Professores, professores, estão novamente nos títulos dos jornais. Não me meto nessa luta. Mas, quando se trata do ensino, penso que andamos a ver tudo ao contrário. A fase mais importante da aprendizagem é a que corresponde ao ensino elementar, ao despertar da criança para a vida e para o conhecimento. É nessa altura que precisamos de professores de calibre excepcional. Que consigam transformar essa fase da vida das crianças num amor sem limites pela educação, a curiosidade intelectual e a criatividade. Os professores do ensino primário devem ter uma preparação muita avançada. A isso deve corresponder uma remuneração adequada e um estatuto social de grande prestígio.
Andávamos como que hipnotizados nesse tempo, no ano da graça, dos abraços do senhor e das anedotas políticas de 2019.
A nossa paróquia tinha à cabeça o Mestre D. António, Prior de São Bento e do Mato. Ficou conhecido na história da terra como, o Sonso. Além de finório, D. António revelara-se como um líder cauteloso, capaz de se firmar quer na perna esquerda quer na direita, embora vagaroso e curto de vistas. Canhoto, não era. O horizonte, visto da capela-mor do Mestre, não o fazia sonhar com amanhãs que cantam. Sol, sim, na eira, mas também chuva no nabal. O ideal era manter o barco a flutuar, que é como quem diz, não perder a cabeça da paróquia.
Com o passar dos anos, o Sonso foi-se rodeando de um grupo de fidalgos, com o fim aparente de o ajudar na governação. Mas, era sobretudo uma questão equilíbrios entre famílias. E a escolha caía sempre nos mesmos. Ou era gente que ele conhecera, quando anteriormente à sua elevação a Mestre, havia servido como feitor dos serviços de higiene e limpeza do principal bairro da paróquia. Ou, então e sobretudo, gente das principais famílias, tudo bem aparentado entre si, um pequeno círculo de notáveis, em que o poder se transmitia de pais para filhos e entre cônjuges. Era uma espécie de corte à moda antiga. A corte do D. António.
Os paroquianos olhavam para essas movimentações com o sarcasmo suave de quem tem se preocupar, acima de tudo, com o tratar da vida. E também com o abandono de quem pensa que os Mestres são todos iguais. Todavia, nas entranhas do cidadão comum alojava-se a suspeita que a paróquia era um carrossel a duas velocidades, em que uns montavam nos cavalinhos e outros giravam agarrados às varas do destino.
Isso poderia dar cabo do ambiente, aquando das grandes missas habituais. Mas os idiotas da aldeia não sabiam como tirar partido do carrossel de altos e baixos.
Os jornalistas e outros croniqueiros das palavras e dos factos escreviam regularmente sobre isso, sobre as relações entre o parentesco e os cargos na sacristia. De longe, de muito fora da paróquia, esses desabafos intelectuais soavam a estranhos e de uma outra época, do século XIX, talvez. Pareciam meter dó, que pena que nessa terra, os grandes cérebros da escrita pública e da imagem televisiva passem dias e dias a tratar de coisas tão bizarras. Que intelectualidade tão banal! De perto, no seio da paróquia, essas jeremiadas da comunicação social eram vistas pelo povo com um sorriso de cinismo, crónico e manso, – uma das características definidoras da personalidade colectiva do lugarejo – e esquecidas no dia seguinte.
E o Mestre de São Bento e do Mato assim foi reinando. A história, que acaba sempre por reconhecer o valor de cada um dos seus protagonistas, não se esqueceu de lhe confirmar o cognome. O Sonso.
O simbólico deve estar no centro da mensagem política. E a mensagem ganha força quando consegue combinar o simbolismo com a simplicidade das palavras que a verbalizam. O líder é o grande sacerdote da imagem, do verbo e da esperança.
Quando um novo partido político aparece, não nasce num estábulo vazio, como o Menino Jesus, nem no meio do deserto, mesmo quando certas iniciativas parecem ser apenas uma miragem. Vai inserir-se numa paisagem partidária já existente. Assim, uma das questões que de imediato surge é a de saber onde se vai situar, nesse quadro paisagístico. Ao centro, mais para o lado e de que lado?
A resposta tem que ser clara, tal como a pergunta o é. E deve ser repetida sucessivamente, para que fique na memória das pessoas.
Outra questão essencial: saber se há espaço político para a nova formação. À partida, dir-se-ia que não há, excepto junto dos que tradicionalmente se abstêm e de outros que a vida transformou em indiferentes da política. Mas a verdade é que essa gente é muito difícil de conquistar. As razões que levam à abstenção são diversas, difíceis de segregar e de medir. Um programa político, que tenha como objectivo captar uma parte dessa indiferença, precisa de definir claramente qual é a fatia que pretende mobilizar e, em seguida, fazer a campanha mais adequada. Aqui, a estratégia ter que ser muito fina.
