O México emitiu esta semana dívida pública a 100 anos. Sim, com um prazo de 100 anos. Ou seja, pediu emprestados mil milhões de libras e durante uma eternidade só terá que pagar a taxa de juro, que neste caso foi fixada em 5,75%. Já havia feito o mesmo com obrigações de Estado em dólares americanos. Com um sucesso idêntico.
Aqui está uma maneira hábil de financiar o Estado, com base nos mercados internacionais, sem onerar em demasiado as finanças públicas. É uma espécie de “reestruturação” da dívida, mas que não precisa de dizer o seu nome.
Este é valor que Portugal terá que pagar, se for aos mercados neste momento. É uma mensagem forte sobre a falta de confiança da comunidade internacional na nossa capacidade em sair da crise financeira em que nos encontramos.
Diz-nos, também, que um segundo resgate, com condições duras, é, para já, considerado inevitável.
Junte-se a isto a posição do Eurogrupo e de Bruxelas. Ambos disseram claramente que a meta dos 4% para o défice das finanças públicas, em 2014, é para cumprir.
As indicações não podem ser mais claras. Do lado de fora, não haverá grandes folgas nem contemplações.
Este é, pois, um assunto de importância estratégica, que deveria estar no centro do debate nacional, na mira dos dirigentes políticos.
Mas, não está.
Uns fingem que não vêem. Outros, são de facto, tapados e não enxergam mesmo.
O jornal italiano Corriere de la Sera revela que a Itália comprou menos carros novos em Agosto. A quebra, que é de mais de 20% em comparação com o mesmo mês de 2011, confirmou uma tendência para a baixa que se iniciou há nove meses. Neste momento, vendem-se tantos veículos novos como se vendiam em 1964.
Este é um indicador importante. Outro indicador mostra que os fundos e os investidores estrangeiros têm vindo a sair da dívida pública italiana. Hoje apenas 30% dessa dívida está em mãos estrangeiras. Só que 30% representam 492 mil milhões de euros, um montante astronómico. Se a dívida da Itália entrar em derrapagem, o impacto externo será, por isso, enorme. Mas será ainda maior para o povo italiano. O total da dívida pública do pais é agora estimado em 1 648 mil milhões de euros. Há, assim, muitas razões, milhares de milhões de razões, para que haja muita gente por essa UE fora profundamente preocupada.
Várias empresas públicas estão com a corda na garganta, no que diz respeito ao pagamento de salários. Em Setembro, ainda conseguiram crédito junto dos bancos. Mas um ou outro banco já começou a dizer que não há dinheiro disponível para mais. Que é preciso cortar nas despesas e reestruturar as empresas em causa. A Carris de Lisboa é um dos exemplos.
Por outro lado, fica-se com a impressão que muitos, aqui na nossa terra, ainda não entenderam a gravidade da situação económica do país. Tenho estado a pensar, por isso, que talvez o meu próximo texto para a Visão devesse dar exemplos de outras crises, que vi, noutros cantos do mundo, e das consequências que arrastaram consigo. Talvez uma crónica desse tipo ajude a perceber o efeito vórtex que uma situação como a actual encerra.
Em 2010, a comunidade internacional perdoou 90% da dívida soberana (pública) da República Democrática do Congo. A decisão foi tomada no quadro da Iniciativa sobre os Países Pobres Muito Endividados.
É bom saber isso. Sempre dará alguma luzinha de esperança a alguns.
A pressão sobre Portugal vai ser enorme, na semana que entra. Não é preciso ser profeta para ver a enxurrada que por aí vem.
Os políticos europeus, nas grandes capitais e em Bruxelas, os meios de comunicação internacionais, as instituições financeiras, têm todos os olhos postos na bola de neve que é a dívida soberana de alguns Estados. A sua análise é simples: ou Portugal pede ajuda de emergência ou a questão entra em derrapagem e leva, para além do nosso país, a Espanha e outros para a crise. Arrastará também o euro. Aliás, a evolução da moeda única nestes últimos dias diz muita coisa sobre a tempestade que se aproxima.
Qual é a estratégia nacional de resposta a estas pressões?
Li o acordo entre o governo e o PSD sobre o Orçamento de Estado para 2011. É mais um desacordo que outra coisa.
O governo "é da opinião", diz o texto, assim mesmo, opinião, no que respeita às medidas anunciadas em Maio de 2010, "...que as implementou integralmente". O PSD, sobre o mesmo assunto, e cito o texto assinado por ambas as partes, "...exprimiu um entendimento diverso quanto à implementação das medidas do lado da despesa e fez uma avaliação muito crítica em relação à derrapagem muito significativa das contas públicas em 2010".
O resto tem um ou outro ponto concreto, sobre o IVA a 23%, e vários para serem estudados, mais tarde, provavelmente no dia de São Nunca. Tudo muito apressado, como para confirmar que este acordo é o que é, resultado de pressões externas aos dois signatários, um acordo em que se mexe com pinças e o nariz tapado.
Como é que se diz "du bout des lèvres", em terras lusas? Será, para Inglês ver?
Tempos muito preenchidos. Os principais dirigentes europeus, há uns dias a dizer que tudo estava sob controlo, que o problema estava resolvido, agora, a mostrar o contrário, a aprovar um fundo de 750 mil milhões de euros, para estabilizar a moeda única. Um montante que faz sonhar com a estratosfera, mas que não seguraria a a crise, caso a Espanha entrasse em crise de pagamentos. A economia espanhola não tem comparação nem com a grega nem com a portuguesa. A dimensão é outra. A fragilidade da Espanha advém, em parte, da fragilidade portuguesa, já que os vizinhos são credores de uma boa parte da nossa dívida pública e têm muitos interesses económicos em Portugal.
Por outro lado, nós precisamos de uma recuperação rápida da economia espanhola, pelo impacto positiva que terá sobre a nossa situação.
Em Portugal, o cheiro a crise é cada vez mais intenso. O encontro dos antigos ministros das finanças com o Presidente da República deu um mau sinal aos investidores e decisores financeiros estrangeiros. É entendido como uma confirmação de crise iminente. Não ocorreu na melhor altura. Também não se percebeu bem para que serviu, fora o protagonismo dado a um ou outro indivíduo. Deveria ter sido adiado.
A questão central continua a ser a do endividamento público e das famílias. Para responder à parte pública da questão, o governo começa a dizer-nos que vai ter que aumentar o IVA e fazer aparecer outros impostos. É a receita tradicional. Espremer o limão. Só que as famílias estão sem elasticidade financeira. Vamos ter mais privações, mais contracção do consumo e mais dramas de insolvência.
Para completar a fotografia do dia, Gordon Brown decidiu colocar o lugar de chefe do seu partido a prémio. Quem será o novo dirigente, uma pergunta que agora fica no ar, neste fim de percurso para Brown. Mas, mais importante, irá este gesto permitir uma aliança de governo entre os Trabalhistas e os Liberais Democratas? Seria melhor para a Europa se isso viesse a acontecer.
A propósito das eleições britânicas, o meu texto desta semana na Visão tem atraído um sem número de atenções e comentários. Para além do mérito, que reconheço, na indignação expressa por alguns, nem sempre houve serenidade na escrita dos meus leitores. Mas a verdade é que andamos todos muito agitados. São tempos de crise. E de erros. As crises requerem solução e os erros pedem que não se repitam.