chuva no nabal. É o momento da verdade. Ou o Reino Unido pega no que está agora em cima da mesa ou então, estaremos conversados. Já se gastou tempo e energia suficientes com um assunto que, à partida, era fundamentalmente um artifício de liderança partidária, um problema interno do Partido Conservador, e que acabou por se transformar numa ameaça muito séria à existência da UE.
É sabido que muitos no Reino Unido consideram o acordo insuficiente. Dizem que Cameron está apenas a obter uma mão cheia de nada, simples vacuidades. Assim, para começar, iremos assistir este fim-de-semana ao esfrangalhar da unidade no seio do governo britânico. Um número significativo de ministros começará então a fazer campanha pelo Brexit, opondo-se deste modo à posição do primeiro-ministro. Esta cisão, reforçada pela que já existe no seio do grupo parlamentar conservador, e a vitória quase certa do voto pelo abandono da União, no referendo de junho, levam-me a pensar que David Cameron tem os dias contados, enquanto líder do seu partido e do governo.
A rutura com a UE terá certamente um impacto económico negativo no PIB britânico. Mais grave ainda, uma votação contra a Europa voltará a colocar na ordem do dia a possibilidade da independência escocesa. O partido no poder em Edimburgo é europeísta. Se o campo do Brexit ganhar, os dirigentes da Escócia não perderão a oportunidade de reabrir o debate independentista. E o que foi uma derrota por poucos, em setembro de 2014, poderá tornar-se em breve num sim sem hesitações ao fim do Reino Unido.
Seria um erro não falar dos riscos para o todo europeu. O mais perigoso, no meu entender, diz respeito à caixa de Pandora que o referendo britânico poderá abrir. Movimentos nacionalistas e partidos populistas, noutros estados europeus, poderão querer tirar vantagem política do precedente que se está a criar. Teríamos assim algumas tentativas oportunistas de referendos aqui e acolá, num jogo de demagogia e de luta pelo poder. Entraríamos, então, numa espiral incontrolável. E que seria aproveitada pelos inimigos, internos e externos, de uma Europa unida.
Por tudo isto, a cimeira de Bruxelas tem que ser clara no tratamento do Reino Unido. E pôr um ponto final à discussão. Num clima como o atual, não deve haver espaço para mais hesitações. Quanto ao referendo, cabe a Cameron e aos seus compatriotas manter o equilíbrio até junho. E a melhor maneira de o conseguir, diz-nos quem sabe de coisas de circo e de política, é levantar o olhar e fixá-lo no futuro.
Neste dia do passamento de Boutros Boutros-Ghali, queria aqui deixar uma palavra de homenagem.
Boutros-Ghali foi Secretário-geral das Nações Unidas num período particularmente difícil. Durante o seu tempo, tivemos a primeira grande crise na Somália, o massacre no Ruanda e a violência generalizada nos Balcãs. Foram várias as ocasiões em que Boutros-Ghali entrou em choque com a Administração do Presidente Clinton, por causa de diferenças de apreciação sobre estas crises e a acção que seria necessária.
Como não poderia deixar de ser, os confrontos fizeram-no perder a hipótese de um segundo mandato à frente da ONU. Funcionou o direito de veto.
Servi Boutros-Ghali como seu representante na Gâmbia e depois na Tanzânia. No caso específico da Tanzânia, teve a coragem de me nomear para um país que até então só havia aceitado representantes residentes de origem africana. Boutros-Ghali era assim: um homem determinado.
O Reino Unido já está fora do Euro, de Schengen, da política europeia de migrações, dos acordos de justiça e de segurança interna.
É uma ilusão pensar que Londres não vai exigir mais excepções no futuro.
O referendo é um problema britânico, um problema da liderança de Cameron. Agora, transformou-se num problema europeu igualmente.
A UE constrói-se com base na soberania partilhada e nos interesses comuns.
Reunião do Conselho Europeu a 18 e 19 de Fev para debater a proposta de Donald Tusk.
A proposta de Tusk foi muito mal recebida pela imprensa popular britânica, os chamados tabloides. Nomeadamente a questão das regalias sociais dos migrantes europeus que venham para o RU, o facto da City ter que se subordinar às normas financeiras da EU em matéria de bancos, separação entre bancos comerciais e de investimento, e requisitos de capital próprio.
Os cidadãos do RU não estão informados sobre a UE. Não sabem que o país beneficiou bastante com a adesão. Apenas conhecem alguns casos anedóticos.
Os seis estados fundadores são pelo aprofundamento da União, conforme afirmado pelos seus ministros dos Negócios Estrangeiros em Roma, a 9 de Fev. de 2016.
Os países do grupo de Visegrado ( Chéquia, Eslováquia, Polónia e Hungria) têm sérias reservas sobre a parte “social” da proposta de Tusk, nomeadamente sobre os abonos de família que seriam pagos com base nos valores nacionais destes estados, caso as crianças não tenham acompanhado os pais na ida para o RU.
