A cimeira da UE transformou uma boa parte da dívida grega em dívida a longo prazo e outra, em dívida perpétua. Sem contar que haverá igualmente uma insolvência parcial, a primeira no mundo Ocidental, desde o fim da Segunda Grande Guerra.
São medidas importantes. Não reconhecem, no entanto, que sem um investimento maciço na economia do país e sem mudanças profundas na política económica, a começar pela privatização do que pode ser privatizado e a abertura à concorrência de certas actividades até agora protegidas por medidas legislativas arcaicas e corporativistas, a Grécia não conseguirá sair do processo declínio em que hoje se encontra.
Entretanto, a influência de Angela Merkel saiu reforçada. Como van Rompuy viu as suas atribuições serem ampliadas.
Portugal e a Irlanda vão beneficiar por tabela, com juros mais baixos, equivalentes aos da Grécia e com prazos de reembolso mais alargados. Mas não convém esquecer que uma extensão do período de reembolso significa, também, um alargamento do prazo durante o qual a política económica de ambos os países vai estar sob a supervisão apertada do FMI e da UE.
Finalmente, numa nota mais leve, diz-se que anda em Bruxelas, nos corredores do poder, um fantasma pesado e quase invisível. Quando aparece, por se vestir de presunção, desempenha um papel patético.
Os meus companheiros de viagem mais imediatos foram dois jovens.
Um, libanês, 32 anos, diplomado pelo prestigiado INSEAD de Fontainebleau (MBA) e quadro internacional de um petrolífera americana. Trabalha em Genebra, onde se ocupa dos contratos com os parceiros europeus. Ganha uma pequena fortuna e acumula uma série de regalias. Fala várias línguas e é altamente móvel. Já trabalhou nos estados do Golfo e na América.
O outro, português, 24 anos, terminou agora o segundo ano do curso de relojoeiro de topo de gama, na escola perto de Neuchatel. Falta-lhe um ano lectivo para receber o diploma profissional. Antes de ir para a Suíça viveu em Londres. Natural da zona de Lisboa, sabe que o seu futuro está nos países com grande poder de compra.
Foi dia de greve, um pouco por toda a parte. A razão principal teve que ver com o contínuo aumento do custo de vida e o receio que o sistema que liga os salários à inflação venha a desaparecer, num futuro não muito distante. Aliás, existe uma proposta da Alemanha, que vai nesse sentido.
O cabaz de compras de uma família tipo custa, neste país, cerca de 600 euros por semana. O rendimento das famílias tem, por isso, que atingir o valor líquido mensal de 2576 euros, para que se ultrapasse o limiar da pobreza. O salário mínimo vale 1440 euros/mês. Muitos trabalhadores recebem, líquidos, pouco mais que isso. Ambos os cônjuges são obrigados a trabalhar, para poder responder às necessidades da vida. As famílias monoparentais constituem a grande massa dos novos pobres.
Na região da capital e no Sul do país, a greve foi seguida por muitos. No Norte, apenas os trabalhadores das grandes unidades industriais e dos transportes interurbanos responderam ao apelo. O resto, fez um dia como os outros.
Vivi, neste contexto, uma experiência interessante. Sexta-feira é o dia das compras semanais. Ora, os supermercados da capital e dos subúrbios estavam fechados. O mesmo acontecia em todo o Sul.
Para não alterar os hábitos e os compromissos, peguei no carro, conduzi 24 quilómetros. Na Flandres, o Norte do país, estavam todos abertos. Lá entrei numa grande superfície da cadeia que costumo frequentar, fiz as compras e voltei para casa. Sem furar nenhuma greve. Deu-me, no entanto, a impressão que fora às compras ao estrangeiro.
Recentemente, um dos meus leitores comentava, nestas páginas, o facto do Instituto Diplomático do Ministério dos Negócios Estrangeiros se ter equivocado, quando ao meu título e categoria na ONU. Na verdade, ao anunciar a minha participação no Seminário Diplomático deste ano, havia uma subvalorização da minha posição nas Nações Unidas.
Lembrei-me, então, que noutros países, as coisas se passam de modo diferente.
Menciono um exemplo ainda fresco. Dois colegas meus, súbditos de Sua Majestade a Rainha lá em Londres, que se aposentaram mais ao menos na altura em que também o fiz, gente que havia percorrido os corredores da ONU comigo, ao longo das últimas décadas, foram agraciados no final do ano, como reconhecimento pelas carreiras de sucesso que ambos conseguiram fazer, no seio da organização. Incluídos na Honours List. Foram, mais ainda, convidados para participar, como conselheiros especiais, a título mais ou menos gracioso, num par de instituições inglesas de grande prestígio. O Reino Unido pensa que não deve desperdiçar a experiência que cada um deles acumulou.
Há mais exemplos, do mesmo género, noutros cantos do globo.
No meu caso, os gestos vieram de outras terras. De fora, não de Lisboa, que por aqui não se dá importância a estes pequenos nadas.
