Portas de vidro
Depois de bater com o nariz na porta de vidro da entrada P-2 do Corte Inglês, tendo ficado atordoado e febril durante umas horas, que a porta finge que se abre, mas são apenas as laterais que o fazem, prometi que nos próximos dias deixaria de me encontrar com os amigos que se sentem deprimidos, que apenas falam da crise, do governo, dos pulhas dos partidos, da política e da comunicação social, e do pessimismo que os anima. É que isso me deixa taciturno e me faz esquecer as portas que nunca se abrem.
Para meu azar, logo pela manhã, a primeira coisa que fiz foi descer ao rés-do-chão para comprar o jornal, e sou apanhado numa discussão sobre o estado da justiça. Uma mulher de aspecto simples queixava-se alto e bom som da falta de justiça, com um caso pendente contra o ex-marido que nunca mais se resolve. A empregada da papelaria vira-se então para mim e pergunta: o senhor está de acordo, não é verdade, que a justiça no nosso país é apenas uma fachada e só serve para os ricos?
Saí de lá pronto a bater com o nariz noutra porta de vidro invisível. Ou, dito de outro modo, é mesmo difícil não andar a bater com a cabeça nas paredes de vidro.