"As declarações políticas mais recentes e as subsequentes decisões do governo em matéria de equipamentos e gastos militares mostram claramente quais são as prioridades de defesa do Japão atual. Revelam, igualmente, a complexidade do xadrez geopolítico em que o Japão se insere. A curto termo, trata-se de reforçar o sistema antimísseis, tendo presente os riscos e a imprevisibilidade da liderança da Coreia do Norte. A médio prazo, a intenção é a de aprofundar a cooperação económica com a vizinha Rússia, especialmente à volta do Ártico. Uma cooperação que possa levar, finalmente, à assinatura de um acordo de paz entre ambos. A outra faceta, no mesmo horizonte temporal, tem que ver com a expansão hegemónica da China, nos mares e nos céus que rodeiam o Japão. Essa é a ameaça fundamental, estratégica, na ótica de Tóquio", afirma Victor Ângelo, antigo alto quadro da ONU, onde chegou a ser equiparado a secretário-geral adjunto."Entretanto, agora e no futuro previsível, os líderes japoneses sabem que continua a ser absolutamente indispensável privilegiar a relação de defesa com Washington", acrescenta Victor Ângelo, notando que demorará anos a completar-se o reforço militar japonês.
Extracto do artigo que Leonído Paulo Ferreira publicou no DN sobre as novas opções militares do Japão. Esta foi a minha contribuição.
O regime da Coreia do Norte não respeita os princípios básicos das relações internacionais entre estados. É um regime fora-da-lei. Por isso, assim deve ser tratado. Como um regime inaceitável. As relações diplomáticas com esse governo devem ser reduzidas ao mínimo. E as sanções políticas devem ser acompanhadas por um modelo extremamente apertado de sanções económicas e financeiras, que apenas deixe de fora os bens e serviços de natureza humanitária. É isso que se espera que o Conselho de Segurança da ONU adopte.
Pôr no mesmo pé Kim Jong-un e qualquer outro líder mundial, incluindo D. Trump, é má política. Kim é um violador das normas internacionais e a maior ameaça que existe para a paz, a segurança e a prosperidade de centenas de milhões de pessoas. E isso precisa de ser dito com clareza, incluindo pelos dirigentes chineses e russos. Podem tê-lo utilizado para tentar diminuir a influência americana na Península da Coreia. Mas ele é agora o feitiço que saiu da garrafa e se irá virar, também, contra os interesses dos chineses e dos russos.
Kim Jong-un e a sua clique têm que ser postos na ordem. Essa deve ser, neste momento, a maior preocupação das principais potências do mundo.
Segundo dados das Nações Unidas (CNUCED), em 2014 o investimento estrangeiro na China totalizou 128 500 milhões de dólares americanos. Por outro lado, o montante total investido pela China no resto do mundo foi calculado em 116 000 milhões. Ou seja, o estrangeiro ainda investe mais na China do que esta no estrangeiro.
Mas a tendência, desde 2005, tem sido para uma aceleração do investimento externo chinês. Dentro de um ou dois anos, as entradas e saídas de capitais deverão ser mais ou menos equivalentes.
Por muito que se diga, esta evolução é positiva. Tem em conta o imenso mercado que a China representa e o vasto potencial de crescimento que ainda está por explorar. E, ao mesmo tempo, permite a muitas outras economias tirar partido dos enormes recursos em capital que o país produz. E não se trata apenas de investimentos para captar matérias-primas em África ou noutros países menos avançados. Uma boa parte dos fluxos externos provenientes da China têm os EUA e a Europa como destinatários. No caso da Europa, são as economias mais sofisticadas que atraem, cada vez mais, os investidores vindos do extremo-oriente.
Há, ainda, a dimensão política. O entrelaçar de interesses cria uma aproximação política, que é fundamental para a estabilidade internacional. O crescimento do comércio e das trocas entre os Estados ajuda a construir a paz.
Nisto, como em tudo, é preciso saber aproveitar o lado bom das coisas.
Convido à leitura do texto que hoje publico na Visão.
A frescura do Butão
Victor Ângelo
A aproximação do aeroporto de Paro, a única porta de entrada para quem viaja de avião para o Butão, dá-nos um primeiro gosto do país: montanhas por toda a parte. É verdade que estamos nos contrafortes dos Himalaias. Paro situa-se a 2400 metros de altitude. Olho pela janela e quase que toco, de um lado e do outro das asas do Airbus, nos imensos paredões de rochedos que fecham o vale que conduz à pista de aterragem. Há poucos pilotos habilitados para voar para esta terra. E serão todos da companhia de aviação local, que mais nenhuma se aventura por estas paragens.
