O Reino Unido já está fora do Euro, de Schengen, da política europeia de migrações, dos acordos de justiça e de segurança interna.
É uma ilusão pensar que Londres não vai exigir mais excepções no futuro.
O referendo é um problema britânico, um problema da liderança de Cameron. Agora, transformou-se num problema europeu igualmente.
A UE constrói-se com base na soberania partilhada e nos interesses comuns.
Reunião do Conselho Europeu a 18 e 19 de Fev para debater a proposta de Donald Tusk.
A proposta de Tusk foi muito mal recebida pela imprensa popular britânica, os chamados tabloides. Nomeadamente a questão das regalias sociais dos migrantes europeus que venham para o RU, o facto da City ter que se subordinar às normas financeiras da EU em matéria de bancos, separação entre bancos comerciais e de investimento, e requisitos de capital próprio.
Os cidadãos do RU não estão informados sobre a UE. Não sabem que o país beneficiou bastante com a adesão. Apenas conhecem alguns casos anedóticos.
Os seis estados fundadores são pelo aprofundamento da União, conforme afirmado pelos seus ministros dos Negócios Estrangeiros em Roma, a 9 de Fev. de 2016.
Os países do grupo de Visegrado ( Chéquia, Eslováquia, Polónia e Hungria) têm sérias reservas sobre a parte “social” da proposta de Tusk, nomeadamente sobre os abonos de família que seriam pagos com base nos valores nacionais destes estados, caso as crianças não tenham acompanhado os pais na ida para o RU.
Vamos continuar numa Europa a duas velocidades. Mas isto é diferente de uma UE à la carte, onde cada um escolhe apenas o que lhe interessa.
Riscos de um sim ao Brexit: separação da Escócia; proliferação de referendos noutras partes da União; enfraquecimento da imagem da EU; impacto sobre o PIB europeu. Uma caixa de Pandora.
Grande preocupação ao nível da Administração Obama sobre um possível Brexit.
Que vai acontecer a David Cameron se perder o referendo? A sua popularidade nas sondagens tem estado a baixar. Poderá ser o grande perdedor de todo este processo.
Na Europa, os controlos de segurança nos aeroportos estão ainda mais paranoicos. Não estamos ainda aos níveis de obsessão que se notam nos aeroportos dos Estados Unidos ou da Grã-Bretanha, felizmente. Aí, nesses países, há procedimentos a mais, muita perda de tempo para quem viaja.
Mas a verdade é que os tempos mudaram, e agora o medo passou a ser a dominante para muita gente. As pessoas andam desconfiadas. Nota-se.
E a segurança passou a ser um tema de topo nas agendas políticas. Não pode ser, no entanto, uma preocupação que faça esconder tantas outras, relacionadas com o emprego, o desenvolvimento, o ambiente, as liberdades e a os direitos humanos.
E por falar em direitos humanos, hoje é o dia mundial em que se recorda a sua importância.
Vi uma boa parte da primeira intervenção de Jeremy Corbyn em Westminster, como líder trabalhista, e pareceu-me muito bem. Pode não se estar de acordo com muitas das suas ideias, mas o estilo sério, ponderado e modesto inspira confiança e sabe a modernidade. As preocupações que levantou, nas Perguntas ao Primeiro-ministro, vieram directamente das pessoas, tratavam de assuntos reais e preocupantes, com as questões do acesso à habitação a preços controlados ou a falta de cuidados de saúde para os doentes mentais.
A eleição de Jeremy Corbyn como Líder do Partido Trabalhista do Reino Unido continua a despertar as mais variadas reações e interpretações. Dentro do partido, a maioria dos dirigentes que haviam sido, nas duas últimas décadas, as personalidades fortes e a voz dos Trabalhistas no Parlamento e na imprensa, decidiu não alinhar com Corbyn. Não aceitaram fazer parte do Governo-Sombra, ou seja, dos que se sentam na bancada da frente no Parlamento e fazem contraparte e oposição aos ministros do Governo de facto. Apesar disso, a equipa que Corbyn conseguiu formar – e foi anunciada hoje – tem mérito e vai certamente dar luta à formação de David Cameron. O primeiro teste do novo grupo de dirigentes vai ter lugar nesta quarta-feira, no Parlamento, durante a sessão quinzenal das Perguntas ao Primeiro-ministro. As atenções vão certamente estar focadas nessa confrontação. Assim são os tempos que correm. Elege-se alguém e quer fazer-se um julgamento definitivo sobre esse novo dirigente de imediato. Há que esperar. Jeremy Corbyn é certamente uma grande incógnita em termos de liderança. Uma coisa é ser um rebelde, outra é dirigir um partido como o Trabalhista. Mas julgar o homem desde já, será injusto. Há que seguir os acontecimentos com atenção e tentar perceber o que se está a passar no Reino Unido. E ver qual é o impacto de tudo isso sobre outras partes da política europeia.
