O massacre de fiéis em duas mesquitas de Christchurch, na Nova Zelândia, deixou-me horrorizado. Tem que ser condenado com convicção e sem qualquer sombra de reservas. Todo o tipo de violência é condenável. A violência em massa e de modo cego, levada a cabo por razões de diferença étnica ou cultural, é particularmente perversa. É um acto de terrorismo. Tem como objectivo criar um clima de medo colectivo e de intolerância.
Celebra-se hoje o Dia Mundial da Ajuda Humanitária. Uma data que nos lembra, acima de tudo, os enormes sacrifícios por que passam muitos dos trabalhadores humanitários no seu quotidiano. E que serve também para recordar os milhões de pessoas que vivem situações desesperadas e que precisam de ser ajudadas. Para a vasta maioria deles, é uma questão imediata de vida ou de morte. E é isso que define o trabalho humanitário e que o distingue dos programas de luta contra a pobreza: a urgência e os riscos imediatos de morte.
Na política internacional, o trabalho humanitário não tem o mesmo prestígio que o serviço político ou as questões de guerra e paz. Nem todos entenderão isso, mas a verdade é que assim é. Por isso, é importante que se fale mais, alto e bom som, sobre os esforços que muitos e muitos indivíduos fazem no desempenho das suas funções humanitárias.
Assim, hoje poderia ter sido um bom momento para contar umas histórias pessoais de portugueses que se têm distinguido nas acções humanitárias, em situações de extrema dificuldade, de grande stress físico e mental, de profunda insegurança. Infelizmente, a comunicação social passou ao lado. E sem caras, sem casos concretos, tudo isto parece distante e acaba por nos deixar indiferente.
Médecins Sans Frontières (MSF) critica abertamente a actual política europeia em matéria de acolhimento de refugiados. E, por essa razão, acaba de resolver que não aceitará novos financiamentos vindos das instituições da UE bem como dos governos dos Estados membros. Em termos monetários e contando por baixo, a decisão provoca uma quebra nas finanças anuais de MSF na ordem dos 56 milhões de euros. É uma importância significativa, embora represente menos de 10% do orçamento anual da organização. Mas é acima de tudo um posicionamento político claro. Pode ser discutível. E é-o, certamente, que estas coisas das questões humanitárias não devem ser vistas apenas através de um único prisma. Mas para além da apreciação que se possa fazer e do mérito que MSF conquista todos os dias – sou um doador anual desta organização, o que mostra a minha opinião sobre o trabalho de MSF – a verdade é que a decisão agora tomada não vai alterar a política europeia. A intenção da Europa é, antes de mais, travar e mesmo parar a chegada em massa de novos candidatos ao refúgio. E, ao ir por essa via, estará cada vez mais longe da maneira de ver dos que pensam como MSF pensa.
Vamos assistir, na próxima semana, a mais uma cimeira da UE sobre os refugiados e imigrantes. Desta vez, o prato do dia será especialmente indigesto. Tratar-se-á de aprovar o projeto de acordo com a Turquia sobre a questão.
Muito se tem dito e escrito sobre esse projeto, no essencial um documento proposto por Ancara e uma tábua de salvação lançada aos europeus, em que ninguém acredita de verdade. As medidas com alguma possibilidade de serem aplicadas são apenas as que beneficiam a parte turca. O resto é praticamente impossível de executar e não resolve os problemas que contam: a crise humanitária, a insegurança, a imigração ilegal, o crescendo xenófobo e a falta de unidade e solidariedade entre os estados da UE.
Em resumo, os custos deste acordo são excessivamente elevados e os resultados demasiadamente incertos. Sem esquecer as implicações negativas de longo prazo que a aceitação, por parte da Europa, acarretaria.
Vamos por partes.
O pacto com o governo turco inspira-se na lenda de Fausto. Vendemos a alma, os valores e a reputação em troca de um alívio que mais não é que uma quimera. Com efeito, o ajuste não respeita os princípios básicos das Nações Unidas sobre refugiados. Curiosamente, isso acontece na mesma altura em que a Europa do Leste reivindica o lugar de Secretário-geral da ONU. Se eu fosse um candidato proveniente de um dos países dessa parte da UE ficaria com a impressão que as minhas hipóteses de eleição estavam a encolher…
Também prejudica gravemente a imagem da Europa, enquanto guardiã e promotora da lei internacional, dos princípios humanitários, dos direitos humanos e da tolerância. Com que voz e autoridade se irá falar noutras assembleias e noutros tempos sobre esses ideais? Os princípios universais, a boa governação e o respeito pelas pessoas constituem, há duas décadas, temas essenciais da agenda externa europeia, incluindo na área da cooperação. No futuro, vai ser mais difícil dialogar sobre esses valores e exigir a outros que os respeitem.