Sempre foi um país de difícil acesso. Mas isso não impediu um outro alentejano, o jesuíta Estêvão Cacela, de o visitar, no ano de 1627, na companhia de João Cabral, um padre beirão. Foram os primeiros europeus por aqui. Cacela escreveu uma longa carta sobre a viagem, dizendo que o lugar era místico, inspirava paz, tranquilidade e felicidade. Quatrocentos anos depois não terá mudado muito. Só que já ninguém se lembra desses missionários. Agora, Portugal traz de imediato à conversa dos butaneses dois outros nomes: Cristiano Ronaldo e Nani. Mencionei Mourinho, mas percebi de imediato que o nome não passa bem, numa cultura em que prima a cortesia e que recusa todo o tipo de agressividade e de autoadmiração.
O respeito pelos outros e pela natureza, a disciplina social e o fervor religioso, à volta de um budismo fortemente marcado pela mitologia hinduísta, são outras das características que definem a cultura local. Mas o traço mais evidente tem que ver com a proteção da identidade nacional, que se manifesta na maneira de vestir em público e na deferência em relação ao rei. Compreende-se. Apertado entre a China, a norte, e a Índia, dos três lados restantes, com um território que é cerca de metade do nosso e uma população que não ultrapassa as 800 mil almas, o Butão precisa, para se manter independente, de ser diferente e de possuir um forte sentimento de orgulho nacional. Consegue fazê-lo. Comete mesmo a proeza de não ter relações diplomáticas com a China, apesar da longa fronteira comum. É verdade que isso se faz à custa de um alinhamento diplomático estreito com a Índia. Mas, em política externa, tem que haver realismo, e na escolha entre os dois vizinhos, há um que não ocupou o Tibete, uma região que tem uma cultura gémea da butanesa.
Percorrer as estradas e os trilhos do Butão é descobrir um modo de vida que, ao combinar o tradicional e o moderno, se desenrola em grande harmonia com a natureza. A Constituição, revista em 2008 para democratizar o regime e limitar os poderes do rei, que passou a ser obrigado a abdicar ao atingir a idade de 65 anos, protege a natureza – 60% do território nacional é intocável e tem que ser preservado tal como está – e o bem-estar dos cidadãos. Este é o país que definiu o bem-estar como sendo mais importante que o produto interno bruto. Mas isso não impede um processo de desenvolvimento acelerado, que me surpreendeu de modo positivo, e que põe o Butão à frente de muitos outros países comparáveis. Assenta na educação obrigatória, transmitida em língua nacional e em inglês, na produção de energia hídrica, exportada para o imenso mercado que é a Índia, na autossuficiência alimentar e no nicho do turismo de qualidade. E numa prática política responsável, que promove a alternância e que reconhece o mérito da oposição e das opções governativas diferentes.
Nestes tempos em que se procuram ideias alternativas, vale a pena visitar o país, voltaria a dizer hoje o Padre Cacela. E não o diria apenas por causa do ar puro das montanhas ou pelo facto da venda de tabaco ter sido banida no Butão.
Passei as últimas quatro semanas a viajar pela Ásia do Sudeste, incluindo por Myanmar e pelo Butão, que são dos países mais pobres da região. Fiquei surpreendido pelo ritmo de desenvolvimento. Estão a crescer a olhos vistos. Dinamismo e optimismo são as palavras que melhor definem a situação em que se encontram, actualmente, esses estados. Em comparação, Portugal parece um país parado no tempo, pouco preparado para enfrentar as mudanças profundas que estão a bater à porta do futuro de todos nós.
Estive recentemente em Singapura, depois de doze anos de ausência. Foi-me difícil reconhecer a cidade, apesar de a ter conhecido bem no passado. O reordenamento urbano, especialmente na área da Marina e nos bairros residenciais na parte Leste, na direcção do aeroporto, é simplesmente espectacular. Reflecte bem a riqueza existente, uma enorme capacidade de investimento, bem como a preocupação política de mostrar que Singapura é o epicentro da região, o local onde as grandes empresas devem ter a sua sede regional.
A filosofia governativa, inspirada no pensamento do Pai da Nação, o homem que transformou a independência de um lugar perdido e pouco hospitaleiro numa sociedade evoluída e segura, Lee Kuan Yew, hoje um velho senhor de 90 anos, tem sido sempre a mesma: ser o número dois não chega, é preciso, isso sim, ser-se o melhor!