Vamos continuar numa Europa a duas velocidades. Mas isto é diferente de uma UE à la carte, onde cada um escolhe apenas o que lhe interessa.
Riscos de um sim ao Brexit: separação da Escócia; proliferação de referendos noutras partes da União; enfraquecimento da imagem da EU; impacto sobre o PIB europeu. Uma caixa de Pandora.
Grande preocupação ao nível da Administração Obama sobre um possível Brexit.
Que vai acontecer a David Cameron se perder o referendo? A sua popularidade nas sondagens tem estado a baixar. Poderá ser o grande perdedor de todo este processo.
Num dia de chuva e de mau tempo, quem quer ouvir falar de outras tempestades? Sem esquecer que o serão de um sábado não é a melhor altura para falar no crescimento acelerado dos juros da dívida pública portuguesa e de coisas semelhantes. Convém, isso sim, não molhar os pés nem perder a fé nos milagres anunciados. Pelo menos, por agora.
Numa entrevista ao Financial Times, publicada na quarta-feira, Donald Tusk partilha o seu receio de que outros políticos europeus possam imitar David Cameron e organizar, também eles, referendos nacionais sobre a continuação ou não dos seus países na UE. O Presidente do Conselho Europeu acrescenta mesmo que tem ouvido uns zunzuns sobre essa possibilidade.
Se se tiver presente o clima de populismo que se vive actualmente na Europa, esse risco existe de facto. A França de Marine Le Pen poderia ser a primeira da lista. Mas, mesmo sem Le Pen e outro similares no poder, a coisa poderia acontecer. Bastaria que alguns cidadãos, no país A, B ou C, conseguissem reunir uns bons milhares de assinaturas numa petição pública. A partir daí o processo político entraria numa espiral difícil de conter.
Mesmo prevendo a derrota, caso a caso, das opiniões contrárias à continuação na UE, cada referendo traria um novo ciclo de incertezas e teria um enorme impacto nos investimentos, na competitividade e na credibilidade do projecto europeu.
Infelizmente, estamos numa época em que nada pode ser excluído. O absurdo está a ganhar, em vários sítios, direito de soberania.
Escrevo enquanto decorre em Bruxelas uma reunião de alto nível para coordenar as ações futuras contra o Daesh, o grupo terrorista que gosta de se autointitular de “Estado Islâmico” (EI). Estão presentes os vinte e sete países – e mais uma mão cheia de penduras – que se dispuseram a participar na coligação militar que combate o EI. Ainda assim, a contribuição de alguns destes governos tem sido meramente simbólica. Na verdade, há vários membros da coligação que não consideram a derrota dos terroristas do EI como uma prioridade nacional. Fazem de conta. Por isso, convém recordar as razões que justificam a intervenção internacional. Trata-se, por um lado, de libertar da opressão mais desumana as populações dos territórios ocupados na Síria e no Iraque. Por outro, de uma questão de legítima defesa e de interesse estratégico, tendo em conta a ameaça que o EI efetivamente representa, quer no Médio Oriente quer noutras partes do mundo, em especial na Europa e no Norte de África.
Não tenhamos ilusões. Continuaremos a assistir a uma coligação incoerente. Mas há que apreciar cada tentativa que procure dar-lhe algum nexo. O EI é um perigo que deve ser levado muito a sério.
Reconheço, porém, que combater o EI no terreno é uma missão de grande complexidade – sublinho de grande complexidade – e com riscos elevados. Mas têm-se registado alguns progressos, nos últimos tempos. A pressão evoluiu no sentido de colocar o grupo na defensiva. O EI perdeu recursos, quadros e território. É fundamental continuar nessa via. Para além dos bombardeamentos aéreos e dos ataques a alvos precisos com drones, deve-se investir mais na recolha e análise de informações e na infiltração no terreno de pequenos grupos de militares de elite. Assim, e sem esquecer o papel muito significativo que as Forças Especiais americanas, britânicas e alemãs já estão a desempenhar, é essencial proceder sem mais demoras à mobilização de comandos árabes sunitas. Viriam em reforço das unidades iraquianas e em complemento das operações levadas a cabo pelos combatentes curdos. O assunto está em cima da mesa, agora que vários estados da região anunciaram, nas vésperas da reunião de Bruxelas, que estariam dispostos a enviar tropas de infantaria para a frente de combate. Será ver para crer, como diria o outro, pois duvido bem que isso venha a acontecer. De qualquer modo, se acontecesse colocaria sempre uma ressalva, no que diz respeito à Arábia Saudita. Qualquer destacamento saudita tem que ser visto à luz das rivalidades já existentes com o Irão, que está alinhado com o regime de Damasco. Sem esquecer, para mais, a proximidade que existe entre Bagdade e Teerão, o que torna impensável qualquer presença saudita nas terras iraquianas.