Aprovar o acordo não pode tampouco deixar de ser visto como um sinal de fraqueza perante as exigências do Presidente Recep Tayyip Erdogan. Cede-se nos vistos. Os cidadãos turcos passam a ter acesso ao espaço Schengen sem restrições. Ou seja, muitos deles irão engrossar a multidão dos novos imigrantes na Europa, seja por motivos económicos ou por razões de discriminação étnica e política na Turquia. Ironia das ironias, não se aceitam novos refugiados com medo da imigração descontrolada, mas abre-se a porta a uma nova onda de imigrantes turcos. Cede-se igualmente nas negociações de adesão, quando é claro que Ancara não reúne as condições básicas que lhe permitam responder aos critérios exigidos. Cede-se por fim financeiramente, com um volume de transferências excecional, seis mil milhões de euros, num horizonte temporal curto, até 2018. Erdogan consegue assim pôr a Europa de joelhos.
E perde-se em relação a África. Os dirigentes africanos ficam a perceber que a Europa tem apenas duas preocupações maiores e convergentes na sua agenda externa: tornar as suas fronteiras exteriores tão herméticas quanto possível e fechar a torneira da imigração. São certamente preocupações legítimas, mas demasiado redutoras. É para aí que serão canalizados todos os recursos disponíveis. O resto, incluindo o que foi acordado na cimeira Europa-África de novembro de 2015 em La Valetta, parece ser apenas trinta e um de boca. O nível de confiança nas promessas europeias é cada vez menor. A Comissão em Bruxelas tem consciência disso. E está a ficar agitada, sem saber como tratar a relação com África, sobretudo à medida que nos aproximamos da próxima consulta entre a Comissão Europeia e a Comissão Africana, prevista para 7 de abril em Adis Abeba.
Perante isto, quais são as alternativas, para além de não se poder aceitar o acordo, tal como está redigido?
A resposta deve assentar num tratamento completo e coerente da questão dos refugiados e dos imigrantes, e basear-se no princípio do mal menor. É esse o verdadeiro desafio que temos pela frente.
A crise é multifacetada. Tem dimensões humanitárias, que são as mais urgentes e de curto prazo, mas também possui aspetos relativos à segurança europeia, à estabilidade política de alguns dos estados, à identidade cultural e ainda à imagem da Europa, vista quer pelos seus próprios cidadãos quer pelos outros, na cena internacional. Tudo isto deve ser equacionado.
Liderar é, numa crise como a presente, conseguir encontrar os equilíbrios possíveis, sem pôr em causa o fundamental. Isto passa por uma triagem muito mais expedita e completa dos que já chegaram e dos que irão chegar, pela adoção de medidas visíveis que desencorajem os aventureiros e os imigrantes meramente económicos, por um empenho a sério na resolução dos conflitos políticos que estão na origem dos movimentos populacionais, e por uma cooperação muita mais estreita com as agências das Nações Unidas, experientes que são quanto a este tipo de emergências. E se for preciso suspender, por uns tempos e nalguns casos específicos, as regras de Schengen, por que não?
O fundamental é mostrar que a Europa sabe ser generosa quando necessário, mas com robustez e clareza de princípios. Incluindo nas suas relações com líderes de países vizinhos, sobretudo quando esses sabem jogar habilmente com um pau de dois bicos.
O acidente com o avião da companhia alemã Germanwings continua a dominar as notícias na nossa parte da Europa.
Esta tarde François Hollande, Angela Merkel e Mariano Rajoy visitaram o local que funciona como centro de operações, a poucos quilómetros do local do embate na montanha. Haverá quem critique estas deslocações, dizendo que mais não são do que exibição política. Se esses dirigentes tivessem decidido ficar nos seus gabinetes, à espera das notas de informação, muitos outros criticariam aquilo a que chamariam de falta de sensibilidade política.
Quando se lidera, há que saber fazer escolhas. Neste caso, a opção mais correcta era bem clara. Foi isso que os três líderes fizeram.
Vale mais pecar por excesso que por defeito. E um líder tem que mostrar empenho pessoal na resolução e esclarecimento de algo que é visto como um drama público e de grande interesse para muitos. Tem também que dar apoio aos que, com muita abnegação, intervêm na resposta a este tipo de acidentes, bombeiros, polícias, pessoal de saúde, funcionários da administração local, etc. A experiência diz-me que essas manifestações de apoio são altamente apreciadas por quem anda no terreno, ao vento e ao frio, no contacto com a dor e destruição.
Interrogo-me muitas vezes sobre o futuro da cooperação para o desenvolvimento. Sobretudo quando vejo a atitude dos políticos, em Bruxelas e nas capitais europeias, que parecem agora convencidos que a ajuda ao desenvolvimento é uma matéria menos importante. Uma rúbrica orçamental que pode ser podada sem grandes custos eleitorais. E que as relações exteriores devem estar mais focadas no comércio, no sector privado, nos interesses económicos.