Nos centros comerciais da Europa mais rica, em vésperas de Natal, os corredores estão cheios, gente a passear ou, talvez, apenas, quem pode adivinhar, sem saber o que comprar. O contraste com o movimento nas lojas é grande, há poucos clientes, estando algumas, verdadeiramente, às moscas.
Um clima frouxo, num Inverno frio. Receios, numa atmosfera cinzenta.
As pessoas cortam-se. Não sabem bem o que 2011 vai trazer.
Os únicos comércios que não se queixam são os dos comes e bebes, mas apenas os que oferecem preços em conta.
A experiência adquirida pelos militares brasileiros no Haiti, no quadro da missão da ONU, tem sido muito útil para o combate ao crime urbano no Rio de Janeiro. E tem havido uma excelente articulação entre eles e a polícia. Agora, há que levar o trabalho até ao fim.
Entretanto, lembro que a experiencia trazida do Haiti foi a do combate ao crime organizado. Gangues de vários tipos, mas todos muito violentos, dominavam sectores importantes de Port-au-Prince. As forças da lei e da ordem pública não podiam entrar nesses bairros. A ofensiva, lançada pelos capacetes azuis, demorou meses e causou muitas perdas, com muitos bandidos mortos de armas na mão.
Também aconteceram estórias do arco-da-velha.
A determinada altura, a secção de informações da missão da ONU descobriu aquilo que lhe parecia ser o quartel-geral dos criminosos. Era uma espécie de bunker, num dos bairros mais centrais e mais perigosos do centro da cidade. Havia entradas e saídas de gente, a todo o momento, assim o mostravam as fotografias tiradas, a uma certa altitude, dos helicópteros. E parecia mesmo ter fossas subterrâneas, provavelmente para que os bandidos pudessem dispor dos que eram sentenciados.
O ataque demorou semanas a ser preparado. Tudo muito secreto. Teve, finalmente, lugar, numa madrugada feia. Foi uma operação estranha. Não houve resistência por parte dos ocupantes. E o bunker era afinal um edifício de latrinas públicas, construído por um consórcio de ONGs. Acabou por ser, na verdade, uma operação de caca.
O aeroporto de Bruxelas estava às moscas. A maior parte dos voos haviam sido cancelados, uma vez mais. Coisas de gente que não está para arriscar. O avião da tarde, para Lisboa, foi um dos poucos a bater as asas e fazer-se às cinzas. Um dos meus companheiros de viagem havia passado quatro dias num dos hotéis do aeroporto. Ontem, um homem, com sentido de oportunidade, meteu-se à fala com ele, na recepção do hotel. Disse-lhe que por 2000 Euros o conduziria a Lisboa.
Há sempre um negócio possível, nos momentos de grande confusão.
Três patuscos, duas mulheres e uma coisa parecida com um homem, velho, barba de vários dias, e meio morto de não sei quê nem por que razão, viajaram igualmente. Gente com muitas décadas em cima das banhas. No aeroporto, enquanto as mulheres falavam, num daqueles vernáculos que faria corar um cabo velho da velha GNR, sobre pessoas suas conhecidas, gente da emigração, dura como as pedras e tosca como um carvalho dos antigos, primária na sua maneira de viver a vida, mas com sucesso financeiro, o farrapo ia emborcando umas cervejas, à falta de uma boa aguardente de aldeia das brenhas natais. Já a bordo, enfiou mais duas, para chegar à meia dúzia. Fora o gesto de levar a lata ao buraco da boca, pouco mais mexia, naquele corpo que já viu outros ritmos de energia. Quarenta anos de emigração dão umas coroas para um processo de embrutecimento alcoólico, a juntar ao resto.
Fora isso, o embaixador da Guiné, também previsto no trajecto, faltou à chamada. Anda escondido, ao que parece, nos becos mais escuros de Bruxelas, que Bissau não lhe envia meios há tempos que já não têm conta. Os credores devem andar loucos, à procura do senhor embaixador ou de quem responda por ele. Isto de ser o representante de um país que avança para o futuro em marcha atrás tem que se lhe diga.
O lacrau apareceu na minha casa de banho sem marcação. Foi um frente a frente inesperado. Podia ter dado para o torto. Estava a cinco minutos de me dirigir para o aeroporto, a fim de apanhar o voo dos mochos para Paris.
O escorpião estava imóvel, no terreno descampado que é o espaço entre a banheira e o lavatório. Convenci-me que estava morto. Um erro de apreciação grave. Tentei apanhá-lo, com um pedaço de papel, para lhe proporcionar um banho na sanita. Deu um pulo. De rabo espetado na direcção da mão que ousara tentar o contacto. Se me tivesse picado, o avião teria um lugar vago, o que teria tornado mais confortável a viagem do passageiro que estava destinado a ser o meu vizinho da noite aérea.
Os acidentes com este tipo de aracnídeos são frequentes nas regiões onde me movimento. As picadas causam dores intensas, febre, paralisação da área mordida. Exigem cuidados médicos especializados. São uma boa chatice. Por algum tempo.
