Antonio Tajani foi há dias eleito Presidente do Parlamento Europeu. O grupo parlamentar europeu de direita – conhecido como o Partido Popular Europeu – detém agora a presidência das três instituições que contam: o PE, a Comissão e o Conselho Europeu. O equilíbrio político, que tem sido uma tradição, exige que se proceda a uma correcção desta situação. Uma das instituições deveria ser presidida por alguém oriundo da corrente socialista europeia.
Há quem pense que a situação poderá ser corrigida em Maio. No final desse mês termina o mandato de Donald Tusk, o Presidente do Conselho Europeu. Tusk gostaria de ser reconduzido e ter a oportunidade de levar a cabo um segundo mandato. Mas os reaccionários de Varsóvia não parecem dispostos a apoiá-lo. E sem o apoio do país de origem, é quase impossível conquistar um mandato europeu. Muito provavelmente, Tusk irá à vida.
Mas quem poderia ser o candidato socialista capaz de reunir o consenso dos Chefes de Estado e de Governo? Terá que ser um antigo Presidente da República ou antigo Primeiro-ministro. E de preferência, acrescento eu, deveria ser alguém do Leste ou do Norte da Europa. Também aqui por uma questão de equilíbrio.
Há quem comece a falar do nome de François Hollande. Penso que se trata de um balão de ensaio, lançado pelos seus amigos parisienses. Mas a verdade é que não há muitos nomes de peso. Sobretudo numa altura em que é fundamental ter alguém com a genica suficiente para falar com voz grossa, uma voz que possa ser ouvida do outro lado do Atlântico.
Nestes dias, o político de quem se fala chama-se François Fillon. No espaço de três semanas, conseguiu passar de um canto obscuro para a boca de cena da política francesa. É agora o candidato oficial do partido Les Républicains, uma formação de direita que Nicolas Sarkozy havia reformado em 2014, com a intenção de a utilizar como a via de regresso ao Palácio do Eliseu.
Sarkozy já é história, acabaram as suas ambições presidenciais. A direita conservadora que vive na França profunda, na província, nas terras marcadas pela vivência rural e pelos valores católicos tradicionais, perdeu a inocência e deixou de acreditar no estilo endiabrado, e feito de improvisações, que o antigo presidente personificava. Viu em Fillon a imagem que fazem de um presidente da república – sereno, austero, polidamente distante, quase monárquico. Notou, também, a coerência e a clareza do seu discurso. Gostou, além disso, de o ouvir defender um nacionalismo educado, que não faz alarde da xenofobia, embora esta esteja subjacente, e propor uma função pública mais eficaz e mais leve em termos de efetivos, e menos pesada em termos de impostos. Na realidade, Fillon representa, para quem o apoia, o renascimento de uma certa ideia da França, rejuvenescida economicamente, com maior peso político na Europa, e nacionalista sem extremos embaraçosos. Refere-se a uma França alicerçada na nacionalidade genuína, ou seja, de há gerações, nos valores de matriz cristã, assente no conceito de família tradicional e no respeito pelos notáveis locais, por oposição subentendida às elites libertárias de Paris.
É, de certa maneira, um regresso implícito à maneira gaulista de ver a nação. Na verdade, para a direita, François Fillon simboliza o retorno do pêndulo. Contra a esquerda que está no poder há quase cinco anos e que tem dado uma imagem de incoerência ideológica e de miopia política, de navegação à vista. François Hollande terá contribuído, como ninguém, para a desagregação do Partido Socialista francês. A história lembrar-se-á disso e da sua falta de estatura para o cargo, tão bem ilustrada pelo ridículo das suas escapadelas como o passageiro da motocicleta de um amor às escondidas.
