O discurso que o Chanceler alemão, Olaf Scholz, pronunciou ontem no Bundestag, o Parlamento federal, foi memorável. Constituiu uma viragem histórica, no que respeita a política externa da Alemanha. Se os analistas não estivessem inteiramente focados na crise ucraniana, estariam agora a comentar o que Scholz disse. E também sublinhariam que o líder da oposição, da CDU de Angela Merkel, apoiou sem reservas o que o Chanceler social-democrata anunciou. Ou seja, a quase totalidade dos representantes políticos ao nível federal aprovou as novas orientações em matéria de política externa.
Um dos aspectos mais relevantes é promessa de, a partir de agora, investir na modernização e na eficácia das forças armadas do país. É a famosa questão dos 2% do PIB serem gastos na área da defesa. Um outro aspecto refere-se a investimentos no domínio da energia, de modo pôr um ponto final à dependência em relação à Rússia. Lamentavelmente, no entanto, a nova política energética assenta na expansão da importação de gás liquefeito – para isso serão construídos dois novos portos especialmente apetrechados – e na revisão das decisões que levaram ao fecho das centrais nucleares.
Muito do que disse teve como pano de fundo a ameaça que Vladimir Putin representa. Muito especialmente, a agressão contra a Ucrânia.
As sanções económicas e financeiras que foram decididas este fim de semana contra a Rússia terão um impacto muito profundo.
A questão do SWIFT é particularmente importante. A experiência com casos passados – Coreia do Norte e Irão – revela que uma grande parte do comércio externo do país sancionado fica suspensa. O sistema de pagamentos internacionais deixa de funcionar e as alternativas são escassas e complexas. A Rússia criou no passado recente um sistema independente do SWIFT, mas o número de bancos aderentes não ultrapassa as duas dezenas. E esses bancos, ao ter em conta as medidas de exclusão agora decididas, irão certamente hesitar no que respeita a transacções com a Rússia, com receio das penalidades e repercussões secundárias.
Mas ainda mais importante é a decisão de bloquear muitas das operações do Banco Central da Rússia. Vladimir Putin contava com os 630 mil milhões de dólares que esse banco tem como reservas em divisas e em barras de ouro. O problema é que uma boa parte dessas reservas se encontra depositada noutros bancos centrais, em países que agora adoptaram o regime de sanções. Assim, vai ser muito difícil ter acesso a esses depósitos. Isto vai levar a uma crise profunda da moeda nacional, o rublo, bem como a dificuldades de financiamento dos bancos comerciais russos.
A extrema gravidade destas medidas punitivas poderá explicar a decisão tomada hoje por Vladimir Putin de ameaçar os países da NATO, ao decretar o alerta máximo das forças russas de dissuasão nuclear.
Estamos num processo de agravamento sucessivo e acelerado da confrontação entre as partes.
Ao ver e ouvir os analistas que hoje apareceram na comunicação social, cheguei à conclusão de que não têm lido o que tenho escrito sobre os interesses da China, no que respeita à Ucrânia, ao multilateralismo, bem como às relações com a União Europeia. Terei que voltar a escrever sobre esse assunto. Sobretudo agora, depois da abstenção da China no Conselho de Segurança da ONU, quando ontem se votou a proposta de resolução que “deplorava” a invasão da Ucrânia pela Rússia. Essa abstenção tem um significado imenso: a China não aprova a violação da lei Internacional agora praticada pela Rússia.
Os dirigentes chineses olham para estas coisas com um sentido estratégico muito apurado. O critério absoluto é o da estabilidade da política interna chinesa, ou seja, a manutenção da legitimidade política do Partido Comunista. O resto tem uma importância menos relevante.
Por falar na reunião do Conselho de Segurança de ontem, é interessante notar que a Índia se absteve igualmente. As relações diplomáticas e a coincidência de interesses entre a Índia e a Rússia são muito fortes. Nova Deli está, no entanto, numa posição difícil na medida em que precisa de reforçar as suas relações com os Estados Unidos e com a Europa. A posição ambígua que adotaram ficará registada nas diferentes capitais europeias e em Washington.
A decisão criminosa da Vladimir Putin está a envenenar relações internacionais, para além do sofrimento e da destruição que provoca ao corajoso povo ucraniano. Está igualmente a criar um crescendo de tensões entre a Rússia e os países do Ocidente europeu, o que me parece extraordinariamente perigoso. Só um tolo não vê a gravidade da situação. E a necessidade de se pensar de modo estratégico, de modo a evitar o pior cenário.