Pode dizer-se muita coisa sobre Lee Kuan Yew, a sua visão autoritária e paternalista, e também sobre Singapura. Mas acima de tudo convém não esquecer que sem uma ambição nacional que nos procure colocar no topo não se constrói um país moderno, capaz de oferecer oportunidades de vida para todos.
Também o ponha à disposição do leitor nos parágrafos que se seguem.
Putin, nós e o futuro
Victor Ângelo
2013 terminou com meio mundo a falar de Putin. A catástrofe política e humanitária na Síria, o dilema na Ucrânia, a retórica antiocidental que prima na comunicação social russa próxima do regime e a libertação de Mikhail Khodorkovski e outros mantiveram o senhor do Kremlin nas primeiras páginas da imprensa internacional. Recentemente, a revista Forbes considerou que Putin foi a pessoa mais poderosa do ano.
Olhando agora para 2014, continuamos a ver Vladimir Putin no centro da cena internacional. Vários acontecimentos de relevo prometem continuar a dar-lhe um protagonismo excepcional. A Síria de Bachar Al-Assad será discutida em Genebra em finais de Janeiro, sabendo que poderá contar uma vez mais com o apoio da Rússia. Depois, teremos os Jogos Olímpicos de Inverno em fevereiro e a cimeira do G8 em junho. Ambos os eventos vão ter Sochi como cidade anfitriã. Uma cidade que Putin quis transformar no espelho da modernização nacional, à custa de um investimento exorbitante de 52 mil milhões de dólares. Mais tarde, nos primeiros dias de setembro, a Rússia será o fantasma a pairar sobre a Cimeira da OTAN, no País de Gales, sobretudo quando for necessário tomar uma decisão final sobre a instalação do sistema compreensivo de defesa antimíssil. Este é um tema que envenena, de modo muito especial, o relacionamento entre Putin e o Ocidente. Sem esquecer que a questão do alargamento da Aliança Atlântica para Leste continuará na ordem do dia, o que desagrada de sobremaneira ao Kremlin, sobretudo se a candidatura da Geórgia se mantiver.
A verdade é que Putin gosta de estar no foco das atenções. Por razões pessoais e por motivos nacionalistas. Acredita que a sua missão é a de fazer renascer o país dos escombros que resultaram da desintegração da União Soviética. Consequente com a tradição ultranacionalista, pensa que o país precisa de um líder forte, determinado, escorado nos valores da Igreja Ortodoxa e na superioridade da cultura russa, capaz de resistir às conspirações do Ocidente. A ambição é fazer regressar a Rússia ao estatuto de grande potência, em paridade com os Estados Unidos. Para o conseguir, Putin julga que o caminho passa pela imposição de respeito a todo o custo, pela intimidação dos vizinhos e por uma política de confrontação com a Europa.
Esta é uma visão retrógrada. As ameaças que a Rússia tem de enfrentar são no fundamental internas. Têm que ver com a fragilidade das instituições, as limitações à liberdade individual, as distorções da economia, a gravidade dos problemas sociais e com questões de identidade nacional.
Ao nível das instituições, a democracia e o respeito pelos direitos humanos estão ainda em construção. O sistema de justiça precisa de se libertar da manipulação vinda do poder político. A administração pública tem que vencer a corrupção e o nepotismo. Note-se que em 1999 a Rússia surgia na posição 82, no índice de corrupção calculado pela Transparency International. Agora está na posição 127, o que a coloca muito mal, numa escala que compreende 177 estados. Em termos das liberdades fundamentais, os problemas são conhecidos. Lembro apenas que no índice da World Press Freedom, a Rússia de Putin passou da posição 121, em 2002, para a 148, o que traduz uma deterioração do clima de liberdade de opinião nos últimos dez anos.
Do ponto de vista económico, a Rússia é um dos BRICS. Para mim, isto significa crescimento. E assim tem sido. A época de Putin tem sido marcada por uma melhoria apreciável das condições de vida, sobretudo nas grandes cidades. A classe média viu os seus rendimentos triplicar. O Estado tem reservas em divisas como nunca teve, com um valor estimado em 511 mil milhões de dólares. Trata-se, no entanto, de um crescimento desequilibrado. Assenta, no essencial, no petróleo e no gás, bem como noutras indústrias extractivas. O resto do tecido económico permanece atrasado e incapaz de competir nos mercados internacionais. Pior ainda, o país não consegue atrair um nível razoável de investimento. Em 2012, a saída de capitais para o estrangeiro foi de 55 mil milhões de dólares e no ano que agora acabou, a fuga foi estimada em cerca de 65 mil milhões. Ou seja, os milionários russos não acreditam na estabilidade a prazo do seu próprio país. E os investidores estrangeiros ainda menos. Ora, o potencial é imenso. Quer na Sibéria ou nas regiões do extremo oriente, quer ainda no Ártico. Uma parte considerável das futuras fronteiras do desenvolvimento económico mundial irá passar por essas terras.
