O Reino Unido sai hoje. Cumpre-se assim o Brexit. E perdemos todos, a União Europeia e o Reino Unido, cada um à sua maneira. Mas a política é assim, as regras democráticas, por muito imperfeitas que possam ser, são para cumprir. E Boris Johnson e os seus ganharam.
Dito isto, acrescento que alguns de nós vemos tudo isto com uma grande preocupação. A vitória de Boris foi a vitória da mentira, do apelo ao nacionalismo primário, do populismo sem-vergonha. Ganhou a insolência, perdeu o bom senso.
Em certa medida, esse tipo de vitória fica-nos como um alerta. Hoje aconteceu no Reino Unido, amanhã poderemos ter um gémeo ou uma irmã de Boris noutros países da Europa. Assim, se há uma grande lição a tirar de tudo isto, do Brexit, de Boris, de Farage, etc, ela é que não se pode dar tréguas aos aldrabões da política.
A reflexão sobre as questões geoestratégicas anda muitas vezes atrás dos acontecimentos. O inesperado passa a dominar a agenda internacional e com grande impacto. Quem trabalha na área da previsão dos problemas futuros fica a fazer figura de parvo. E quem está de fora ganha a impressão que os especialistas da geopolítica são uns meros contadores de cenários irreais. Uns académicos desligados da realidade.
Temos agora o caso do coronavírus. Um problema local, numa cidade da China, transformou-se, em pouco tempo, num desafio global e num factor de desestabilização de partes importantes do tecido internacional. Mostrou, igualmente, que um vírus sanitário tem o poder de alterar aspectos significativos da ordem internacional. Ora, vírus podem ser produzidos em laboratórios – sejamos claros que não será o caso do coronavírus – e depois ser utilizados como uma arma biológica.
Temos aqui algo de hipotético – a produção de um vírus para fins ofensivos. Mas poderá vir a acontecer. Depois, com o mundo interconectado que agora temos, com viajantes em todos os sentidos e a toda a hora, assistiríamos à sua propagação mundial, bem para além do alvo inicialmente visado.
Este seria um tipo de conflito fora dos manuais clássicos. A verdade é que os conflitos tenderão, a partir do que já acontece, a ser cada vez menos ao nível do míssil contra míssil. Isso é uma concepção do passado, que ainda faz sonhar alguns ditadores e justificar um determinado tipo de despesas militares. As disputas entre países ganharão outras formas. Algumas poderão ter a sua fonte de inspiração no que começou em Wuhan.
A apresentação do chamado “plano de paz”, que ontem teve lugar na Casa Branca, fez-me lembrar algo que vou dizendo de vez em quando: uma boa parte das iniciativas políticas são meros actos teatrais. Espectáculo, luz, som e espelhos. Isto é particularmente verdade nestes tempos de televisão e de imagens. Faz-se comunicação, não se resolvem problemas.
Ter algo que tratar com a burocracia portuguesa exige muita determinação e um elevado nível de paciência. Consome, além disso, uma boa parte da energia de uma pessoa. E o desespero é ainda maior porque uma boa parte das imposições administrativas são meras fantasias, que de nada servem, excepto para manter o antiquado e a ilusão que tudo anda nos eixos. Não anda e criam-se oportunidades para esquemas paralelos.
Para quando, um ministério da limpeza burocrática?
Os investidores nas empresas europeias que compõem o Euro Stoxx 600 perderam hoje cerca de 180 mil milhões de euros. Este montante evaporou-se por causa das preocupações existentes sobre a evolução da epidemia de coronavírus. Esta perda de capital tão elevada não pode ser apenas explicada por razões de amedrontamento momentâneo. Há, por detrás dos números, a questão da incerteza, o não se saber ainda quando será possível controlar a epidemia.
Vários laboratórios de empresas multinacionais estão neste momento a tentar encontrar uma resposta médica, uma vacina, nomeadamente.
Mas há também a dimensão humana. É preciso ganhar o apoio das populações mais expostas. E aí, a China está a encontrar uma série de dificuldades que até agora desconhecia. As pessoas recebem todo o tipo de informações por meio das plataformas sociais, apesar das tentativas de censura, e cada um reage à sua maneira, muitas vezes disparatadamente. Ainda hoje um amigo meu, que vive no Sul da China, me contava que a sua área residencial foi inteiramente pulverizada com um insecticida que é utilizado para combater o mosquito da febre do dengue. Não serve de nada para impedir a propagação do coronavírus, mas ilustra bem que cada região procura tratar de si, seja como for.
Isto é algo de novo no país. Sem falar de caos, podemos dizer, todavia, que há muita confusão na China de hoje.
