Hoje tomou posse o XXIII governo constitucional. Tenho dúvidas muito sérias sobre a competência de alguns dos empossados. Nalguns casos, só lhes conheço facilidade de conversa, mas sem experiência nem substância que se veja. Mas não vou entrar no jogo dos que criticam antes de ver os resultados. Por isso, nesta fase, a única coisa que me parece razoável é desejar os maiores sucessos à nova equipa.
Passados oito dias, os jornais continuam cheios de comentários sobre o resultado das legislativas. Na verdade, já cansa.
As eleições revelaram um Portugal que mudou e que continua em mudança bem como um dirigente político que inspira confiança, realismo e moderação a uma parte significativa do eleitorado português. Quanto ao resto, será preciso esperar pela formação do novo governo, para que se possa perceber quais foram as lições que António Costa tirou dos resultados eleitorais. A composição do governo, o discurso de tomada de posse e as primeiras intervenções na nova Assembleia da República serão os momentos mais importantes dos próximos tempos. A partir daí será possível comentar com mais fundamento o que o novo ciclo político nos anuncia.
Para já, o que se diz e escreve serve apenas para encher horas de emissão e páginas de jornais. Só segue essas matérias quem não tem mais nada para fazer. Ou então, quem ganha a vida a especular, a criar factos políticos e a atacar ou repetir o que outros já disseram. Pessoalmente, não tenho nem tempo nem paciência para essas coisas. Sobretudo agora, quando a Europa se encontra numa encruzilhada perante um grupo dirigente russo que é um verdadeiro desafio à estabilidade e à segurança do nosso continente.
Os resultados eleitorais mostraram um elevado grau de maturidade dos cidadãos. Houve empenho em participar, apesar da situação pandémica, e uma votação útil à esquerda, onde a única opção razoável, para a maioria, era um voto no PS. À direita, houve uma dispersão, por uma razão que me parece clara: a alternativa de direita, que era encabeçada por Rui Rio, não convenceu. Rio mostrou não ter o carisma nem uma imagem de estadista que fossem suficientes para captar eleitores. Apareceu, aos olhos de muitos, com demasiada ligeireza, que não convencia as pessoas que havia ali um dirigente de um futuro governo. Faltou-lhe gravidade, no sentido de solenidade de maneiras e tratamento profundo das questões.
O grande vencedor foi, na verdade, António Costa. Conseguiu fazer passar uma mensagem de seriedade política, de estabilidade e equilíbrio. Tem todo o mérito. Até porque não foram umas eleições fáceis. Uma parte do eleitorado que desta vez disse não à abstenção veio para votar à direita. Mas Costa soube manter a sua base de apoio e captar os que haviam anteriormente votado comunista ou pelo Bloco.
Uma maioria absoluta é muito melhor do que uma geringonça a cair aos bocados. Sobretudo uma geringonça com um partido do passado e outro de irrealistas românticos, incapazes de compreender como cresce um país e que alianças externas deve ter. O fim desse estranho arranjo político é talvez o ponto mais positivo desta eleição.
A dúzia de deputados do Chega irá fazer algum barulho na Assembleia da República. Mas como diria o saudoso Almirante Pinheiro de Azevedo, se ainda estivesse entre nós, será só fumaça. O povo mostrou, acrescentaria, ser sereno.
Parabéns a António Costa pela sua vitória eleitoral.
E igualmente aos eleitores, que apesar da pandemia, votaram e fizeram diminuir a percentagem da abstenção.
Quando ao resto, ainda é cedo para tirar conclusões, excepto que Rui Rio não convence o eleitorado e que os comunistas e os bloquistas pagaram a factura relativa à queda do governo. E que o CDS-PP desapareceu do mapa político.
Um outro ponto a ter em conta: continuar a observar o que significa o crescimento da Iniciativa Liberal. O do Chega, sabemos o que é.
A directora do Jornal de Notícias (JN) escreve hoje sobre “a boçalidade no espaço público”. Vale a pena ler esse texto. Deixo o link no final deste post.
Inês Cardoso baseia a sua escrita no que aconteceu em Beja com a líder do PAN, que foi insultada por um grupo de primários ligados à tauromaquia, bem como na expressão “nazizinho”. Esta última foi utilizada num pequeno encontro, aberto à comunicação social, de personalidades públicas com o líder do Partido Socialista, sem que este tivesse reagido, de imediato, para dizer que insultos desse tipo não são aceitáveis na luta política em Portugal, muito especialmente quando o visado é o dirigente do segundo maior partido.
Uma reacção clara e imediata de António Costa teria contribuído bastante para tornar a política portuguesa menos boçal. Serviria igualmente para enviar um recado a personalidades públicas que não vale tudo em política, nem mesmo durante as campanhas eleitorais. O combate à radicalização da palavra tem de começar pelos dirigentes políticos, sobretudo por aqueles que são mais ouvidos e mais representativos da sociedade portuguesa.