Para além do campo dos abstencionistas, existe muito pouco espaço político onde ir à pesca. Não existem terrenos partidários vagos. O espaço tem que ser conquistado à força da persuasão, do argumento e da simbologia. Vai-se buscar votos e apoios aos que têm votado noutros partidos. Concorrência. Luta. Não é necessário dizê-lo na praça pública. Mas os dirigentes no novo partido devem ter uma estratégia, que vá nesse sentido e produza resultados. Uma estratégia que se traduza em três ou quatro propostas, que possam ser bandeiras políticas atraentes e indiscutivelmente credíveis. E que, quando mencionadas, façam de imediato pensar no novo partido. Serão, depois, constantemente repetidas pelas principais vozes públicas da agremiação.
Um terceira dimensão a ter em conta – a acrescentar à relativa ao posicionamento político e à relacionada com a mobilização dos eleitores – diz respeito à direcção do partido. Hoje, não basta ser-se uma personalidade conhecida da comunicação social ou da opinião pública para se conseguir criar um partido. Os cidadãos têm outro tipo de exigência. Querem perceber que existe uma equipa sólida à frente da coisa. E essa equipa terá que intervir na esfera pública frequentemente, sobretudo nos acontecimentos com projecção televisiva. Trata-se de mostrar que a nova organização tem um número de pessoas capazes no seu núcleo central. E que essas pessoas, homens e mulheres, pensam, pesam e sabem comunicar.
Lançar um movimento político novo não é apenas uma questão de fé, de entusiasmo e de protagonismo de uma pessoa conhecida. É um projecto de fundo, uma maratona, que pede muito sacrifício pessoal, uma grande dose de dedicação, muita estratégia e uma credibilidade que deixe pouco terreno para dúvidas.
É um monólogo sem fim, uma página inteira no Público, um texto cheio de palavras. Tudo, para dizer o que poderia ser dito em duas linhas: o Presidente Macron conseguiu dar a volta aos “Gilets Jaunes”, está de novo a definir a agenda política e a subir nas sondagens.
Dizer que a União Europeia está à deriva, é uma mentira política. Um slogan falso e barato, que cai bem nos círculos mal-informados e nas discussões entre radicais. É mais um engodo.
Não está. Apesar de ser uma união de Estados soberanos – e não é fácil concluir acordos entre Estados que sempre se guerrearam e que conheceram grandes rivalidades nacionais –, a verdade é que se continua a avançar em muitas áreas de interesse comum e que a UE é hoje um espaço de paz, de liberdade e direitos. E de prosperidade, apesar de tudo o que se diz sobre as dificuldades da classe média.
Quem anda à deriva, no sentido de tentar captar tudo o que possa vir à sua rede de pesca eleitoral, são os populistas. Da direita e da esquerda. E essa deriva, que para uns é uma ilusão e para outros, uma artimanha, é perigosa. Dá combustível aos desequilibrados da vida bem como aos que vêem a sociedade pelo prisma das televisões e dos jornais que só falam de futebol e de histórias do arco-da-velha.
Resumo. O personagem era primário, sectário e alucinado. Um mau exemplo, numa sociedade que precisa de doses cavalares de civismo, diálogo, equilíbrio e confiança em si própria.
As pessoas que podemos considerar como pertencendo às elites gostam de repetir que vivemos numa época muito interessante e estimulante. Os que vivem de rendimentos dos sectores financeiros, ou estão ligados às actividades das grandes multinacionais, dizem-no ainda com mais entusiasmo. É aí que encontramos os grandes defensores da internacionalização das economias e da liberalização do comércio mundial. E da revolução digital, que traz ao seus mundos ganhos de eficiência, de flexibilidade e de tempo.
As elites são gente que sorri.
Na sua euforia, esquecem-se dos outros. De quem não tem as qualificações necessárias para acompanhar as transformações científicas e tecnológicas. Dos que ficam para trás. Dos que olham para o presente e antevêem o futuro com imensa preocupação e uma grande dose de pessimismo.
Os outros. As pessoas que perdem, ou sobrevivem, apenas. Gente que quando ouve globalização lhes soa a exclusão. Gente com dúvidas e muito medo.