Após várias semanas de eleições internas, o Partido Trabalhista do Reino Unido anunciou hoje que o novo Líder passa a ser Jeremy Corbyn.
É, como não podia deixar de ser, um membro do Parlamento em Westminster. Ao longo do seu longo percurso político, Corbyn foi sempre considerado um deputado à revelia da política do seu partido. As suas posições são de um radicalismo de esquerda que, até agora, não tinha cabimento no quadro de ideias que durante muitos anos – e sobretudo a partir dos tempos de Tony Blair – constituiu a política oficial do partido. Por isso, a sua eleição não só marca um momento de revolução interna como surpreende.
Há que reflectir sobre o significado desta eleição.
As razões serão várias. Mas hoje queria deixar aqui uma que me parece particularmente interessante. Muitos dos que votaram por Corbyn disseram que este é um político com ideias claras e fáceis de entender. Não fala com meias-palavras, com subtilezas e lengalengas que nos deixam a dormir em pé, nem tem medo de dizer aquilo que pensa. Diz sim ou não e explica porquê. Pode não se estar de acordo com a explicação, mas fica-se com uma alternativa clara em cima da mesa. Em matéria de política, o cidadão gosta de fotografias a preto e branco.
Quando se analisam grandes movimentos de massas, como os que estão a acontecer na UE, não nos podemos esquecer do efeito “ bola de neve”. Os muitos de ontem, são seguidos hoje por milhares e por várias vezes mais, amanhã. Cada um que parte deixa na retaguarda, três, quatro ou mais potenciais migrantes.
Uma parte da explicação do que está a acontecer terá que ver com o ocorrido em 2014. Nesse ano, a Alemanha acolheu cerca de 200 mil candidatos a refugiados. Um bom número dessas pessoas fez chegar a mensagem, aos familiares, amigos e conhecidos que ficaram para trás, que a Alemanha abrira as suas portas ao acolhimento. Nos campos de desespero, na Turquia e noutros sítios, uma mensagem desse tipo desencadeia novas esperanças e dá força a mais partidas. E assim surgiu a vaga de fundo que estamos a presenciar este Verão.
A resposta que vier a ser dada aos que agora chegam irá influenciar muitos dos que ainda estão nos campos no Médio Oriente. Tendo em conta a resposta humanitária que está em marcha, sobretudo na Alemanha, na Áustria, na Itália, e em mais um ou outro país da União, é de prever que a “bola de neve” continue nos próximos meses. Haverá um afrouxamento com a chegada do mau tempo e da estação outonal. Mas retomará fôlego logo que a Primavera de 2016 dê sinais de luz.
Perante esta constatação, torna-se evidente que a janela de oportunidade para estabilizar a situação na Síria e permitir um retorno ao país corresponde fundamentalmente aos próximos seis meses. A ONU e os amigos da Síria, de todos os bordos, deveriam redobrar os esforços necessários para a resolução da crise. É preciso chegar a um acordo político que respeite todos e cada um dos grupos étnicos existentes no país bem como os direitos humanos de cada cidadão. Esse acordo terá um impacto indiscutível sobre a situação humanitária. Passa, e há que ter a coragem de o dizer, por uma revisão da posição de certos governos no que respeita a Bachar al-Assad e ao grupo que o apoia. Assad é, indiscutivelmente, uma grande parte do problema. As circunstâncias dos últimos tempos mostraram que terá agora que encarar a oportunidade de ser parte da solução. Não haverá paz na Síria sem um acordo entre todas as facções.
A outra face da medalha diz respeito à liquidação do Estado Islâmico. Ao mesmo tempo que se procurará um acordo político interno, com a garantia da comunidade regional e do Conselho de Segurança, deve passar-se a uma fase superior na luta contra a liderança do Estado Islâmico. Os planos franceses e ingleses de atacar bases do EI no interior da Síria serão, quando ocorrerem, passos significativos no bom sentido. Mas será preciso mais. O EI tem que sofrer golpes definitivos nas próximas semanas e meses.
Assim sim, assim estaremos a tratar da contenção da “bola de neve”.
