A minha carreira internacional, sobretudo nos últimos anos, em que a responsabilidade política era maior, ensinou-me que o sucesso passa por um equilíbrio muito delicado entre o chamar os bois pelos nomes e a sensibilidade dos grandes países. Ou seja, quando a verdade precisa de ser dita deve-o ser, mas a escolha das palavras, do momento e do local são questões fundamentais. A diplomacia, como é costume dizer-se, consiste na capacidade de mandar a outra parte para o inferno com um jeito tal que deixe o adversário com vontade de fazer a viagem e ansioso por lá chegar o mais depressa possível.
As relações com os grandes países, quando se tem responsabilidades internacionais, não se fazem através dos jornais nem com declarações bombásticas. A não ser que se tenha perdido a autoridade, a capacidade de ser ouvido, ou se esteja com um pé já na rua…
Dito isto, não sei como enquadrar a entrevista de Barroso ao International Herald Tribune. No entanto, ao atacar de um modo tão claro o governo de François Hollande, o Presidente da Comissão Europeia pode ter revelado, indirectamente, várias coisas: frustração, porque a Comissão tem estado a ser ostensivamente marginalizada em tudo o que conta; presunção, por acreditar que possa estar acima dos líderes dos Estados membros, o que nunca poderá ser aceite; ou mau aconselhamento, por parte dos seus assessores políticos. Fica a questão no ar. O que é verdade, é que assim vai voltar a Lisboa mais cedo do que ambicionava. Ou então, vai seguir os passos de Tony Blair e andar por aí, a dar conselhos a governos que paguem bem.
Há um ano, dia por dia, escrevi na Visão sobre a crise grega. A certa altura do texto, depois de concluir que a Grécia estava a ter um tratamento de favor, por parte da Comissão Europeia, que fechava os olhos e não queria ver que o programa grego não estava a ser cumprido, realcei que essa maneira de agir, por parte de Bruxelas, punha em causa a credibilidade do FMI.
Cito a frase que então publiquei: “Coloca, por outro lado, o FMI contra a parede: terá que escolher entre continuar a reboque da UE, fingindo que há progresso na execução do programa, ou reafirmar a sua independência, reconhecendo que a Grécia não está a cumprir os compromissos assumidos.”
Agora, doze meses depois, o FMI divulga um relatório que, no fundamental, confirma o que eu dissera. Aponta o dedo à Comissão, diz que esta não tinha experiência nem qualificações para tratar de uma crise financeira como a grega. Nem independência suficiente para poder ser objectiva na sua tomada de decisões.
Na verdade, saem ambos – o FMI e a Europa – mal na fotografia grega.
O orçamento europeu ontem aprovado, com enormes cortes, pela cimeira de chefes de Estado e de governo fora preparado pela Comissão Europeia em 2011, há cerca de dois anos. Ou seja, a Europa de 2014 a 2020 vai ser guiada por um documento concebido no início da década. Boa sorte, como diria o outro, que isto de planificar a longo prazo e com tal nível de pormenor é mais uma questão de bola de cristal do que de clarividência política.
Três reacções a quente sobre o novo orçamento europeu para o período 2014-2020, agora aprovado pelo Conselho Europeu – mas ainda por aprovar pelo Parlamento Europeu, o que não se anuncia como sendo favas contadas.
Primeira. Numa altura é que seria preciso “mais Europa”, o orçamento europeu diminui. Será mais com menos? Em vez de 1 045 mil milhões, o limite máximo de despesas efectivas, para o período em causa, não deverá ultrapassar os 908,4 mil milhões. Isto é, de facto, uma quebra importante, num período de sete anos de incertezas, que é a característica mais marcante do tempo que se anuncia.
Segunda. Como eu previra no meu texto da Visão da semana passada sobre Cameron, o primeiro-ministro britânico vai causar muita mossa ao projecto europeu. E vai servir de porta-estandarte de outros. Este Conselho foi a primeira confirmação da minha previsão. Cameron precisa de mostrar uma atitude firme perante Bruxelas, por razões internas, e isso é aproveitado por outros chefes de governo da União, que apanham a boleia britânica. Caso contrário, não teriam coragem para o fazer por sua própria iniciativa.
Terceira. É uma estupidez incompreensível aprovar orçamentos para períodos tão longos. Sete anos! Quem poderá dizer onde estará a Europa dentro de três ou quatro anos? Sete é uma eternidade, numa altura em que tudo muda muito rapidamente.
Esta semana terá lugar mais uma reunião cimeira do Conselho Europeu. Deveria aprovar o orçamento 2014-2020. A informação que me chega é que tal não vai acontecer. Continua a não haver acordo.
Para dizer a verdade, a União Europeia parece ter desaparecido do mapa dos líderes dos estados membros, nestas primeiras semanas do novo ano. Apenas o discurso de David Cameron deu alguma projecção à EU, durante este período. Foi uma projecção negativa, reconheço, mas pelo menos colocou a Europa nos ecrãs. Por poucos dias, diga-se, que isto do projecto comunitário está numa fase que não aquece nem arrefece.
