Aconselho vivamente que passem pela exposição de Joana Vasconcelos. Oferece um excelente pretexto para visitar um palácio que vale a pena ver com cuidado, o Palácio da Ajuda. E para apreciar as maravilhosas peças de arte que o decoram, desde a segunda metade do século XIX.
Ontem fui jantar às docas de Alcântara. Os restaurantes estavam vazios. Todos. E não havia ninguém a passear no cais. Os arrumadores estavam desesperados. Só a noite estava amena.
Antes, havia lido e seguido o congresso do PCP. Toda aquela conversa com chavões que nada significam, uma linguagem que não mobiliza ninguém para além dos convertidos, o discurso sobre um governo "alternativo" sem o PS e BE, um choramingar sobre a queda dos regimes da Europa do Leste, que eram contra a natureza humana, e que levaram um lindo enterro, e pensei, isto é gente boa mas fora do seu tempo, presa a um passado que já não existe, a sonhar com o fracasso do que já foi à falência, que pena.
Para um Primeiro de Dezembro, que é um dia dos saudosistas e dos absurdos de outrora, foi uma viagem ao mundo das ilusões, genuínas, mas sem sentido.
Há exactamente um ano, numa entrevista ao diário I, disse o seguinte:
“As sociedades em declínio, que vivem com os olhos postos nas glórias do passado, caem facilmente na tendência de se fecharem sobre si próprias. Para esses povos, a História acaba por pesar mais do que o futuro. As elites reaccionárias apropriam-se da tradição e dos preconceitos de outrora, e transformam-nos nas novas bandeiras do populismo. Assim surgem as agendas políticas nacionalistas.”
Infelizmente, um ano depois, se houvesse algo a acrescentar a estas palavras seria simplesmente um sublinhado…E esclarecer que se trata de uma condenação do ultranacionalismo, uma denúncia das ideias extremas.
No seguimento do meu texto de ontem e dos comentários que suscitou, uma das questões que precisa de ser discutida parece ser a seguinte: quem são os principais países aliados do nosso país?
Portugal tem que contar com a cooperação e a convergência de interesses de países amigos, que partilhem os mesmos valores, os mesmos interesses e a mesma visão do futuro. Quais são esses países?
Nenhum povo, nesta era de interdependências, pode aspirar a viver isolado.
A questão subsidiária é como proteger os nossos interesses, numa comunidade de países similares e amigos? Cabe a nós, como é evidente, proteger o que nos parece ser do nosso interesse. E, ao mesmo tempo, entender o que deve ser partilhado e posto numa plataforma comum de ambições.
E, do outro lado da medalha, quem são os países que mais poderão ameaçar os nossos interesses e o nosso futuro?
Por que será que o debate público não abarca este tipo de questões?
Tiveram lugar hoje, na Serra Leoa, eleições presidenciais e legislativas. Foi a terceira vez que o país foi chamado a votar, após anos de guerra civil, que provocaram mais de 50 000 mortos e milhares de mutilados, com braços e mãos cortados à catanada pelos rebeldes. O dia eleitoral decorreu em paz e com elevada participação popular. Um bom exemplo de exercício democrático na África Ocidental. Uma vez mais, Christiana Thorpe, a presidente da Comissão Nacional de Eleições, mostrou ser uma mulher excepcional, uma Africana de grande coragem.
Organizei as eleições precedentes, em 2007. Foi um dos períodos altos da minha carreira. Foi também um dos momentos de maior tensão. O candidato do partido no poder tentou, nessa altura, fazer tudo por tudo, para ganhar o voto popular. Sabia, no entanto, que a tendência geral era contra ele. Procurou, por isso, usar todo o tipo de truques e de fraudes. Um dos meus antigos colegas da ONU, que entretanto regressara ao país e era um apoiante incondicional do governo, foi um dos personagens que liderava as tentativas de fraude. Tive que o chamar à pedra, acenando com a possibilidade da sua detenção, se continuasse a tentar viciar o processo.
O anúncio dos resultados oficiais estava marcado para uma segunda-feira, pelas 10:00 horas. No sábado anterior, o Vice-presidente da República, que era o candidato oficial do governo, depois de uma reunião extremamente difícil comigo, anunciou-me que nessa mesma tarde iria proceder à impugnação das eleições, através de uma petição que seria entregue em mão ao Presidente do Supremo Tribunal de Justiça. Disse-lhe, com toda a clareza, que a ONU não via razão alguma para esse tipo de acção, a não ser que o objectivo fosse o de pôr em causa um processo eleitoral que fora considerado por todos os observadores como limpo. Não quis aceitar a minha recomendação. Saí da reunião e, após consultar a embaixadora britânica, dei autorização para que se “levasse” o Presidente do STJ para parte incerta, sob a custódia dos ingleses, e que só fosse “libertado” na segunda-feira, a tempo de anunciar, às 10:00 da manhã, os resultados oficiais.
Assim aconteceu. A proclamação teve lugar como previsto. Ouviu-se, então, um clamor de alegria por toda a cidade de Freetown.
A meu pedido, a transferência de poder teve lugar nesse mesmo dia, às 17:00 horas.
Assim se fez história, em 2007, na Serra Leoa.
A petição do candidato derrotado, elaborada com todo o rigor jurídico, nunca foi recebida pelo Presidente do STJ...
Visitei o palácio, onde decorreram as negociações do Tratado. Onde as duas delegações estiveram fechadas durante três ou quatro meses, até chegarem a um acordo, que agradasse aos seus mestres, os Reis de Portugal e de Espanha.
Devo confessar que se eu estivesse encafuado naquele mísero palácio, que hoje visitei, a ver passar as águas do Douro, e pouco mais, numa terra perdida no meio de Castela, uma aldeia pequena com pouca vida, teria assinado tudo e depressa, a não ser que D. João II me prometesse metade do Alentejo, se tudo corresse de feição.