No Reino Unido, a campanha para a liderança do Partido Trabalhista está a chegar ao fim. A votação começa a 14 de agosto e irá decorrer até 10 de setembro. Dois dias depois, saber-se-á o nome do novo líder, que se irá sentar no Parlamento no lugar oposto ao de David Cameron. Tem sido um período, desde a derrota nas legislativas nacionais de 8 de maio, de grande agitação entre os apoiantes do partido. Há quatro candidatos em liça. O mais radical, Jeremy Corbyn, um deputado com uma longa carreira no Parlamento, hoje com 66 anos de idade, parece estar melhor posicionado para vencer a disputa. Esta hipótese de vitória deixa muita gente surpreendida. Corbyn sempre foi um rebelde no seio dos Trabalhistas, um solitário fora das estruturas do aparelho. Ao longo de várias legislaturas, votou mais de 500 vezes contra a linha do seu partido. As suas ideias políticas vão no sentido de uma maior intervenção do Estado na economia, de um acréscimo significativo das despesas sociais, da renacionalização dos caminhos-de-ferro e de outros serviços, de uma diminuição significativa das despesas militares da Grã-Bretanha e de uma fiscalidade elevada em relação aos rendimentos mais altos. Tem mostrado, ao longo da sua vida pública, profundos desacordos com a política externa americana e de Israel. Estas ideias estão em contracorrente das realidades britânicas. O défice anual do orçamento do Estado ronda os 70 mil milhões de libras. As propostas de Corbyn agravariam o défice ainda mais e acabariam, pensam os eleitores, por exacerbar a carga fiscal para a maioria dos cidadãos. E as opções em matéria de defesa e de política externa são igualmente contrárias às que têm sido tradicionalmente aprovadas nas urnas e que constituem a essência das alianças exteriores do país. Ou seja, Jeremy Corbyn parece estar prestes a ganhar uma boa parte dos votos no interior do seu partido e a perder o apoio de uma grande percentagem do eleitorado nacional. Por isso, os Conservadores acham que a sua possível elevação a chefe do Partido Trabalhista será uma excelente notícia. Há quem diga, mesmo, que certos círculos conservadores estarão a promover uma campanha mediática que favorece a eleição de Corbyn. Querem o homem a chefiar uma oposição que terá imensas dificuldades, segundo pensam, em ser aceite por grandes segmentos da população. Não acredito nessa teoria conspirativa. Mas creio que iremos ver, também na Grã-Bretanha, um partido tradicionalmente social-democrata na oposição por muitos anos. Penso, igualmente, que a eleição de Corbyn, se vier a acontecer, vai obrigar muita gente a reflectir sobre o papel dos partidos social-democratas e socialistas na Europa de agora e dos anos que se aproximam.
Ao contrário do que os políticos europeus nos querem fazer crer, a epidemia de Ébola tem que ser combatida no terreno. Neste caso, na África Ocidental, na Libéria, na Serra Leoa e na Guiné. E para que isso aconteça, é preciso mobilizar um grande número de pessoal, médico, paramédico e logístico. Sem esquecer que a comunicação e a informação das populações é outra dimensão essencial da luta contra este flagelo. Especialistas em comunicação têm que fazer parte das equipas.
Tirar a temperatura à chegada dos passageiros aos aeroportos europeus não chega nem resolve o problema. Fechar as fronteiras, suspender os voos, impedir a circulação das pessoas são medidas absurdas.
Cuba, ao enviar centenas de técnicos de saúde para a Serra Leoa, está a dar o exemplo. Como o estão a dar os Estados Unidos e, numa dimensão mais reduzida, a Grã-Bretanha. A organização Médicos Sem Fronteiras é outro bom exemplo, como o são outras ONGs internacionais, entre elas, Save the Children.
A Organização Mundial da Saúde precisa, por outro lado, de mais meios financeiros. Só assim poderá desempenhar o papel de coordenação técnica que lhe cabe. Além disso, há que aumentar a ajuda alimentar às populações que estão no olho do furacão. A economia local tem sido profundamente abalada pela epidemia. Sem contar com o grande número de órfãos.
Tudo isto exige um esforço global. Uma concentração de esforços e de apoios aos países em causa.
Há 15 dias escrevi na Visão que o voto pela independência da Escócia seria um erro, por várias razões, incluindo por constituir um encorajamento aos diversos populismos e nacionalismos bacocos e retrógrados que estão a aparecer em vários cantos da Europa. Previ, nessa altura, que o “não” ganharia de maneira clara e sem apelo. Alguns amigos meus pensaram então que a minha opinião era pouco prudente, pois o “sim” parecia estar de vento em popa. Acharam mesmo que eu me arriscava a perder alguma credibilidade em matéria de análise de política internacional.