Cabe aos líderes políticos responder a esses receios. Ou seja, encontrar o equilíbrio entre um mundo mais aberto, e em renovação acelerada, e a salvaguarda dos interesses e da dignidade de todos os cidadãos. Em particular os que a vida, por uma variedade de razões, foi deixando à beira do caminho do futuro.
O ponto de partida, para os políticos, deve ser simples. Dito em poucas palavras, isso significa ter claro, nas suas mentes, que a transformação tecnológica da economia, a inovação acelerada com base na Inteligência Artificial e a abertura ao mundo não podem ser feitas à custa da marginalização de camadas significativas das nossas populações europeias. O discurso político e os planos de acção, aos níveis nacional e europeu, têm que se concentrar nas questões de inclusão. Para além da educação e da formação contínua, e da informação inteligente, as políticas devem promover novas formas de estar em sociedade, de se ser socialmente respeitado. Tem que se ganhar um novo entendimento do que significa ser-se socialmente útil. Isto inclui o engenho de novas maneiras de assegurar um mínimo de rendimento mensal aos que possam ter mais dificuldade em inserirem-se no mundo novo.
Tudo isto, sem tirar a cada pessoa a responsabilidade individual, que é sua, perante o seu destino.
A ideia é clara. O futuro constrói-se à força de braços, indivíduo a indivíduo, família a família, mas não só. Precisa de um quadro político que tenha em conta as variáveis do mundo de agora. Aí, entram as lideranças políticas e os seus deveres.
O texto que ontem publiquei é mais uma prova da desconexão que existe, nas nossas democracias ocidentais, entre o cidadão comum e as elites. No caso referido, tratava-se das elites políticas. Mas poderiam ter sido outras, as intelectuais, as académicas, as económicas ou as que brilham nos media. O fosso também diz respeito a essas elites.
Um fosso crescente, por isso, preocupante.
Ao nível político, assistimos a um amplo desencontro entre as aspirações populares e a capacidade de resposta dos políticos. E não é apenas a resposta medíocre perante os desafios sociais. É a incompetência noutras áreas igualmente vitais, como a da gestão da macroeconomia, da educação para o Século XXI e, ainda, a segurança dos mais fracos e a justiça.
Tudo isto acaba por se traduzir numa agitação e num mal-estar sociais de proporções inéditas desde os tempos do pós-guerra. Quando 4 em cada 10 cidadãos dizem ser contra o sistema vigente, há que reflectir, há que tirar as necessárias conclusões.
Temos que forçar o debate público desta crise do nosso sistema. E defender, com toda a clareza, a argumentação contra as opções populistas ou as respostas legalistas e securitárias.
No centro da Europa, a paisagem política está a mudar profundamente. Uma das características mais marcantes dessa mudança está relacionada com a distância entre uma boa parte da população e a classe política. Vista a partir das pessoas, a divergência parece ser cada vez maior. O distanciamento é uma nova variável política. Assim, uma das grandes prioridades dos dirigentes tem que ser a aproximação e a conexão com os cidadãos.
Neste sentido, queria aqui referir um ou dois resultados de um inquérito de opinião, hoje posto em cima da minha mesa. Refere-se a duas amostras de eleitores, uma em França e a outra na Bélgica.
Em cada 10 inquiridos, 4 responderam que não têm qualquer tipo de confiança no sistema político vigente no seu respectivo país. O grau de desconfiança é comparável, na França e na Bélgica, o que nos surpreende e faz pensar.
Mais precisamente, 41% das pessoas declaram abertamente ser “anti-sistema”. Não se identificam com as instituições representativas que existem. Não lhes reconhecem valor. Na verdade, consideram que os políticos não têm em conta as preocupações das pessoas comuns, que o poder não se interessa pela melhoria das suas condições de existência.
Essas pessoas manifestam um receio evidente perante o futuro. É claro que isso poderá ser explorado por movimentos políticos que prometam o impossível, que de um lado quer do outro do espectro político.
As duas grandes preocupações desses cidadãos dizem respeito à mobilidade entre as suas residências e os locais de trabalho ou as infra-estruturas sociais, bem como ao custo de vida, à falta de meios para lhe fazer frente.
Um boa parte desses cidadãos trabalha, mas em empregos que apenas exigem níveis de escolaridade mínimos e que pagam salários mais baixos. Outro problema é o do trabalho a tempo parcial ou precário, um fenómeno que tem estado a crescer. Depois, há a questão do desemprego.
Finalmente, o pessimismo e o descontentamento estão mais presentes nas categorias etárias acima dos 45-50 anos.
Perante isto e outros dados, é evidente que a política de hoje não pode ser feita com as ideias e os conceitos de ontem.