E o mais ridículo é que tal acontece no ano em que se procura voltar a despertar o interesse dos cidadãos pela UE.
Escrevo hoje na Visão sobre a União Europeia. No final do texto, afirmo que sem resultados concretos ao nível do emprego, os cidadãos europeus não darão um cêntimo de credibilidade aos líderes políticos.
Vou citar:
Dizem-nos que saímos de 2012 com uma Europa mais reforçada. Mencionam, para o demonstrar, as decisões relativas à ajuda à Grécia, que evitaram a ruptura, um euro mais estável, a adopção da regra de ouro quanto ao limite constitucional dos défices orçamentais, que acaba de entrar em vigor, bem como a decisão de avançar com a supervisão dos maiores bancos. Tudo isto é verdade. Esconde, no entanto, uma Europa mais dividida, em que uns mandam e outros alinham o passo, incluindo a França do fraco Hollande, bem como os perigos relacionados com a deriva antieuropeia do governo conservador britânico. E deixa-nos muito cépticos: enquanto não se registarem melhorias significativas ao nível do emprego, não haverá confiança, nem na recuperação, nem nos líderes, nem na Europa.
Voltando à entrevista de Francois Hollande sobre a Europa, recomendo que seja lida. É um bom apanhado da posição francesa. Mostra, por outro lado, que o tandem franco-alemão não está a funcionar. Com subtileza, Hollande tenta passar a responsabilidade para o lado de Merkel. Mas a verdade é que, neste momento, ninguém parece pronto para uma maior integração política, nem para uma melhor coordenação económica e fiscal.
Por outro lado, em Bruxelas, Van Rompuy tenta pintar uma Europa cor-de-rosa. Continua a afirmar, quando fala em público, que as coisas estão bem encaminhadas. Não sei se haverá alguém que acredite no que ele proclama. Para mais, Van Rompuy fala de um modo que poucos entendem. Não sabe utilizar uma linguagem directa. Mas tem algum peso, nas capitais que contam.
Quanto a Barroso, está cada vez mais invisível. É pena, porque até diz, mais vezes agora, coisas que fazem algum sentido. Só que ninguém parece interessado em ouvi-lo.
"A marginalização de Bruxelas é um erro. Primeiro, porque enfraquecer as instituições e os dirigentes comunitários é debilitar a construção europeia. Depois, porque em períodos de crise, quando as disparidades entre os estados membros se tornam mais evidentes, as chamadas de atenção devem provir das instâncias comuns, não das capitais dos países mais fortes. É mais fácil para um cidadão grego, ou português, aceitar uma crítica vinda de uma estrutura que é de todos do que uma observação feita por um político alemão, finlandês ou de um país vizinho. Sem esquecer que os comentários feitos por Merkel ou Schaeuble, o poderoso ministro das finanças da Alemanha, e por outros líderes nacionais, têm mais que ver com a opinião pública dos seus próprios países do que com uma contribuição objectiva para uma solução que interesse à maioria dos europeus. "
O texto completo está disponível no sítio da Visão on line:
Em Bruxelas, está a decorrer a cimeira dos ilusionistas. A minha maneira de ver é muito simples: remar contra a maré não leva a parte alguma. Há que reconhecer o estado a que as coisas chegaram.
Também não estou de acordo com Barroso, que disse que esta cimeira representava um momento decisivo, a expressão inglesa que utilizou...a defining moment...é inapropriada. Ainda não estamos lá. Continuamos a adiar a solução dos problemas.
O post que publiquei ontem atraiu, em 24 horas, cerca de 8400 visitas. E dezenas de comentários, muitos deles, escritos por leitores bem informados. Agradeço a todos.
Queria lembrar, no entanto, que há cerca de 800 bancos na UE que recorreram, nos últimos seis meses, ao financiamento, a juros baratos, do Banco Central Europeu. Muito do capital que pediram emprestado, melhor, a quase totalidade do bilião (um milhão de milhões) de euros obtidos junto do BCE foram investidos na compra de dívida soberana dos estados membros da UE. Ou seja, os bancos foram apenas uma conduta, entre o BCE e os Estados. Uma conduta que tentou passar despercebida aos olhos dos eleitores europeus, que ganhou muitos milhões, entretanto, mas que está, neste momento, em muitos casos, descapitalizada de novo. Muitos bancos estão à beira da falência. O que significa que à fragilidade dos estados europeus se deve acrescentar a fragilidade dos sistemas bancários. Tudo isto é muito perigoso, para o funcionamento da economia, da sociedade e para a salvaguarda da democracia, sobretudo no caso dos países que têm uma "má imagem" internacional.
Onde iremos parar? A que nos vai levar uma complicação tão grande como esta? Que líderes europeus terão a coragem de falar destas coisas e apresentar as soluções que se impõem? Onde encontraremos o sentido de urgência que se impõe?