Todos sabiam que Liz Truss não tinha as qualidades necessárias para desempenhar as funções de primeiro-ministro. Mas os membros do Partido Conservador votaram nela para não votar num candidato de pele escura, de origem indiana, ou seja, num britânico tolerado, mas não inteiramente aceite. Assim pensa um conservador britânico tradicional. Perante isto, o caos actual em que se encontra o governo de Sua Majestade é partilhado: uma parte resulta da incompetência de Truss, a outra da xenofobia discreta dos mais conservadores entre os conservadores. É uma crise mais profunda, por isso, do que possa parecer. E lembra-nos que esse tipo de xenofobia e sentido de superioridade foi o que levou uma maioria dos britânicos a votar pelo Brexit. Por isso, pensar que a crise em curso poderá abrir a possibilidade de um recuo em relação ao Brexit é um engano. A ideia, a convicção que eles são melhores do que os outros europeus continua entranhada na cabeça de muitos. Incluindo na cabeça de muitos cidadãos descendentes da imigração asiática, da Índia e do Paquistão.
O voto na Assembleia Geral da ONU (143 a favor contra 5, mais 35 abstenções) foi uma profunda derrota política para a Rússia de Vladimir Putin. Essa é a principal utilidade da AG: mostrar ao mundo que determinadas políticas geram uma condenação muito ampla por parte da comunidade das nações. É verdade que não se trata de uma resolução vinculativa. Mas tem muito peso político. E será frequentemente citada, para mostrar que a decisão russa de invadir a Ucrânia viola a lei e o consenso internacionais.
Este é o link para a minha crónica de hoje no Diário de Notícias. Cito, de seguida, umas linhas desse meu texto.
"Mais ainda, escrevi que se fosse disparado um primeiro tiro, por muito tático, local e limitado que fosse, seria sempre o ponto de partida para uma grande guerra.
Assim continuo a pensar e julgo que estou na mesma onda de pensamento de Vladimir Putin. Dito de modo mais claro, não creio que, neste momento, o presidente russo esteja pronto para recorrer ao armamento nuclear, mesmo quando faz cara de mau e jura que não é bluff. Sublinho, note-se, neste momento."
Se a Nova Ordem Internacional reconhecer regimes ditatoriais como modelos, só porque são grandes potências – estou a pensar na China e na Rússia –, então deixem-me continuar na ordem actual, que reconhece as liberdades individuais e os direitos humanos. Na verdade, a ordem mundial que quero ver estabelecida é uma que respeite as pessoas, que lhes permita viver em paz e segurança, e com dignidade. Por isso, é fundamental lutar pela primazia dos valores sobre a força, pelo valor da vida de cada cidadão e pela necessidade de aprofundar a cooperação internacional. E o respeito pela natureza, pelo equilíbrio ecológico, pela renovação dos recursos naturais.
É nesse sentido que o mundo pós-pandemia e pós-agressão russa deve evoluir. É isso que os cidadãos de Myanmar, do Burkina Faso, da Nicarágua, da Síria, da Ucrânia, da Rússia e muitos outros ambicionam.
Acho importante que se debata o que significa construir um mundo novo.
A resolução que defende a integridade territorial e a soberania da Ucrânia, e condena as farsas que a Rússia organizou chamando-lhes referendos, foi aprovada por 143 Estados membros da ONU. Cinco países votaram contra, ou seja, ao lado da Rússia – a ditadura que é a Bielorrússia, a célebre Coreia do Norte, a desgraçada Síria, o palhaço da Nicarágua, bem como a Rússia, claro. As abstenções somaram 35 e incluem Moçambique.
Foi uma enorme vitória para a Ucrânia, do ponto de vista político. Não tem, no entanto, efeitos vinculativos. Mas mesmo assim, mostra claramente a condenação geral da Rússia e da sua agressão.
Facebook e Instagram, e a companhia que detém essas plataformas, foram designados pelos ditadores que estão a levar a Rússia ao abismo como sendo organizações terroristas e extremistas. Assim quem utilizar estas redes sociais na Rússia pode ser condenado por apoiar ou participar num agrupamento terrorista. De facto, a repressão da clique dirigente não tem limites. É sempre em frente, até à derrocada final.
O Alto Comissariado da ONU para os Direitos Humanos considera que a chuva de mísseis russos, que aconteceu ontem e hoje na Ucrânia, podem ser considerados crimes de guerra. Estou inteiramente de acordo. Até porque os russos dizem que são disparos de alta precisão, que acabam por atingir alvos civis e infraestruturas que nada têm de ver com os combates. Se são tiros precisos, então são ataques deliberados contra civis, para aterrorizar.
São, além disso, uma tolice revanchista. Esses mísseis russos fazem falta para defender as tropas russas e estão a ser gastos por razões de vingança, que em nada servem os objectivos militares. A questão da disponibilidade de munições é, cada dia que passa, uma questão mais premente.
Dizem-me que nas minhas intervenções públicas mais recentes falo repetidamente de escalada, que o conflito está a ficar mais intenso à medida que o tempo passa. Infelizmente, assim o vejo. E quando digo escalada, quero sublinhar que Vladimir Putin está cada vez mais perigoso, mais próximo do abismo. Também quero frisar que tudo o que possa ser feito para o conter, deve na verdade ser feito.
Como seria de esperar, Vladimir Putin atribuiu o ataque de ontem contra a ponte na Crimeia aos serviços secretos ucranianos. Essa declaração visa preparar o público russo e a comunidade internacional para as medidas de retaliação que serão decididas amanhã, no Conselho de Segurança da Federação Russa. Mas parece-me possível que a retaliação só seja levada a cabo após a reunião da Assembleia Geral da ONU, que começará também amanhã a discutir as anexações de territórios recentemente realizadas pela Rússia, depois da farsa dos referendos, e que deverá votar uma moção de condenação dessas anexações na quarta-feira. A Rússia quer obter o máximo de abstenções durante essa votação e, por isso, não deverá fazer nada de dramático antes do voto. Putin está, no entanto, sob pressão para retaliar tão prontamente quanto possível. Ou seja, por um lado, sabe que seria importante esperar, por outro, tem de ser visto como um líder sem hesitações.
Não sei quem foi o organizador da explosão contra a ponte que liga a Rússia à Crimeia. Nem me parece razoável especular sobre a autoria desse atentado. Quero apenas dizer que foi um acontecimento extremamente significativo, pelo impacto político e logístico que tem. Não foi apenas uma secção da ponte que ruiu. Terá sido também uma parte importante da credibilidade interna da liderança russa. Os cidadãos russos perceberam, uma vez mais, que o poder militar e o sistema de defesa russos são frágeis. E que essa fragilidade começa no topo. Ou seja, Vladimir Putin deve ter ficado muito abalado. A questão que se põe agora é a seguinte: que tipo de retaliação vai decidir?