Há uns quatro anos, um dos polícias portugueses, destacado na capital isolada do Norte da Serra Leoa, no burgo de Makeni, era o orgulhoso dono de um exemplar de boas dimensões. Não me lembro que nome lhe deu. Mas recordo que saía a correr da esquadra onde era conselheiro, para poder chegar a casa antes do Sol pôr, e apanhar um par de insectos, para alimentar o seu companheiro de solidão. Isto de andar em missões, longe dos amores, dos próximos e do Futebol Clube do Porto – o Chefe é um fã cerrado da Nação Portenha – tem algo que se lhe diga.
Já perto do fim da missão do nosso polícia, o bicho faleceu. Não sei se foi de morte natural, ou se o Chefe deu uma ajudinha – o amor é assim! Assume, por vezes, formas extremas, quando a outra alternativa é a separação. A verdade é que com a sua transição foi possível proceder ao embalsamento do nativo de Makeni.
Hoje, está pendurado na parede da sala de um apartamento do Grande Porto. Um quadro bem feito, digno, que honra a memória de um belo exemplar, que pertenceu a um mundo onde as picadas venenosas, embora façam doer, são feitas sem segundas intenções.
Era suposto ser um Domingo tranquilo. O céu estava de um azul sem manchas. Faz sonhar. Mesmo nestas terras. O harmatão, este ano, tem-nos poupado. Não tem havido a poeira no ar, habitual nesta estação. Os dias começam frescos, com cerca de 16 graus, aqui na capital do Chade, depois aquecem, vão aos trinta e cinco ou isso por aí à volta. Hoje era dia de escrever a minha prosa para a Visão desta semana. Tinha combinado que continuaria a reflectir sobre o terrorismo.
O embaixador inglês, residente em Youndé, chegou a meio da manhã. Para umas reuniões comigo e com outros embaixadores. Pedi ao meu director de gabinete que o recebesse. Uma colega sénior das Nações Unidas havia chegado ontem à noite. Está de passagem, a caminho de Bangui. O meu protocolo teve a missão de se ocupar da colega. Tudo para me permitir alguma pausa.
Acabou por não ser bem assim. Depois do incidente no campo de refugiados de Gaga, ontem, havia que iniciar um inquérito, hoje. Mandei uma equipa de investigadores. O Leonardo, um Subintendente da PSP aqui em serviço, fazia parte da equipa. É um excelente profissional, que muito honra a presença portuguesa. Entretanto, mais a Norte, em Iriba, a base de CARE, uma ONG com quem trabalhamos, foi atacada por homens armados, para roubar o que fosse possível, incluindo as viaturas. A nossa Polícia (DIS) saiu em perseguição. Um dos agentes foi ferido num pé. Lá foi preciso organizar uma evacuação sanitária para Abéché, por helicóptero.
No sector Sul, em Birao, as tropas do governo, um pelotão, foram atacadas por cerca de cem homens armados. 45 quilómetros ao Norte da cidade, a caminho da fronteira com o Chade. Uma zona com mais rebeldes do que habitantes. Um recorde. Mais uma intervenção a prever, do nosso lado.
Entretanto, o texto para a Visão lá foi avançando. Ao princípio ficou muito técnico, quase parecia um míni relatório sobre a problemática da análise das informações de segurança. Tive que fazer várias passagens, cortar a torto e a direito, que 3500 caracteres não dão muito espaço. Continuei essa tarefa, até me lembrar que havia prometido telefonar à minha filha mais nova, que está a residir em Espanha. Segunda ou o mais tardar, Terça, prometera eu. Com todas as surpresas da semana, a coisa passou-me. A promessa tornou-se uma de mau pagador. Peguei no telefone e pedi que me desculpasse. É que eu tenho alturas em que nem sei a quantas ando.
O dia primeiro do ano novo acabou mal. Estava a entrar no cerne da questão, numa matéria de muita importância nesta nova vida, quando todos os sistemas de comunicação se foram abaixo. Deixou de haver net, a rede telefónica de segurança desapareceu, fiquei com aquele sentimento que os galãs dos filmes de outrora deverão ter sentido, quando, prestes a beijar a donzela, depois de uma cena de grande intensidade dramática, acontece uma catástrofe qualquer e tudo fica de pantanas. E não há beijo.
Neste caso, não houve muita coisa, inclusive blog. Começar o ano assim é de ficar com os ossos todos frustrados.
O plano era partilhar estas flores de uma zona árida. Flores que encontrei à saída de Guéréda, uma terra de muita violência, num sítio onde o Sahel se finda e surge a paisagem do Sahara.
Aqui estão as flores:
Copyright V. Ângelo
Com estes arbustos e pedregulhos, mesmo à beira da picada que sai da localidade para o Oeste, a área tem sido local de muitas emboscadas e ataques contra os trabalhadores humanitários e os funcionários internacionais. O último caso foi o de delegado do governo para a ligação com os refugiados. Foi assassinado a uns metros desta árvore tão linda.