A invasão militar ordenada por Vladimir Putin contra Ucrânia levanta toda uma série de questões. Mas acima de tudo, é preciso afirmar de maneira clara que uma decisão desse tipo viola a lei Internacional, é criminosa e inaceitável. A única resposta irrefutável da comunidade internacional é da condenação de um acto de guerra desse tipo e a exigência da retirada imediata das forças invasoras. É óbvio que Putin não o fará. O seu objectivo consiste em transformar o país num estado vassalo do Kremlin. Não creio que pretenda integrar a Ucrânia na Rússia. Mas quer certamente colocar à frente do país um grupo dirigente que aceite uma subordinação total
Do lado da União Europeia, uma resposta complementar consiste no agravamento e na expansão das sanções económicas e financeiras, bem como contra personalidades do regime. Essas medidas devem punir os principais responsáveis políticos e aqueles que estão ligados às indústrias estatais de maior importância, nomeadamente as relacionadas com o desenvolvimento das forças armadas. Devem igualmente ter um impacto directo nas dimensões financeiras e tecnológicas da economia russa.
Nesta fase, Putin não aparece incluído na lista das personalidades sancionadas. Esta é uma questão que deve ser ponderada e muito provavelmente revista se a ofensiva continuar. A opinião pública europeia precisa de acreditar nas sanções. A inclusão de Putin dará muito mais credibilidade à decisão de sancionar
Estamos à beira de ataques cibernéticos em massa contra alvos na Ucrânia e nos estados-membros da União Europeia. Os objectivos são de duas ordens: criar uma complexa paralisia de serviços essenciais; roubar informação sensível.
O ataque contra o Ministério dos Negócios Estrangeiros português terá visado a obtenção de informação sensível. Aparentemente, foi um ataque com sucesso.
O Presidente Vladimir Putin continua a apostar no uso da força e no agravamento das tensões com os seus adversários, na Ucrânia, na Europa e nos Estados Unidos. Essa postura está a levar a Rússia para as margens da ordem internacional. A própria China mostrou claramente que não apoia a violação das fronteiras e da soberania nacional da Ucrânia. Até agora, Putin pode apenas contar com a camaradagem de meia dúzia de Estados marginais, a começar pela Síria de Bashar al-Assad.
A adopção de um primeiro conjunto de medidas restritivas contra a Rússia, por parte da União Europeia, dos Estados Unidos e de outros, tem como objectivo não agravar demasiado a situação e manter uma oportunidade para o diálogo diplomático. É verdade que já ninguém acredita verdadeiramente na possibilidade de uma solução negociada. Mas isso não quer dizer que se deva, desde já, fechar todas as portas. Neste tipo de crises é essencial deixar sempre uma porta de saída aberta.
O meu escrito de ontem despertou muita atenção e vários comentários. Neste blog, não há censura e cada um pode comentar como entender. É, no entanto, fundamental que cada opinião seja expressa para discutir ideias e não para chamar nomes aos outros ou insultar seja quem for. Os insultos só mostram falta de nível e de argumentos. Quem quiser utilizar essa técnica pode comentar o que Donald Trump escreve, pois o antigo Presidente sempre foi um especialista na utilização de expressões grosseiras e ofensivas. Cada um deve procurar a companhia que melhor se coaduna com a sua personalidade.
O reconhecimento das duas regiões separatistas e rebeldes da Ucrânia por Vladimir Putin viola o acordo de Minsk, a lei Internacional e o processo diplomático em curso. É simplesmente inaceitável. Deve ser objecto de sanções abrangentes e do repúdio claro, por parte da comunidade internacional. A União Europeia, em nome de cada Estado membro, tem de responder com medidas enérgicas e inequívocas. Desde já.
Este reconhecimento é apenas um passo para uma intervenção armada da Rússia na Ucrânia. O plano parece ser bem mais ambicioso. Por isso, a adopção de medidas contra Vladimir Putin e o seu regime corrupto e antidemocrático deve ir tão longe quando possível e criar com o maior número possível de obstáculos à clique dirigente russa.
A próxima etapa será provavelmente a entrada de tropas russas nas duas regiões rebeldes. Depois, Putin inventará pretextos para uma operação de grande envergadura ao nível de Kyiv. O objectivo final já não será apenas o de instalar um governo fantoche no país mas sim o de anexar toda a Ucrânia.
Tudo isto acontece depois de dois anos de pandemia, ou seja, numa altura em que a principal preocupação deveria ser a recuperação económica e a passagem a um outro tipo de cooperação Internacional. O grande desafio agora é conseguir-se essa recuperação e um novo tipo de relações internacionais, deixando o regime ditatorial fascista de Vladimir Putin tão isolado quanto possível. A nova era exige que se mostre a quem não respeita as normas internacionais e a democracia que o ostracismo é a resposta adequada.