Neste 75º aniversário da libertação do campo de extermínio de Auschwitz, seria imperdoável não mencionar a data e o seu significado. 27 de Janeiro marca o dia da memória das vítimas do Holocausto. Lembra-nos que este horror, o genocídio dos europeus judeus e a execução em massa de muitas outras pessoas, aconteceu na Europa do Século XX e foi levado a cabo por gente que se achava superior aos outros. O racismo, o ultra-nacionalismo e a exaltação patriótica sem limites, a obediência cega, alimentada pelo mito da excelência da disciplina colectiva, a ditadura política, tudo isto levou o regime nazi alemão à loucura e à chacina de milhões de seres humanos.
Para além de tudo o que se possa dizer sobre o Holocausto, e da tristeza profunda que nos fica quando é evocado, a grande questão que levanto é a de procurar saber se algo parecido poderá acontecer na Europa do Século XXI. Não há resposta definitiva perante uma pergunta deste género. Mas deverá haver alguma preocupação. Os herdeiros ideológicos dos Nazis estão a levantar a cabeça, quer na Alemanha, quer noutros países europeus. Por outro lado, jovens radicais islâmicos, cidadãos de vários países europeus, têm levado a cabo acções de intimidação anti-semitas. O caso francês é o mais flagrante. Em certas localidades da periferia de Paris, em certos bairros de grandes cidades, os cidadãos franceses identificáveis como “judeus” sentem-se cada vez menos tranquilos.
Tudo isto é inaceitável. E deve ser dito com todas as letras.
Observo o que se passa com certos partidos e com certas personalidades. E repito para mim próprio aquilo que penso frequentemente sobre a política. A política é como um longo labirinto em que muitos se perdem. Entrar na política exige um grande sentido de orientação. Quem não consegue manter a direcção correcta acaba por cair numa grande confusão.
Agora que se tornou público o que, no essencial, já se sabia há anos, muitos dos nossos políticos sacodem a água do capote, como se nunca tivessem “namorado” a Princesa Isabel e os seus milhões de milhões. Fingem espanto onde havia conhecimento e certezas. Quem não sabia, em Lisboa, nos círculos do poder, que Angola era um reino corrupto? A verdade é que a Princesa sempre teve as portas abertas e os políticos tropeçavam uns nos outros, ao tentar mostrar que eram os mais acolhedores.
Políticos assim não são elites. São uns trafulhas que andam na vida. E contribuem de modo certeiro para o descrédito da governação e da prática política.
Não será por causa do frio que andamos um bocado loucos. Ao ouvir certos nomes serem propostos como possíveis candidatos às próximas presidenciais, penso que os nossos desvarios em matéria política não podem ser atribuídos ao estado do tempo. Há mesmo um problema estrutural de insanidade. Pelo menos, em certas cabeças conhecidas do público.
Quando disse isto, esta tarde, alguém me respondeu que se trataria de puro e simples oportunismo, de lançar nomes para agradar a certos círculos e dar azo a umas linhas nos jornais. Respondi que não será bem assim. Para mim, é um problema de insanidade individual e colectiva, muito para além da falta de bom senso e da procura de protagonismo.
É verdade que qualquer cidadão pode ser candidato, se cumprir os requisitos mínimos que a Constituição estabelece. Mas falar em certos nomes, que Deus me livre, diria o ateu.
A radicalização de posições faz mal à política. Um país, Portugal, por exemplo, tem sempre um tecido social diverso, por muito forte que seja a identidade nacional. Aliás, o próprio conceito de identidade nacional, em vários dos Estados da Europa Ocidental, é cada vez mais difícil de definir. Voltarei a essa reflexão um destes dias. Agora, concentro-me na diversidade de interesses e de opiniões que existe em cada sociedade. E que deve ser respeitada.
O papel dos actores políticos só pode ser o de tentar encontrar áreas de entendimento entre os diferentes segmentos da sociedade. Nenhum país medra se passa o tempo em guerra civil consigo próprio. Apostar na divisão e no ataque sistemático contra os que pensam de outra maneira é má política, é coisa do passado. Liderar é saber construir consensos, erguer as bandeiras que contam para a maioria e ter a coragem de propor plataformas abrangentes. Liderar é unir e garantir o progresso colectivo.
Este blog não se cansará de repetir a mensagem da convergência. Como também não deixará de criticar os radicais que andam nas praças públicas e que se acham senhores da verdade. Infelizmente, temos uma boa colecção deles. E vemos, com preocupação, que fazem mais ruído e captam mais atenção do que lhes seria devido. Mas não há razões para hesitar nem para que nos deixemos atemorizar.
Um radical é um simples de espírito, uma pessoa de uma ideia só. Não creio que seja difícil demonstrar que essa simplificação do argumento não é resposta que se possa aceitar.