Ora, tudo é uma questão de equilíbrio. Pôr o acento na diplomacia económica esquecendo a política e a solidariedade entre os povos é uma ideia simplista, que desconhece as relações profundas que existem entre as duas vertentes das relações exteriores. A imagem externa, a intervenção diplomática a favor das grandes causas mundiais, a ajuda humanitária e para o desenvolvimento, o empenho em missões de paz, a política de alianças, tudo isto conta e acaba por influenciar o posicionamento económico internacional do país.
O Primeiro-ministro do Reino Unido, David Cameron, é um dos poucos dirigentes que entende esta rede complexa que deve definir o relacionamento externo de um país. Embora conservador e muito dado a cortes orçamentais em vários sectores, Cameron tem aumentado as verbas para a cooperação. Hoje, o Reino Unido é um dos raros países que dedica 0,7% do seu PIB à cooperação. Ou seja, que cumpre o critério aprovado no quadro da OCDE.
Não será por acaso. Vale a pena pensar que se os Britânicos o fazem é porque há um retorno político e económico numa boa política de cooperação.
Esta semana escrevo na Visão sobre François Hollande, a campanha eleitoral francesa e o desemprego na Europa. Para mim, o desemprego deve ser a preocupação central de todos os líderes políticos. Infelizmente, não é assim. França
No dia em que apareceu o meu texto, voltou a falar-se da Grécia e de um novo resgate, de cerca de 170 mil milhões de euros. A situação grega e as perspectivas para os próximos anos são aterradoras. A Grécia não consegue dar a volta à sua economia, está num processo de pauperização acelerado. Por outro lado, a UE está agora muito pouco disposta a ajudar a Grécia. Chegou-se a um ponto em que se diz, alto e bom som, que a Grécia não tem remédio.
No meio de tudo isto, não podemos deixar de pensar na situação portuguesa. Mais do que nunca, é fundamental investir na diversificação da nossa economia, na expansão dos sectores mais competitivos, criar riqueza e emprego. Aliás, o meu artigo de hoje defende essa mesma tese.
Muita gente importante, por essa Europa fora, está de tal modo preocupada com o petróleo e o gás da Líbia, que fica sem coragem para uma tomada de posição clara. Impera o silêncio, que o Cão Raivoso de Trípoli interpreta como uma licença para matar.
É verdade que os popós da malta não funcionam com base em declarações de princípio. Mas, sem princípios, a Europa deixa de ter autoridade moral. Não pode ser pela democracia no Zimbabwe, onde não tem interesses estratégicos, e pela estabilidade da ditadura na Líbia, onde uns barris de petróleo falam mais alto.
O meu texto na revista Visão desta semana percorre os desenvolvimentos recentes à volta da desvalorização do Euro e dos políticos.
Como o escrito é lido em Bruxelas e noutros corredores do poder, é importante ir além da crítica. Tento, assim, esboçar uma ou duas propostas. Mas acima de tudo, o que é preciso é calma, bem como vistas largas, que nos façam entender as tendências e não apenas o dia-a-dia.
A calma é a melhor receita quando a situação é complexa. Um olhar para lá do horizonte ajuda a colocar o problema numa perspectiva mais englobante. Só o especulador, de todo o tipo, é que trabalha na base do curtíssimo prazo.
Claro que gostaria que tivessem a paciência de ler o meu trabalho. E mesmo, de fazer um pequeno comentário.
Quantos portugueses terão pensado no que faz o Centro Ismaelita, ali mesmo ao lado da Loja do Cidadão, nas Laranjeiras, em S. Domingos de Benfica? Quantos terão imaginado a beleza do recinto, o bom gosto das instalações, a funcionalidade das salas de reuniões, o tipo de cursos de formação, as iniciativas, as actividades humanitárias que aí decorrem?
A Comunidade Aga Khan de Portugal é composta por gente muito comprometida com projectos sociais, com obras que visam o desenvolvimento humano. São portugueses, diferentes de nós, na cor da pele, na origem étnica, mas que muito contribuem, sem grande ruído, para uma sociedade mais harmoniosa e uma visão humanista das relações entre gentes de culturas diferentes.
Há muitos anos tive um primeiro encontro com representantes da Fundação Aga Khan, foi na África Oriental, vi o que faziam ao nível da educação e dos cuidados primários de saúde num contexto africano. Um dos meus grandes amigos data dessa época. Hoje, ao visitar o Centro de Lisboa, lembrei-me do Karim, da elegância que punha em tudo em que se empenhava, da vida ascética que vivia, para que o contraste entre o seu nível de vida e o das populações locais fosse o mais esbatido possível.