Não temos experiência de como tratar rupturas tão vastas e perturbadoras como a actual. Por isso é importante dizer, com toda a humildade, que aprendemos à medida que avançamos e ao ver o que outros estão a pôr em marcha.
A situação nacional de cada um pode ser diferente, mas há sempre lições a tirar, com a experiência dos outros. Por isso e por se tratar de uma crise global, a cooperação internacional deve ser uma das chaves de resposta. Quanto maior for a coordenação entre os Estados, melhores serão os resultados. Temos que levantar a voz e pedir que as medidas que cada um vai tomando sejam integradas num conjunto que lhes dê coerência e que lhes sirva de alavanca. Daí a importância das organizações multilaterais e inter-governamentais. Mas atenção, essas organizações precisam de ser ousadas e de propor medidas coerentes. A liderança que possam desempenhar terá que vir da qualidade das propostas que façam. Isso é verdade no que respeita ao sistema da ONU, como também o é quando se pensa na Comissão Europeia ou noutras entidades regionais, como, por exemplo, a União Africana ou a Organização dos Estados Americanos (OAS).
Infelizmente, as organizações internacionais não têm mostrado a iniciativa que delas gente como eu espera. A própria Comissão Europeia tem sido lenta e tímida.
A mensagem fundamental, que é preciso repetir várias vezes ao dia, é muito simples: o vírus continua presente nas nossas vidas e pronto para infectar quem não se precaver. É simples, na verdade, mas parece que alguns não a estão a entender. Pensam que, com a retomada das actividades económicas, a situação voltou ao normal. Longe disso. Estamos, para já, no que alguns chamam “o novo normal”, que exige comportamentos diferentes dos praticados até Março. Não se trata de viver com medo, mas sim com prudência e respeitando as regras sanitárias que os especialistas consideram essenciais.
Hoje, neste país que é a Bélgica, as barbearias voltaram a abrir. E eu lá estive, que bem precisava. Vim quase rapado, que o barbeiro não tinha mãos a medir nem tempo para grandes fantasias. Foi um cortar a eito.
Esteve, como todos os outros, dois meses e meio fechado. Perguntei-lhe quanto recebera como subsídio, por parte do governo. Disse-me, com um tom resmungão, que uns dias depois de ter fechado o salão, lhe deram 1200 euros, com a promessa de que a 4 de maio receberia um complemento. E recebeu, nesse dia, sem mais, 4000 euros. Ou seja, a subvenção total, a fundo perdido, por oito ou nove semanas de inactividade, chegou aos 5200 euros, sujeitos a impostos e às contribuições para a segurança social e para o fundo de pensões. Nada mal, pensei eu, para um empresário a título individual. Mas não lhe disse o que pensava, pois percebi que achou que foi pouco. E também, para não prolongar a conversa, o que faria correr o risco de acabar com um corte à soldado raso.
É fundamental que se saiba para onde se quer ir. Como também é muito importante ter sempre presente qual foi o ponto de partida.
Muitos de nós não temos uma ideia clara sobre o destino, nem mesmo um pouco de discernimento sobre o caminho que será mais apropriado escolher. Vamos andando, ao sabor dos ventos que sopram e das modas que outros inventam. Não temos agenda, temos apenas dias e um bom sopro de vida. Se nos perguntassem como justificamos o oxigénio que respiramos, a nossa pegada ambiental, ficaríamos incomodados com a questão mas incapazes de lhe dar uma resposta coerente.
Também nos esquecemos facilmente do ponto de partida. Ora, existem grandes diferenças entre nós. Há quem tenha nascido no andar de cima, com vista para a praça principal e para as avenidas largas, outros, na cave ou no telheiro. Gosto de perguntar a quem está no poder, seja que poder for, que faziam os seus pais e os seus avós. Uma grande parte dos que estão hoje em lugares cimeiros provêm de círculos sociais elevados. Nunca experimentaram uma situação de inferioridade social, não testemunharam o desespero de quem não se consegue fazer ouvir, não souberam o que é nascer e crescer na pobreza. Por isso, não entendem o que muitos lhes dizem, quando falam das dificuldades da vida.
Esse é um dos problemas do poder.
Por outro lado, convém lembrar que a liderança se aprende com o caminhar, sobretudo se o percurso vier de longe e tenha marcado pontos, deixado bandeiras que mostrem ao vento que passa que houve sucesso.
Expliquei a quem me telefonou hoje que não sei o que é a ordem liberal. Os intelectuais gostam muito de falar assim, mas tenho que confessar que não entendo o que querem dizer. Liberal, para mim, é uma filosofia política que aposta na iniciativa privada e numa intervenção mínima do Estado. Mas não é esse o sentido que os intelectuais, incluindo o meu amigo, lhe dão. Nas referências que lhe fazem, estão a tentar referir-se a algo que seria o oposto do despotismo. Respondo, então, que prefiro falar na ordem democrática, no respeito pelos direitos humanos e pelas normas internacionais. A meu ver, é mais claro.
