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https://www.bertrand.pt/livro/vivencias-e-reflexoes-geopoliticas-para-onde-vamos-victor-angelo/28216829
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https://www.dn.pt/opiniao/uma-rentree-bem-complexa-e-agora-15147747.html
Este é link para o meu texto de hoje, o texto da rentrée, no Diário de Notícias.
E este é o último parágrafo desse meu escrito:
"É altura de se ser franco e direto. A agressão coloca-nos perante três opções e pede-nos uma decisão firme e clara. Uma solução inspirada na técnica do banho-maria não resulta. Na realidade, com o tempo, acaba por encorajar o infrator e outros com intentos semelhantes. Aqui, ou se acende o lume ao máximo - na convicção de que no final se estará do lado dos vencedores e dos sobreviventes - ou se procura uma receita alternativa, uma via política. É essa a escolha determinante que os nossos líderes têm de fazer."
Hoje, vi-me forçado a lembrar ao meu amigo D. que estamos em 2022. Já não vivemos em 1991 ou 1998, e ainda menos nas décadas anteriores. Agora, as pessoas e as suas opiniões contam como não contavam nesses tempos. Se os ucranianos não querem ser russificados, ou aderir à Rússia de Vladimir Putin, não há nenhuma teoria geopolítica que justifique o uso da força. Esse uso é pura e simplesmente ilegítimo.
E já agora, o mesmo se pode dizer sobre Taiwan, o Tigray, a Palestina e outros territórios.
Antony Blinken lembrou hoje que a rivalidade que conta é a que existe entre os EUA e a China. As suas palavras, pronunciadas num discurso formal na George Washington University, revelam qual é a política da Administração Biden em relação à China. E que esta é a prioridade absoluta em matéria de política externa.
O lema é que a China se tornou “mais repressiva na cena doméstica e mais agressiva na internacional”.
A questão uigure ocupa uma posição central, quando se fala da repressão interna. Ainda esta semana foi objecto de revelações que mostram a extensão e a violência do problema. Mas não se trata apenas da violação dos direitos humanos dessa etnia. Hong Kong, a vigilância apertada dos cidadãos chineses, são dois outros exemplos.
Em matéria externa, uma das grandes preocupações diz respeito ao controlo e ocupação do Mar do Sul da China. A outra é a aliança com o regime de Vladimir Putin.
Mas a política americana em relação à China tem vários pontos fracos. É fundamental que Washington os reconheça e corrija. Só assim estará numa posição mais firme.
A nova cimeira do Quad – EUA, Austrália, Índia e Japão – teve hoje lugar em Tóquio. E vale a pena ler o comunicado final, que fala da Ucrânia, mas não ataca nominalmente a Rússia. Prefere falar da inviolabilidade das fronteiras nacionais e do respeito pela lei internacional. Que é uma maneira indirecta de falar da agressão russa.
Curiosamente, enquanto decorria a reunião, bombardeiros russos e chineses realizaram um longo exercício aéreo ao longo da fronteira com o Japão. Esse exercício só pode ser visto como uma manifestação de força e de cooperação entre as duas potências. E ser interpretado com alguma preocupação, por mostrar que a tensão existente é muito maior do que aquilo que muitos pensam.
Não sei se já repararam, mas alguns dos nossos analistas batem sempre em duas teclas. Primeiro, que as preocupações geopolíticas de Putin o autorizam a violar a lei internacional e a invadir um país soberano. Segundo, que a culpa da guerra e das atrocidades estarem a continuar se deve ao facto de Zelensky não se render, não aceitar as exigências do vizinho Golias. O presidente ucraniano é constantemente referido como inexperiente, ingénuo, um pau-mandado dos ocidentais. A sua eleição em 2019 com mais de 73% dos votos populares é varrida para debaixo do tapete. Preferem Putin, que é um trafulha eleitoral e um ditador.
Tudo o que escrevem e dizem anda à volta dessas duas idiotices. Não conseguem sair daí. Nunca mencionam a lei internacional, os princípios da coexistência pacífica, o respeito pela soberania nacional dos outros Estados. Mas andam convencidos que são mais espertos do que os outros, que enxergam o que os outros não conseguem ver. Na verdade, são meros zarolhos ideológicos.
A crise provocada por Vladimir Putin é muito complexa. Por isso, gera muita incerteza e confusão. Existem muitas contradições entre as palavras e os factos. Ainda hoje, numa encenação para telespectador ver, Sergey Lavrov disse ao Presidente que a via diplomática não está fechada. Esta foi uma afirmação nova, propositadamente transmitida a partir do Kremlin. É impossível fazer uma interpretação correcta dessa mensagem. Pode, de facto, significar que os contactos diplomáticos irão prosseguir, como também pode ser uma manobra, para desviar as atenções dos planos militares. Quem insistir que se trata de uma ou outra, está apenas a dar uma opinião baseada no lançar de uma moeda ao ar.
A confusão é tal, que leva certos observadores a dizer que tudo isto acontece por causa dos interesses económicos e militares dos Estados Unidos. É uma interpretação extremamente criativa de uma realidade que tem na origem um destacamento excepcional de tropas russas para junto das fronteiras ucranianas, incluindo as marítimas. Se essa interpretação fosse levada a sério, isso significaria que as movimentações de tropas russas aconteceram para satisfazer os objectivos políticos dos americanos. Nessa maneira de ver, estaríamos perante uma conspiração urdida conjuntamente por Biden e Putin. Basta pensar nisso, para se perceber o ridículo deste pretenso cenário.
Para os Estados Unidos, a situação de crise grave que se vive no leste europeu, com a Ucrânia no olho do furacão, obriga a tirar os olhos da preocupação principal que é a rivalidade com a China. A política de Washington em relação à Europa tem como linha principal o desengajamento progressivo em matéria de defesa. A ofensiva russa contraria esse rumo. Essa é uma das grandes consequências geopolíticas do que se está a passar. Os Estados Unidos vão ter de continuar fortemente presentes no espaço europeu. É isso que os países membros da NATO situados no leste da Europa pretendem. A sua influência no seio da Aliança Atlântica sairá reforçada desta crise. Esses países não acreditam na possibilidade de se construir uma Europa da defesa. Para eles só se poderá falar de uma Europa capaz de resistir à pressão russa enquanto houver uma presença significativa de meios humanos e materiais dos Estados Unidos em território europeu.
A grande questão será a seguinte: por quanto tempo mais aceitarão os americanos ser o guarda-chuva dos europeus, tendo presente que essa responsabilidade enfraquece as suas capacidades de resposta perante os desafios vindos da China?
Hoje fizeram-me uma série de perguntas sobre o mundo. Foi uma longa sessão, que resultará numa entrevista que deverá sair a público no primeiro dia do Ano Novo. Ou nesse fim de semana. Falei de Joe Biden e do seu primeiro ano de política externa. Da Europa como potência global. De Vladimir Putin e da NATO. Da pandemia. Da reforma das Nações Unidas. De questões de liderança, que é um tema que estudo há alguns anos. Aí, falei dos diferentes tipos de líderes: positivos, como Nelson Mandela; negativos, como Donald Trump; e dos neutros, que não atam nem desatam, apesar da popularidade que têm. Neste último caso, deixo a escolha de um exemplo para o leitor. Tenho a certeza que haverá por aí um nome que sobressairá de imediato. Claro que também respondi a questões sobre a China.
No final, o entrevistador, que é um dos grandes dos nossos media, recompensou-me bem, ao dizer:” Excelente reflexão sobre o mundo de um homem que efetivamente viu muito mundo”.
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