Patético. Esse é o adjectivo que me vem à mente, ao ver os nomes dos políticos que deverão encabeçar as listas ao Parlamento Europeu dos dois partidos do centro – o PS e o PSD. Ainda pensei em ridículo, como palavra-resumo. Ou, em medíocre. Mas, patético traduz melhor a minha apreciação. E a minha preocupação, não escondo, pois é grande o desassossego que me inquieta.
Cada uma dessas personalidades é uma escolha lamentável. Pior ainda, numa altura em que a União Europeia se defronta com desafios existenciais, quer na frente interna quer nas suas relações estratégicas com três dos seus grandes vizinhos – os Estados Unidos, a Rússia e o Norte de África/Sahel –, para mencionar apenas o que me parece particularmente importante, na área das relações exteriores. E também num momento em que Portugal precisaria de reflectir sobre os seu papel no futuro de uma UE mais forte e mais coesa.
Emmanuel Macron e Angela Merkel assinaram hoje um novo tratado de cooperação entre os seus dois países. A cerimónia teve lugar em Aix-la-Chapelle, na Alemanha, muito perto da fronteira com a Bélgica. Trata-se de uma cidade que significa imenso, na história das relações franco-alemãs. Uma cidade simbólica, que serve de última morada ao Imperador Carlos Magno (742-814), um líder que, no seu tempo, tinha uma visão unificadora da Europa.
Sugiro que se faça uma leitura positiva do que agora foi assinado. Ambos os dirigentes querem que os seus países contribuam mais efectivamente para a construção europeia, nas áreas da política, da economia e em matérias de defesa. Estão preocupados com os ataques contra a União Europeia que vários governantes e sectores populistas têm desencadeado. E que planeiam aprofundar, tendo em vista as eleições europeias de Maio de 2019.
Mas o acordo não se limita ao curto prazo. Nem se limita aos interesses da França e da Alemanha. Os outros países da UE também ganham se houver um maior entendimento entre dois dos grandes Estados da União. Que estão, aliás, no centro da geografia e da política comum. E são as duas maiores economias do espaço europeu.
É esse impacto mais geral que deve ser sublinhado.
Logo que foram conhecidos os resultados das eleições europeias, o primeiro-ministro francês vestiu-se de escuro e pôs uma gravata negra. Perante as câmaras, Manuel Valls disse estar em estado de choque e que as eleições representavam um terramoto político. Referia-se, é claro, à hecatombe sofrida pelo seu partido bem como ao facto da Frente Nacional de extrema-direita, xenófoba e antieuropeia ter ganho folgadamente o escrutínio. Mas a indumentária e as palavras de plangência poderiam ser utilizadas noutros cantos da Europa, num contexto equivalente. Da Grã-Bretanha à Grécia, da Dinamarca à Áustria, passando pela Hungria e um pouco por toda a parte, o voto contra o projecto europeu ganhou força. Pesa agora cerca de 17%, em termos de lugares no Parlamento Europeu. Não será muito, pensará o leitor. É, no entanto, uma massa crítica que já pode fazer muitos estragos. E há mais. Juntemos a esse valor o peso da indiferença, que se revelou, de novo, nos níveis elevados de abstenção eleitoral. Ultranacionalismo e alheamento, mais uma boa dose de desconhecimento do que significa a Europa, são uma mistura perigosa para a continuação da unidade europeia.
Estamos, acima de tudo, perante um falhanço crescente – e nalguns casos, dramático – das lideranças partidárias tradicionais. O arco central, à esquerda e à direita, deixou de saber falar com uma parte importante dos cidadãos. A democracia representativa está a perder a capacidade de representar. Numa altura em que prima o Facebook e a comunicação horizontal e sem-fronteiras entre cada um, a tendência é para que se esbatam igualmente as divisões e a distância entre governantes e governados. Quem pensa que vive encavalitado num pedestal, está condenado. Os cidadãos viram-se, então, para os demagogos, para os que fazem do bitaite vulgar e baixo o ponto culminante da sua intervenção social. Ou então, decidem pura e simplesmente afastar-se da política. A Europa está assim em risco de se atolar numa cultura de rejeição sistemática dos políticos e dos seus privilégios. E de se afogar no simplismo das opiniões veiculadas pelos oportunistas e ultranacionalistas.