Por estupidez ou para fazer um jogo barato e enganador, há por aí quem diga que certos Estados membros têm como modelo de união monetária uma Europa de desigualdades, com níveis económicos diferentes. É falso.
Que existem diferenças, é um facto. Mas o objectivo tem sido, nomeadamente através dos fundos de coesão e outros, a promoção da convergência económica e social. Nalguns casos, a convergência ganha terreno. Por exemplo, na República Checa ou em Espanha. Noutros, ainda há muito caminho para percorrer. Para esses, com o tempo, o atraso acumula-se e em vez de haver convergência, há, isso sim, divergência. O que acaba por provocar novas tensões entre os Estados e dá espaço aos que têm como postura criticar a União Europeia, por tudo e por nada. Mas, quem é responsável por se deixar ficar para trás?
Fico surpreendido quando vejo que não se entende a gravidade da situação que temos pela frente. E mais ainda, quando não se entende a urgência da resposta e se pensa que os problemas serão resolvidos fazendo chover milhões e milhões sobre eles. Milhões que não passam, para já, de meras promessas, sem que se saiba como serão desembolsados, que mecanismos serão utilizados, quais serão os critérios de acesso e como serão definidas as prioridades.
Perante uma perspectiva assim, não podemos continuar a fazer política de grupinhos. É preciso uma estratégia nacional e europeia, uma comunhão de esforços e acção imediata.
Quando o sistema informático diz que não, ficamos impotentes. Este é o mundo de agora. A Inteligência Artificial tem muitas vantagens e, do outro lado da medalha, grandes inconvenientes. Pode ser uma barreira. Quase intransponível. No meu caso, o sistema dizia que eu anulara todos os serviços de telecomunicações excepto um. Ficara registada como uma decisão final, não como um erro de entrada de dados do operador. Enquanto decisão definitiva, a IA do sistema não permitia voltar atrás. Para ter de novo o serviço a funcionar em minha casa, era preciso proceder a um novo contracto, respondia o robot que trata destas coisas. Um novo contracto que, nestes tempos de Covid e de vigilância apertada dos utilizadores da net, só ficaria operacional quando eu já não precisasse dele. Foram precisas várias horas de reprogramação por um humano altamente competente em questões de informática para que o robot mudasse de ideias. Deu para provar o que poderá ser o mundo de amanhã, dirigido em grande parte por máquinas “inteligentes”. Que estão programadas para ultrapassar e dizer que não a decisões tomadas humanos. Faz medo ou, pelo menos, pensar.
Ontem à hora do jantar, pedi à companhia belga que me fornece os serviços de telecomunicações que procedesse à rescisão do meu contracto no final deste mês. A funcionária, do outro lado da linha, foi de uma eficácia que me deixou os cabelos em pé e à beira do colapso mental. Ou seja, cortou tudo, de imediato, sem esperar pelo primeiro de Junho. Num instante, fiquei náufrago no oceano da internet, desconectado do mundo. Senti-me como um Robinson Crusoe dos tempos modernos.
Notei o erro sem demoras. Telefonei de volta, através de um número que está fora desse circuito, mas já era tarde. A partir das 20:00 horas não há resposta a questões comerciais. Com a ajuda da minha filha e depois de muitas tentativas, consegui chegar a um chefe de serviço, por volta das 21:00. Disse-me que sim, que estava a ver o erro, que iria providenciar para que fosse reparado sem demoras. Nestes tempos de Covid e de mudança, não se pode estar sem comunicações, sem internet, acima de tudo. Foi muito rápido, no que respeita à factura dos custos da reposição do serviço. Cinco minutos depois, a conta já estava na minha caixa de correio. Mas nada de reposição do serviço. O mundo para lá do horizonte pareceu ainda mais distante, inteiramente fora do alcance do novo Robinson.
Hoje, logo pela manhã, voltei a telefonar. Disseram-me que sim, que tinha sido bom que eu os tivesse contactado tão prontamente, ontem à noite, antes que o corte se tornasse final. Fiquei feliz com a informação, mas profundamente infeliz quando acrescentaram que a ligação seria estabelecida entre hoje e amanhã. O que havia demorado uns segundos a desligar, iria demorar dois dias a ligar. Robinson Crusoe diria que Proximus ainda não chegou ao ano 2020 e à época do Covid.
Pouco a pouco, a nossa parte da Europa volta a um certo grau de normalidade. Fazê-lo com prudência, por etapas, é boa política. A principal mensagem que deve ser transmitida aos cidadãos é sobre a responsabilidade de cada um. O vírus ainda não está vencido, continua a circular entre nós, por isso, cada pessoa tem que assumir uma atitude que mostre cuidado e precaução. É nisso que se deverá insistir.
Digo-o por ter falado com pessoas que entendiam o relaxamento das regras como um regresso aos velhos hábitos.