Robert Mugabe: o meu testemunho
Faleceu hoje Robert Mugabe. Trabalhei durante quatro anos, entre 2000 e 2004, com ele e o seu governo. Foi um período de transformação acelerada, um resvalar a toda a velocidade para a fossa da tragédia. Enquanto representante da ONU no Zimbabwe, a minha tarefa era tentar evitar o aprofundamento da crise nacional, que Robert Mugabe pusera em marcha em 2000. Por isso, encontrava-me regularmente com ele. As reuniões tinham sempre três características centrais: não havia acordo entre nós, o Presidente fazia uma tiradas inflamadas contra Tony Blair e o seu governo, e terminávamos com uma promessa cordial de voltar ao assunto em causa. Esse assunto era a chamada “reforma agrária”.
Muitas dessas discussões tiveram lugar à hora do almoço. Uma refeição simples. Mugabe comia duas pequenas sandes de pão branco, com faca e garfo, bebia duas ou três chávenas de chá, e ficava aviado. Fazia-o lentamente, mais atento ao que poderia estar, como mensagem, para além das frases que eu lhe ia dizendo. A verdade é que falava muito mas também sabia escutar, sempre a tentar perceber se havia alguma intenção escondida por detrás das palavras do seu interlocutor.
E assim foi até ao dia da minha partida, no final da missão. Na véspera, fez questão em voltar rapidamente a Harare, para uma última reunião e para me desejar boa sorte, na África Ocidental, uma região sobre a qual Mugabe tinha uma posição ambígua.
Entretanto, o tempo e a idade foram avançando. A tragédia que ele desencadeara em 2000 continuou, para a grande infelicidade do povo do Zimbabwe.
Ele, passou agora à história. Muitos lembrar-se-ão de Robert Mugabe como um dos pilares da libertação de África. Outros, trarão para a frente a crise nacional profunda, o colapso de uma economia próspera, as violações dos direitos humanos, os massacres dos anos 80.
Eu trago apenas um breve testemunho. Para dizer que gostei de o ter conhecido, apesar de tudo.