O terramoto não deve ser visto, todavia, como um tsunami antieuropeu. Continuamos a ter uma parte significativa dos cidadãos que apoia o percurso comum da Europa. Talvez com menos entusiasmo hoje que antes da crise financeira e económica dos últimos anos. Mas continuam a acreditar no valor do espaço europeu como um espaço de liberdade, de respeito pelos direitos humanos e pela diferença, um território político único, capaz de responder aos desafios do ultraliberalismo que se pratica noutras partes do mundo e de influenciar as relações internacionais.
Tendo em mente essas pessoas e muitos dos que agora votaram pelas opções radicais ou se abstiveram, digo que se tornou ainda mais urgente, depois destas eleições, construir uma narrativa moderna sobre o futuro da Europa. Se tivesse meios e poder, era aí que eu investiria. A história inicial, do pós-guerra e da preservação da paz no nosso continente, soa a ultrapassada, sobretudo para os mais jovens. A resposta não passa pelo voltar atrás. O futuro é que mobiliza as pessoas. O desafio está no saber desenhar os contornos de uma ambição comum que sublinhe o que nos une, que não ignore os medos existentes, o desemprego, o custo de vida, o impacto social e cultural da imigração, a insegurança dos mais frágeis, mas que possa recriar esperança. Uma esperança que só fará sentido se for partilhada por uma maioria crescente de europeus.
A lei eleitoral, quando não torna o voto obrigatório, acaba por dar uma vantagem objectiva aos partidos mais fanáticos, aos movimentos dos extremos, aos do protesto e do descontentamento radicalizado. Os militantes e simpatizantes desses partidos não ficam em casa. Quem fica para trás são os indecisos, os cidadãos desiludidos com a política, o eleitor do centro, que umas vezes vota socialista, outras vota à direita, e quando está desiludido e apanhado pela crise, não vota pura e simplesmente.
Em Portugal, os resultados das eleições europeias revelaram que é impossível, para já, fazer projecções prudentes sobre o que poderá acontecer dentro de um ano, quando as legislativas tiverem lugar.
A aliança que está no governo resistiu melhor do que se esperava. Digo isto tendo como elemento de comparação o que se passou em França. Seria acertado pensar que, depois de três anos de austeridade a sério, a coligação PSD-CDS acabaria por ter uma votação muito inferior à que teve.
Do lado do PS, o valor obtido é magro. Cabe à direcção do partido e aos militantes reflectir sobre as razões. Mas a continuar assim, o PS não terá, em 2015, as condições mínimas para levar a cabo a sua política governativa. Estará, se nada mudar, apenas em condições de liderar uma coligação coxa. Digo coxa porque em Portugal não há uma cultura política que seja favorável a alianças entre o centro-esquerda e o centro-direita.
A CDU fez uma campanha clara e ganhou com isso. Mas não é partido de governo.
O resto é paisagem, com ou sem votos, incluindo o “deputado acidental” que é Marinho Pinto.
Fora do nosso espaço, a extrema-direita ganhou peso no Parlamento Europeu. Em França, deixou os socialistas e a direita de Sarkozy em estado de choque. Na Grã-Bretanha, deu-se mais um passo, bem firme, para um confronto aberto entre esse país e a UE. E na pequena Dinamarca, que já foi um exemplo de tolerância e um modelo de cooperação internacional, os ultranacionalistas ficaram em primeiro lugar.
É importante sublinhar a vitória eleitoral do Partido Democrático do centro-esquerda na Itália. Matteo Renzi, o líder do partido e Primeiro-ministro de Itália, afirmou-se como um jovem que sabe fazer política nos tempos modernos.