O resultado do referendo, hoje conhecido, traduziu-se numa estrondosa vitória dos que se opõem à independência. A minha previsão bateu certa. E as ambições dos que querem fragmentar ainda mais uma Europa que precisa de estar unida sofreram uma derrota bem significativa.
Agora, como escrevi na altura, vai surgir o verdadeiro problema para a Grã-Bretanha: o que fazer em relação à União Europeia. Essa é a questão em cima da mesa. Essa é a questão existencial. Cameron não estará à altura de a resolver. Como também não esteve à altura do desafio escocês. Se não fosse a ajuda dos Trabalhistas, em particular de Gordon Brown, Cameron teria sido confrontado com enormes dificuldades perante a consulta popular escocesa.
Um número importante de ingleses irá votar, se houver um referendo sobre a Europa, contra a União. Com a Escócia dentro do Reino Unido, uma parte dos votos contra a Europa será anulada por votos a favor da Europa, vindos do lado escocês. Mas isso não será suficiente.
E, infelizmente, não creio que os Trabalhistas de Ed Miliband consigam chegar ao poder antes do referendo.
A satisfação de hoje não nos pode fazer esquecer os problemas que se avizinham. E os riscos que um primeiro-ministro fraco acarreta.
Transcrevo o texto que hoje publico na revista Visão.
Fragilidades britânicas
Victor Ângelo
Num almoço recente, em que se discutia o referendo sobre a independência da Escócia, Mark, coronel do exército de Sua Majestade, contou-nos a sua experiência pessoal. Casado há muito com uma escocesa proveniente de um dos clãs das terras altas do norte do país, disse-nos que a família da mulher continua a olhar para ele com desconfiança e a tratá-lo de maneira distante. A razão é clara: Mark é inglês. Na Escócia profunda continua a existir uma gama de preconceitos negativos contra todos os que vêm do lado sul da velha fronteira, ou seja, os ingleses. É aí, nas águas turvas do pântano identitário e das ideias feitas, dos simplismos, que Alex Salmond, o líder do governo escocês e campeão do movimento independentista, vai à pesca de votos. O resto está resolvido. A devolução e a descentralização do poder constam do quadro constitucional vigente, que já concede autonomia total à Escócia em matérias tão importantes como as relativas à produção das suas próprias leis, à educação, saúde, finanças e organização política interna. Até a Igreja da Escócia é independente da Igreja da Inglaterra!
Salmond, como outros populistas noutros cantos da Europa, sabe que os sentimentos nacionalistas estão a dar votos. Deita então mais achas para a fogueira ao acenar com miragens de maior riqueza – os recursos do petróleo do Mar do Norte ficariam então na Escócia livre – e de uma sociedade a funcionar melhor, uma vez liberta do peso dos pobres, que seriam contidos do outro lado da fronteira. Fica, no entanto, calado quando lhe dizem que a independência traria um impasse infindável, no que respeita à integração na UE. A Espanha opor-se-ia, com unhas e dentes, à candidatura de adesão que pudesse resultar de um voto favorável à independência a 18 de setembro. O mesmo aconteceria com a Itália, a França e outros, para não estar a mencionar o governo de Londres. Convém acrescentar que mesmo um processo de associação à moda da Noruega parece inaceitável para certos estados membros.
Os nacionalismos arrebatados – incluindo em Portugal, com toda a retórica extremista que por aí anda sobre as vantagens que teríamos se viéssemos a sair da moeda única – têm sido a desgraça da Europa, ao longo dos tempos. Agora são, acima de tudo, uma distração política potencialmente perigosa, que desvia as atenções dos verdadeiros problemas: o impacto da globalização nas economias e no emprego europeus, o relacionamento com a Rússia e com as margens sul e oriental do Mediterrâneo, a radicalização de cariz religioso e cultural em certos países da UE, a precariedade social crescente, sem esquecer a complexa crise política que agora está a minar, muito a sério, o processo de construção europeia.
A Escócia irá provavelmente votar contra o absurdo que Salmond representa. Oxalá! Mesmo que isso não venha a retirar muito vento às velas independentistas da Catalunha – e a Catalunha é um problema bem mais sério, capaz de abalar a estabilidade política e económica de Espanha, o que também acabaria por ter um enorme impacto em Portugal – permitirá esfriar alguns entusiasmos separatistas noutras partes da Europa. E ajudar a Grã-Bretanha a concentrar-se na questão que de facto vai condicionar o seu futuro: a relação com a UE. É aí que a porca torce o rabo. Se a opinião pública britânica se virar contra a Europa – esse risco é cada vez maior – as consequências serão enormes. A possibilidade da deriva britânica passa mais por Londres e Bruxelas que por Edimburgo.