Vi o debate entre António Costa e Rui Rio durante um minuto. Não tive paciência para mais. Mas admiro os 3,3 milhões de portugueses que assistiram ao duelo. Sim, porque na verdade tudo isto não passa de duelos ao vivo, de espectáculos para mostrar que se é mais arguto que o adversário.
É preciso fazer política de outra maneira. O meu texto de ontem no Diário de Notícias era sobre isso, a necessidade de construir plataformas políticas e de alargar a governação, de modo a torná-la tão próxima e representativa quanto possível do mosaico social que é a nação portuguesa.
Não se pode fazer política com base na hostilidade e na exclusão de largos sectores da sociedade. Sobretudo num país como o nosso, que precisa de uma mobilização cívica que permita ultrapassar o subdesenvolvimento, a pobreza de muitos e as disparidades sociais e regionais.
Acredito ser necessário proceder a uma mudança profunda dos valores, dos comportamentos e das prioridades para conseguir acelerar o desenvolvimento económico e social e diminuir o fosso que nos separa das médias europeias.
A minha mensagem é simples: tem de se fazer política de outra maneira. Com serenidade, com prioridades bem definidas, com o empenho público e privado, em associação com os poderes locais e as associações de cidadãos, e também com objectivos concretos que possam ser avaliados.
É isso que falta nos debates. Continuamos a agir como sempre fizemos, com ideologias ultrapassadas, incapazes de nos guiarem na transformação do país
Depois de falar durante duas horas, numa aula que dei no Instituto da Defesa Nacional, para contar a minha experiência na área da resolução de conflitos, fiquei sem forças para tentar entender a situação política actual. Li alguns comentários especulativos, mas nada de muito convincente. Fico para já com a hipótese de um jogo de António Costa. No seguimento das autárquicas, vê que o BE e o PCP estão muito fracos e pensa poder conquistar os votos que estes irão perder nas próximas eleições gerais. É, no entanto, um jogo arriscado. Uma parte dos eleitores do PCP poderá votar no Chega e não PS. São pessoas de recursos modestos e que sentem a necessidade de votar numa oposição forte. O Chega não é essa oposição, mas é o que se pode arranjar, como diria o outro. Quanto ao eleitorado do BE, é possível que alguns segmentos votem no PS. Mas isso não chegará para compensar as perdas que o PS terá, por transferência de votos para o PSD, o PAN e a Iniciativa Liberal.
O Partido Socialista resistiu às pressões vindas da extrema-esquerda. É isso que me parece ser de assinalar. E de pôr a crédito de António Costa. Quanto ao resto, ao futuro, as eleições antecipadas, que parecem agora inevitáveis, mostrarão qual é o rumo que os eleitores querem dar ao próximo ciclo de governação. Alguns dirão que esta não é a melhor altura para que ocorra uma campanha eleitoral. Em relação a isso, penso que o país mudou desde 2019. Os eleitores terão a oportunidade de actualizar o quadro político.
Os últimos 18 meses de pandemia tiveram certamente um impacto na maneira como os cidadãos portugueses vêem agora a dinâmica política nacional. Por isso, sou dos que pensam que eleições gerais no quadro da nova realidade não seriam nenhuma desgraça, se porventura vierem a acontecer.
É verdade que trazem um período de incerteza e de agitação, mas a democracia funciona assim.
Dizem-me que terão um impacto negativo sobre certas forças à esquerda do PS. É provável. Mas isso significaria que esses partidos já não pesam o que pesavam há algum tempo.
Também me dizem que o PS poderá sair enfraquecido dessa contenda. As sondagens continuam, no entanto, a ser favoráveis aos socialistas.
E há quem receie uma subida do Chega. Irá certamente acontecer. Não será, todavia, uma onda avassaladora que ponha em causa a democracia ou a estabilidade governativa, segundo penso. Esse partido é um movimento sem substância, sem uma implantação nacional que vá além dos medíocres da terra, sem experiência nem argúcia política. É, além disso, dirigido por alguém que não sabe voar, que não passa das banalidades primárias. Pode haver quem se identifique com esse senhor. Mas será sempre uma franja da população.
Creio que é um exagero falar de uma crise nacional. A crise existe, mas é outra. Tem que ver com a qualidade dos nossos agentes políticos. Na política, não vingam os melhores.
A Comissão Política do PS quer que António Costa continue a negociar com o BE, o PCP e outros a aprovação do Orçamento de Estado para 2022. E por isso pede ao Primeiro-ministro que aprove novas medidas sociais que, sem crescimento económico a sério, irão agravar o défice orçamental e que acabarão por se traduzir num aumento dos impostos. É bom que o orçamento tenha uma importante vertente social. Mas também é necessário que contenha um número suficiente de medidas que promovam o crescimento económico e a modernização da administração pública. É nestas duas áreas que está o problema. E é aí que se deveria focar uma parte da despesa pública.