É igualmente o candidato que parece poder travar a tendência populista que tem marcado as consultas populares, noutros horizontes políticos. Contrariamente ao que alguns querem que pensemos, Fillon é visto por muitos em França como uma espécie de anti-Trump. O seu programa não faz promessas celestiais. Antes pelo contrário e, por isso, a sua popularidade surpreende. Podemos não acreditar na exequibilidade desse programa, mas anuncia mais horas de trabalho semanal, menos emprego na função pública, um recuo na idade da reforma e outras coisas que ninguém pode, com honestidade, considerar demagógicas. Poderão, isso sim, ser vistas como opções erradas. No entanto, uma boa maioria do eleitorado de direita achou que faziam sentido.
Acima de tudo, Fillon poderá impedir Marine Le Pen de ganhar as presidenciais. E essa é, para mim, a sua grande vantagem. O populismo de extrema-direita de Le Pen constitui, nos próximos meses, a maior ameaça à estabilidade da França e da Europa. Estrategicamente, é fundamental concentrar uma boa parte da luta política no combate a Le Pen. Não podemos deixar que ganhe as eleições presidenciais de Maio de 2017. E aí, a candidatura de Fillon é, apesar de todas as reservas que possamos ter sobre o seu programa político e a sua maneira de ver a vida, a melhor aposta. Não é uma questão do mal, o menos. É uma questão existencial, estratégica para o futuro da Europa que ambicionamos.
Será que os eleitores europeus estão cada vez mais conservadores?
Agora foi a vez da Polónia. Na primeira volta das eleições presidenciais, que ontem tiveram lugar, os dois candidatos da Esquerda, Magdalena Ogórek, que concorreu em nome da Aliança Democrática de Esquerda – o antigo Partido Comunista polaco – e Janusz Palikot, que teve o apoio dos socialistas e sociais-democratas, conseguiram apenas uma mão cheia de votos. A primeira teve 2,4% e Palikot não passou de 1,6%.
Estes resultados fazem da Polónia o país mais à direita da UE. É, igualmente, um dos mais nacionalistas e, ao mesmo tempo, um aliado seguro dos Estados Unidos. Tudo isto é importante se tivermos em conta o peso relativo do país no conjunto das instituições europeias – não digo isto apenas porque o polaco Donald Tusk é o Presidente do Conselho Europeu – bem como a sua influência nas questões de defesa europeias, uma ascendência que é maior do que parece.
Na França, os resultados eleitorais de hoje são melhores do que se temia. A Frente Nacional de Marine Le Pen, um partido que é uma ameaça à democracia, à paz social e à Europa, um ninho de víboras racistas, xenófobas e de inadaptados face aos desafios actuais, víboras que vivem da exploração fácil do populismo e dos medos colectivos, não teve o sucesso que se temia e que todos anunciavam. Mesmo se um em cada quatro franceses vota na Frente Nacional, a verdade é que no momento decisivo, a maioria decidiu com moderação e disse não aos radicais de direita.
Constata-se uma viragem à direita, reconheço. Trata-se, no entanto, da direita republicana, sem extremismos. Uma direita que respeita a diversidade étnica e cultural, que define a sociedade francesa de agora. Uma direita que sabe que sem a participação construtiva da França o projecto europeu não terá futuro.
Quanto ao partido de François Hollande, o PS, os resultados preliminares mostram que a erosão política parece estar a ser contida.
Ser reacionário hoje, no contexto europeu, é pensar que o futuro se constrói pela recriação do passado. É acreditar que a prosperidade passa pelo regresso às velhas fronteiras nacionais, à autarcia económica, ao viver do que a nossa terra dá.
E os reacionárias existem, de um lado e do outro do espectro político.
Por onde ando, fora de Portugal, é raro aparecer alguém, nas discussões públicas ou privadas, que fale da direita ou da esquerda. São expressões que não fazem parte do quotidiano da esmagadora maioria dos Europeus. Quando lhes digo que em Portugal essas palavras aparecem frase sim frase não, nas conversas dos intelectuais, dos meio-intelectuais e dos que estão sempre a falar ou a escrever sobre política, ficam a olhar para mim com aqueles olhos que dizem não ser possível.