Agora é preciso ver quem vai ser o Presidente da Comissão Europeia. Jean-Claude Juncker, o candidato que está à frente, não acredita que o deixem passar. Cameron ir-se-á aliar com Viktor Orban da Hungria, um homem ultranacionalista e habilidoso, para impedir que Juncker seja nomeado Presidente. Pensa Cameron que com esse golpe poderá ganhar alguns pontos junto do eleitorado inglês que votou contra a UE. O Primeiro-ministro britânico é uma das principais ameaças ao projecto comum.
Enfim, vai haver nos próximos tempos muita matéria para debater.
Neste dia de eleições e antes de rerem conhecidos os resultados, queria fazer uma declaração de voto contra todas as formas de populismo. O populismo é um alinhamento político ao nível rasteiro, com os líderes a repetir as reações mais primárias do eleitorado menos esclarecido e mais agressivo. É o contrário do que deve ser a liderança e a luta pelo progresso social. Aceitar o populismo é como abrir as portas ao pensamento único, à ditadura dos bitaites, ao domínio dos pistoleiros políticos.
Veremos, mais tarde, quando forem conhecidos os resultados, quanto vai pesar o oportunismo na cena europeia e nacional.
Ser reacionário hoje, no contexto europeu, é pensar que o futuro se constrói pela recriação do passado. É acreditar que a prosperidade passa pelo regresso às velhas fronteiras nacionais, à autarcia económica, ao viver do que a nossa terra dá.
E os reacionárias existem, de um lado e do outro do espectro político.
Não percebo qual foi o motivo que levou Nicolas Sarkozy a escrever o que escreve sobre a UE na edição do magazine Le Point publicada ontem.
Influenciar os eleitores de direita e tentar evitar um êxodo do seu eleitorado na direcção da Frente Nacional de Marine Le Pen? Talvez. Mas o seu texto não influencia ninguém, nesta fase do processo, como uma sondagem hoje realizada pelo Figaro, um jornal da mesma área política, o revela.
Mostrar que ainda mexe politicamente? Talvez. Mas mexe mal, que o texto é um apanhado de contradições. Sem contar que defende uma Europa franco-alemã que já não existe.
Tentar pôr em xeque François Hollande? Talvez. Mas Hollande não precisa de Sarkozy para meter os pés pelas mãos. Sabe-o fazer sozinho, não precisa das piruetas de um rival que ainda não aceitou a derrota. Sem esquecer, diga-se, que a posição de Hollande em relação à Europa é construtiva e realista.
Será um mero exercício de hipocrisia política? Talvez.
A verdade é que ao ler o texto fiquei a pensar como foi possível ter entre os dirigentes da Europa, no passado recente, um trapalhão como este?
Assim não vamos lá. Nem em termos do projecto comum, nem mesmo em termos de atrair os cidadãos a ir às urnas.
Por onde ando, fora de Portugal, é raro aparecer alguém, nas discussões públicas ou privadas, que fale da direita ou da esquerda. São expressões que não fazem parte do quotidiano da esmagadora maioria dos Europeus. Quando lhes digo que em Portugal essas palavras aparecem frase sim frase não, nas conversas dos intelectuais, dos meio-intelectuais e dos que estão sempre a falar ou a escrever sobre política, ficam a olhar para mim com aqueles olhos que dizem não ser possível.
Mas é. Aqui, na nossa terra, somos os campeões da catalogação política. E somos, igualmente, uns doidos pela política.
Só não se percebe, contudo, a razão para taxas de abstenção tão altas, quando chega a altura de ir às urnas.
E, dentro de dias, a ver como param as modas, vamos ter um novo recorde de abstenção.
A pouco mais de uma semana do dia das eleições europeias, a leveza do debate político entre os cabeças de lista é simplesmente confrangedora. E no que respeita ao resto dos candidatos, vive-se no silêncio completo.
Com um panorama assim, qual é o eleitor que se sente motivado para ir votar?
Com excepção, claro, dos carolas que seguem acriticamente tudo o que o seu partido lhes diz.
Estão, na verdade, a transformar esta eleição numa burrice pegada.