A problemática social tem que merecer uma atenção redobrada. É verdade que a política actual conseguiu travar o declínio populacional que vinha a ocorrer desde 1991. Há, todavia, muito por fazer, quer em termos de saúde pública, em especial no combate ao alcoolismo e ao aumento das infecções por VIH, quer ainda no que respeita à expansão acelerada do consumo de drogas. Sem esquecer que existe uma proporção elevada de cidadãos a viver abaixo da linha de pobreza. As desigualdades sociais extremas definem a Rússia de hoje.
Num país que foi construído à volta do mito da supremacia das raízes russas, as minorias étnicas e culturais são um desafio de fundo e constante. Para além da centena de grupos étnicos que formam a Federação Russa, há igualmente que ter presente o potencial de destabilização que existe nas repúblicas em que a maioria da população é de cultura islâmica. A instabilidade é particularmente aguda nas regiões do Norte do Cáucaso, do Daguestão à Chechénia. A resposta de Putin tem consistido num misto de autonomia e repressão. Essa é a resposta clássica, própria de quem acredita no uso da força. Não tem em conta que é preciso combater o racismo de muitos russos em relação às outras etnias e promover o desenvolvimento dessas terras distantes da capital.
Não convém, finalmente, esquecer as ameaças externas. Três quartos do território nacional estão na parte asiática do país, mas três quartos da população vivem na parte europeia. Este facto poderá dar asas à imaginação chinesa. A China tem um problema de espaço e de recursos. A norte, do outro lado da fronteira, há todo um território por explorar. Na minha opinião, a segurança externa da Rússia tem que ver, a prazo, com a sua frente oriental. Moscovo está a investir de um modo acelerado na revitalização das suas forças armadas. Vê as fronteiras do lado da OTAN e o Ártico como as áreas prioritárias de defesa. Talvez fosse mais estratégico apostar num relacionamento diferente com a Europa e os EUA, pensar em termos de cooperação e não de hostilidade. E virar-se para o Oriente. Uma presença mais forte na Ásia contribuiria de modo significativo para reequilibrar a balança de poderes nessa região do mundo. Com o tempo transformaria a Rússia numa ponte entre a Europa e o Extremo Oriente. Parafraseando o que Putin disse há uns anos, seria assim um dia possível caminhar de Lisboa a Vladivostok em segurança. Ganharíamos todos.
Estive ontem numa reunião sobre ASEAN, a Associação dos Estados da Ásia do Sudeste, uma comunidade que reúne 10 países, num total de 600 milhões de habitantes.
Timor é candidato a membro, mas tem encontrado a oposição de Singapura, que considera a antiga colónia portuguesa como demasiado subdesenvolvida para poder ser admitida. Curiosamente, o grande aliado de Timor é o governo de Jacarta. Assim, com o apoio explícito da Indonésia é muito provável que Timor consiga entrar para a ASEAN em breve.
A UE é um grande parceiro comercial destes estados. Existem acordos privilegiados de comércio com Singapura, a Malásia e o Vietname. Outros países deverão seguir o mesmo exemplo, se Bruxelas souber jogar bem as cartas. Mas a região privilegia, acima de tudo, as relações económicas com a China, a Coreia do Sul, o Japão, a Austrália e a Nova Zelândia, por razões de proximidade. A Índia é, também, um parceiro cada vez mais presente na região.
Com uma taxa de crescimento económico de 8,2% em 2011 e de 7.3% (prevista) em 2012, ASEAN tem um dinamismo que faz inveja a muitos. Mas também tem muitos problemas por resolver. Certos estados membros têm um nível de desenvolvimento relativamente baixo - o Camboja e Myanmar são dois exemplos - e existem problemas de governação, transparência das contas publicas e de direitos humanos. Como existem, igualmente, algumas tensões militares, quer internas quer com a China, e problemas de pirataria no estreito de Malaca.
É, no entanto, uma região que vale a pena acompanhar com atenção. A UE precisa de reconhecer a importância económica e estratégica desta região da Ásia. E deve definir uma política comum para a região.