Mas é. Aqui, na nossa terra, somos os campeões da catalogação política. E somos, igualmente, uns doidos pela política.
Só não se percebe, contudo, a razão para taxas de abstenção tão altas, quando chega a altura de ir às urnas.
E, dentro de dias, a ver como param as modas, vamos ter um novo recorde de abstenção.
Alguém me dizia, aqui nesta parte da Europa por onde ando, que a Esquerda e os outros ainda mais à esquerda não gostam de falar de questões de segurança e ordem pública. Seria, para essa família ideológica, uma espécie de tabu. Como todos os tabus, não se falaria do assunto. E assim, deixariam o campo aberto para a Direita e os outros ainda mais à direita, se apropriarem do tema e, com ele, ganharem votos populares. Porque, na realidade, quem mais sofre com a insegurança são os mais fracos, os mais desprotegidos, os que têm menos meios para se defenderem. Votarão por quem prometer um país mais seguro.
Penso que há que ultrapassar essa maneira de ver a questão. A segurança é uma das funções primordiais de Estado, como costumo dizer com frequência. Um Estado de direito e democrático, que é o que a Esquerda protagoniza, é um Estado que garante a proteção dos cidadãos e que responde, de modo eficaz, às ameaças à integridade das pessoas e aos riscos contra os seus bens. Não há nada, aqui, de reacionário. A segurança é um direito fundamental. Um Estado que não consiga manter em funcionamento, de modo eficaz, as suas forças de segurança começa a revelar as características que definem um Estado em desagregação. Um colapso institucional. Ou seja, a caminho de um Estado falhado.
Um periódico francês, Le Journal du Dimanche, publica hoje uma sondagem relativa às próximas eleições europeias. Os dados mostram que o Front National, a extrema-direita chefiada por Marine Le Pen, poderia ser o partido mais votado, com 23% das intenções de votos. O partido de Sarkozy, UMP, viria em segundo lugar, com 21%. Em terceira posição, com 18% dos votos, estaria o Partido Socialista de François Hollande. Ou seja, 10 pontos abaixo do resultado obtido por Hollande, na primeira volta nas eleições presidenciais de 2012. Le Front de Gauche, na extrema-esquerda, teria 9%.
Estes dados são peculiares à França. Há, no entanto, um movimento ascendente de partidos extremistas, à direita, em vários países da UE. Os partidos do centro, de ambos os lados do centro, os partidos que se têm alternado na governação dos países europeus são, esses sim, os que perdem terreno eleitoral.
Embora ainda seja muito cedo para analisar a tendência – as eleições para o Parlamento Europeu só terão lugar em finais de Maio – há que estar atento. E que ter presente que uma Europa de extremos é sempre uma Europa em perigo.
Nem sempre estou de acordo com a jornalista Teresa de Sousa, mas é certamente uma profissional que merece todo o respeito. E que vale a pena ler, sobretudo as suas crónicas de domingo, que aparecem todas as semanas no Público.
Recomendo a reflexão de hoje, sobre o estado da social-democracia na União Europeia de agora. Na verdade, o futuro político da social-democracia levanta muitas interrogações.
A primeira volta das eleições presidenciais francesas mostrou que o eleitorado de esquerda mais o da extrema-esquerda pesa cerca de 43% do total dos votantes. Estas pessoas votarão por Hollande a 6 de Maio, salvo raras excepções. A este número será possível acrescentar uma parte dos eleitores do centro-direita e da Frente Nacional (FN), a extrema-direita, e ganhar a segunda volta. Como a percentagem de eleitores do centro-direita, que apoiou Bayrou, não é muito significativa, e nem todos irão apoiar o candidato socialista, chega-se à conclusão que quanto maior for a margem de ganho acima dos 50% maior terá sido o número de simpatizantes da FN que terá decidido agora votar por Hollande. Não por causa do seu programa, mas para eliminar Sarkozy.