Outro tema em debate tem que ver com a definição dos alvos prioritários, no ataque à cadeia de comando do EI. A minha opinião é que os esforços, nesta fase, devem ser concentrados na neutralização dos quadros intermédios do aparelho terrorista, em especial os de origem europeia e outros estrangeiros. Esses quadros constituem uma malha importante no sistema de controlo territorial e no recrutamento de novos combatentes vindos de fora. São, ao mesmo tempo, alvos mais fáceis de identificar – se alguma coisa pode ser considerada fácil, nesta campanha contra um inimigo bem organizado e disposto a tudo. A eliminação desses quadros enfraquecerá a cadeia de comando, desencorajará outros candidatos europeus, e acabará por isolar e expor o topo da organização. Dito isto, é também evidente que se deve explorar toda e qualquer oportunidade que possa surgir e que leve à destruição da liderança do EI.
Apesar de tudo, espera-se que o encontro de Bruxelas resulte num maior empenho de alguns. E que se vá além das dimensões militares. Ao nível do terreno, será importante contribuir para a reconstrução das cidades e vilas que entretanto foram recapturadas pelas forças da coligação e que estão sob administração iraquiana. O restabelecimento, na medida do possível, de um certo grau de normalidade faz parte da luta contra os extremistas.
Chegámos aliás ao momento em que é preciso começar a discutir esta crise de modo compreensivo. Há que pensar nas dimensões políticas. Incluindo, ouso acrescentar, na autonomia das regiões libertadas, no respeito pelos direitos das pessoas e dos grupos étnicos, incluindo os curdos, talvez mesmo no possível desenho de um novo mapa político para a região.
Os terroristas do Estado Islâmico devem ser levados a sério. As suas ameaças, quando proferidas de modo formal e em nome do grupo, agitam as polícias europeias. São analisadas com cuidado. Recentemente, os serviços secretos ingleses responderam com meios excepcionais de investigação a uma ameaça contida numa mensagem gravada em vídeo.
Também recentemente houve uma referência concreta a um possível ataque à Península Ibérica. Isso veio aumentar o nível de inquietação que já existe em relação a Portugal. Vários serviços estrangeiros pensam que o nosso país é um elo fraco na prevenção do terrorismo. Não há meios suficientes nem autoridade legal para fazer aquilo que noutros países da UE se faz. Faltam a coragem política e o realismo a quem tem o poder em Portugal. Os tempos e os riscos mudaram, mas os dirigentes do país continuam a viver num quadro de ideias e práticas que já há muito que passou à história.
Na quinta-feira terá lugar em Bruxelas uma reunião de alto nível para coordenar as acções futuras contra o grupo terrorista autointitulado de Estado Islâmico. Os vinte e sete países que participam na coligação militar que combate o Estado Islâmico estarão representados.
Espera-se que o encontro resulte num maior empenho por parte de alguns desses países, que até agora têm sobretudo brilhado pela fraca participação no esforço comum. Também será importante contribuir para a reconstrução das cidades e vilas que entretanto foram recapturadas pelas forças da coligação e que estão sob administração iraquiana. A luta contra os radicais passa igualmente pelo restabelecimento, na medida do possível, de um certo grau de normalidade de vida.
Por outro lado, haverá que reconhecer que têm sido registados progressos significativos nos últimos tempos. O Estado Islâmico perdeu recursos, quadros e território. É fundamental continuar nessa via de aniquilação dos terroristas. Para além dos bombardeamentos aéreos, convém investir mais na recolha e análise de informações e na infiltração de grupos altamente móveis de Forças Especiais. O objectivo, nesta fase, deve ser o da neutralização dos quadros intermédios do Estado Islâmico, em especial os de origem estrangeira e europeia. Esses quadros são uma malha importante na estrutura de controlo territorial do Estado Islâmico. São, ao mesmo tempo, alvos mais fáceis de identificar – se alguma coisa pode ser considerada fácil, nesta campanha contra um inimigo disposto a tudo. A sua eliminação enfraquece a cadeia de comando, desencoraja outros candidatos europeus, e acabará por isolar e expor o topo da organização.
Finalmente, a comunicação social, nomeadamente a europeia, deve estar mais atenta aos avanços conseguidos e ser capaz de os trazer ao conhecimento geral com clareza e isenção.
Termino o dia à procura da tradução em português da expressão inglesa “Faustian moment”. Estas duas palavras combinadas remetem-nos à famosa lenda alemã sobre Fausto, o tal que fez um pacto com o Diabo, e ao momento em que o protagonista decide ganhar ou aproveitar agora, no momento, sem ter em conta os custos ou as consequências futuras.