Não tenho uma bola de cristal nem pratico a arte da adivinhação, uma disciplina muito popular em certos meios intelectuais. Por outro lado, falta-nos ainda conhecer uma variável fundamental, que é a da duração da fase aguda da crise, a fase em curso. Se se prolongar por vários meses, o impacto será profundo, sobretudo nas áreas da economia e dos rendimentos das famílias. Por isso, as duas grandes preocupações actuais, que devem ser tratadas em simultâneo, são o combate à pandemia e o evitar a falência das empresas e das famílias. Os governos serão avaliados pela maneira como venham a responder a esse tandem de questões. É aí, por exemplo, que se joga a eleição presidencial americana.
Em termos geopolíticos, deve-se ter presente que a crise fez renascer o sentimento nacional, a convicção que as fronteiras dos Estados protegem os cidadãos. Nacionalistas ferrenhos e políticos demagogos procurarão investir nesse sentimento e sacar dividendos da coisa. Esse poderá ser um dos maiores perigos que teremos de enfrentar no período pós-coronavírus. A demagogia ultranacionalista, o aproveitamento do medo pelos populistas. A partir daí, estará em perigo toda a arquitectura multilateral e intergovernamental, sobretudo o sistema das Nações Unidas e a União Europeia. Como também ficará ameaçada a cooperação internacional, quer no domínio humanitário, de ajuda aos refugiados, por exemplo, quer no campo do desenvolvimento e da luta contra a pobreza.
Um outro aspecto particularmente importante terá que ver com a competição pela hegemonia entre a China e os Estados Unidos. Essa disputa acentuar-se-á e marcará de modo determinante a agenda das relações internacionais. A China já entrou num período de recuperação económica e política, enquanto os Estados Unidos se afundam na crise e se emaranham numa resposta caótica. Os chineses ficam, assim, em vantagem e vão tentar tirar o maior proveito político possível desse desfasamento. Nomeadamente, na ajuda sanitária a outros países, como está a acontecer com a Itália e a Sérvia, para mencionar apenas dois países que pertencem a esferas geopolíticas próximas, mas distintas. Mas não só. A ofensiva diplomática e económica da China ganhará uma nova dinâmica e um outro nível de subtileza, de modo a ganhar terreno sem criar anticorpos.
A banca portuguesa está em crise. Já várias vezes aqui o disse. Há demasiados bancos, poucas oportunidades de negócios, e muito compadrio. O compadrio tem favorecido uma elite que gira à volta das personalidades que controlam o sector e levado a más decisões comerciais, a um volume elevado de créditos malparados, e, nalguns casos bem conhecidos, à falência de bancos, a falcatruas e à corrupção.
O sector precisa de uma reforma profunda, incluindo consolidação e profissionalismo, com base nas regras do mercado e da competitividade. Não se salva com falsos arremedos patrioteiros, com os manifestos do pessoal de Aljubarrota, como agora parece ser o caso, ou as profissões de fé de outros retrógrados, nem com a manutenção dos mesmos indivíduos à frente das instituições.
Teria tudo a ganhar com uma maior internacionalização dos seus capitais e dos quadros. Por isso, o interesse de bancos estrangeiros deve ser aceite de bom agrado. Faz parte do dinamismo dos mercados.
Estamos na Europa e integrados numa certa maneira de ver as relações económicas.
É verdade que uma boa parte do interesse pelos bancos portugueses vem do vizinho do lado. Também isso é normal. Conhece melhor o nosso tecido económico que outros, vindos de mais longe.
E não nos podemos esquecer do que é evidente: se o capital espanhol investir em Portugal é para ganhar dinheiro. Só o ganhará se conseguir fazer trabalhar os nossos bancos a sério. Ou seja, se conseguir que a nossa actividade bancária esteja na verdade ao serviço da economia e das famílias portuguesas.
Quem sabe dessas coisas diz-me que, em média, o nível dos conhecimentos dos alunos que terminam o ensino secundário em Portugal tem vindo a baixar de ano para ano, na última década. Na maioria dos casos, limitam-se a estudar o necessário para passar nos exames. Fora disso, pouco ou nada sabem, nem lhes interessa. E também não sabem equacionar uma questão ou dar-lhe uma resposta estruturada.
Se assim é, estamos a preparar gerações futuras que serão muito pouco competitivas no mundo global a que irão pertencer. Ficarão para trás. Como tem aliás acontecido ao país nas últimas décadas. Na competição internacional, Portugal anda em marcha lenta.
O que é extraordinário nisto tudo é que ninguém parece de sobremaneira preocupado com este tipo de realidades. Olhamos para o futuro com olhos míopes.
Numa longa discussão sobre a situação em que o nosso país se encontra, acabei por reconhecer que sou um mau exemplo enquanto português. Explico como cheguei a essa conclusão: a querela sobre os feriados deixa-me indiferente, incluindo, vejam bem, a relativa ao 1º de dezembro. Não consigo arder com esse tipo de questões. Sobretudo numa altura em que outros países, similares ao nosso, andam sobretudo preocupados com a sua posição futura em relação à economia do conhecimento, com a resposta à globalização crescente das oportunidades e das ameaças e com as questões da segurança interna e nacional. Para que discute feriados, estes temas parecem mundanos. E talvez o sejam, no contexto de um país como o que temos.